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Atualizado em 31 DE julho DE 2012 ás 00:12

Violações de direitos humanos são constantes na mídia baiana

Centro de pesquisa da Ufba monitorou os programas televisivos Se Liga Bocão e Na Mira e os jornais Massa! e Correio*

POR CLARISSA VIANA*
clarissa.viana@gmail.com

Julgamento antecipado, exibição de imagens sem autorização e exposição de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade foram as principais violações de direitos humanos que o Centro de Comunicação, Democracia e Cidadania (CCDC), órgão complementar da Faculdade de Comunicação da Ufba (Facom- Ufba), encontrou durante o monitoramento dos programas televisivos, Na Mira e Se Liga Bocão e jornais impressos locais Massa! e Correio*, realizado entre os meses de agosto de 2011 e janeiro de 2012. Os dados foram divulgados durante a audiência pública que aconteceu no último dia 26 de julho, na Facom. O evento foi convocado pelo deputado estadual Yulo Oiticica, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa da Bahia, em parceria com o CCDC e as organizações sociais que integram o Centro – Cipó Comunicação Interativa e Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Segundo os dados levantados no Observatório, a maioria dos fatos violentos que ganhou atenção dos programas e jornais monitorados ocorreu em Salvador e Região Metropolitana, e envolveu jovens (18 a 29 anos) do sexo masculino. Homicídio e ações policiais foram os enquadramentos que tiveram mais visibilidade naquele período.

Resultados da pesquisa apresentados na Audiência Pública sobre Mídia e Direitos Humanos

Resultados da pesquisa apresentados na Audiência Pública sobre Mídia e Direitos Humanos

A pesquisa é um dos eixos do projeto “Observatório de Mídia e Direitos Humanos”, financiado pela Fundação Ford, que monitorou os veículos de comunicação baianos durante seis meses. O objetivo do projeto é criar um fluxo de encaminhamento dos dados capaz de contribuir para as mobilizações da sociedade civil sobre o tema, além de dar subsídios para essas ações.

Violações de Direitos Humanos

Violações de Direitos Humanos. Fonte: Clipagem CCDC

“O projeto é um lugar de produção de informações. O lugar necessário para dar embasamento aos movimentos sociais. Existe uma lacuna da práxis da militância e da construção de conhecimento nesse sentido, daí a importância e o lugar desse projeto no caminho”, explica Nilton Lopes, jornalista da Cipó Comunicação Interativa.

Por conta da necessidade de criação do fluxo dos dados e da consequente articulação com os movimentos da área, a análise qualitativa do projeto esteve focada no segmento de infância e adolescência, no qual as organizações envolvidas já possuíam maior inserção.

Para Nilton Lopes, existem desafios para a consolidação desse fluxo, justamente pela fragilidade da legislação que trata do tema. “No caso da criança e do adolescente, este é um tema com certo ineditismo para o Sistema de Garantia de Direitos, além de não estar claramente previsto no ECA, o que aumenta o desafio de consolidar um mapa para direcionamento desse tipo de caso”, explica.

O projeto Observatório de Mídia e Direitos Humanos foi criado em 2009, e teve como um dos produtos a publicação do livro “A Construção da violência na televisão da Bahia”, com os resultados do monitoramento. Outros dois eixos de ação integraram o projeto – a mobilização da sociedade civil e a divulgação do tema, por meio de ferramentas de comunicação como um site. A audiência pública realizada no dia 26 de julho contou com a participação do Deputado Federal, Emiliano José, do Diretor Adjunto da Fundação da Criança e do Adolescente (FUNDAC), Isidoro Orge, e de representantes de organizações da sociedade civil.

Metodologia

A pesquisa trabalhou de forma combinada com as metodologias de análise de conteúdo – quantitativa – e análise do discurso – qualitativa. A análise quantitativa passou pelas seguintes etapas – pré-análise, categorização, codificação/contagem dos itens e interpretação. A análise de conteúdo contribuiu para a identificação de algumas das regularidades do posicionamento discursivo dos programas de TV e dos jornais impressos em questão. “Percebemos que a violação dos direitos humanos é traço do posicionamento discursivo desses programas e veículos”, destacou Giovandro Ferreira, coordenador do Centro.

Pedro Caribé (Intervozes); Emiliano José (Deputado Federal); Giovandro Ferreira (Facom); Isidoro Orge (Fundac); Luciano Simões (Cipó). Foto: Allysson Viana

Pedro Caribé (Intervozes); Emiliano José (Deputado Federal); Giovandro Ferreira (Facom); Isidoro Orge (Fundac); Luciano Simões (Cipó). Foto: Allysson Viana

O corpus de análise do projeto foi formado a partir da metodologia de “semana construída”, que consistiu em selecionar uma semana completa de cada um dos seis meses. Foram considerados, no processo de seleção, textos jornalísticos – notas, notícias, e reportagens – e matérias de TV – reportagem, nota coberta, nota simples, entrevista – que abordaram a temática da violência, envolvendo os segmentos de infância e adolescência; juventude; mulheres e LGBT.

Para categorizar e analisar o material selecionado, foram consideradas violações de direitos humanos referendadas em leis, estatutos, códigos civis, tratados ou declarações internacionais, entre eles a Constituição Federal de 1988, o Código Civil brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966), e do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos Sociais e Culturais (1966).

Caso Mirella Cunha

Em maio de 2012, a veiculação de uma matéria pelo programa Brasil Urgente, da Band, desencadeou uma série de mobilizações pelo fim do sensacionalismo na TV. Na matéria, a repórter Mirella Cunha, humilha um entrevistado, que se encontrava preso, à disposição do Estado, em uma delegacia de polícia. Este caso específico ganhou grande repercussão, entretanto, o estudo do CCDC demonstra como este tipo de cena é recorrente no conteúdo emitido por emissoras de TV aberta na Bahia. Neste caso específico, várias entidades se organizaram contra este tipo de violação, como a Associação Baiana de Imprensa (ABI) o Coletivo de Entidades Negras, o Instituto de Mídia Étnica e o Movimento Reaja.

Para o representante da ABI, Ernesto Marques, os limites éticos precisam ser respeitados. “A ABI defende a liberdade de imprensa como valor que motivou sua fundação, em 1930. Defendemos ainda um conceito mais amplo, o da liberdade de expressão. Acreditamos que os veículos devem exercitar ao máximo a liberdade de criação, mas há limites éticos a serem observados. E parece haver consenso sobre o abuso cometido por esse tipo de programas, e isso não pode ser confundido com liberdade de imprensa, muito menos com liberdade de expressão”, defende.

As ações repercutiram nacionalmente e, desta vez, houve intervenção do Ministério Público Federal da Bahia, que entrou com uma representação na Justiça contra a repórter, e do Ministério Público do Estado da Bahia, que expediu uma recomendação ao Comando Geral da Polícia Militar (PM), delegado-geral da Polícia Civil e Corregedorias Gerais da Secretaria de Segurança Pública (SSP) e da PM para adotar medidas administrativas necessárias para cumprimento da legislação que vedam a exposição pública e indevida de presos. Além disso, foi aberto processo administrativo para apurar os abusos cometidos pelos programas sensacionalistas.

“A imprensa vive uma boa oportunidade de reflexão, de autocrítica. E a sociedade experimenta uma excelente possibilidade de uso da internet que a um só tempo reafirma a liberdade de expressão como valor fundamental de uma democracia e como remédio mais eficiente que qualquer medida restritiva contra abusos cometidos em nome da liberdade de imprensa”, avalia Marques.

Crescimento da “imprensa popularesca”

A presença de programas sensacionalistas na grade de programação das emissoras locais é cada vez maior. O programa Se Liga Bocão, apresentado por José Eduardo, aumentou o seu tempo de exibição de 1h30min para 2h30min, com a retirada do programa Balanço Geral da faixa do meio dia. O mesmo aconteceu com o Na Mira, apresentado por Analice Salles, que ampliou a sua duração de 1h para 1h30. Em 2011, a Band Bahia também lançou na sua grade programa com a mesma linha policialesca – o Brasil Urgente Bahia, apresentado por Uziel Bueno, com dois horários de exibição 13h e 16h50 (com duração de 40min e 2h respectivamente).

Nos jornais impressos não tem sido diferente. A reformulação do Correio* e a criação do Massa!, em 2010, segue uma tendência nacional de crescimento dos jornais voltados para os segmentos populares, que tem aumentado o número de títulos nos últimos anos. O segmento também é responsável pelo aumento da circulação dos jornais impressos em 2011. Segundo auditoria realizada pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC), órgão responsável pela auditoria de jornais e revistas no País, houve um crescimento médio de 3,5% de circulação de jornais no Brasil em 2011, impulsionado em maior escala pelo crescimento nas vendas de publicações com preço de capa até 99 centavos, que avançou 10,3%.

Capas do Correio* e do Massa! – alguns dos exemplares clipados pelo CCDC

Capas do Correio* e do Massa! – alguns dos exemplares clipados pelo CCDC

O crescimento desses programas e publicações demonstra o sucesso de audiência e arrecadação publicitária, com grandes anunciantes como o próprio Governo do Estado da Bahia. “O Estado é o principal anunciante do mercado publicitário brasileiro. Infelizmente, esses recursos, públicos, são distribuídos sob a lógica de mercado, baseado na audiência, acesso ou tiragem, questões meramente quantitativas, que não levam em conta princípios públicos correlacionados com os direitos humanos. Além disso, o conteúdo é de mera propaganda do governo, e não utilidade pública”, explica Pedro Caribé, integrante do Intervozes e conselheiro do Conselho Estadual de Comunicação. Segundo ele, o objetivo do Conselho é implementar uma lógica baseada no direito à comunicação na política desse setor a nível estadual, incluindo a publicidade.

*Clarissa Viana é Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Facom-Ufba e jornalista da Agência de Notícias

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