Pasqualino atua como professor dos cursos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFBA. Em seus projetos, defende sempre pensar a arquitetura antes de fazê-la. Nesta entrevista, ele fala sobre seus projetos de pesquisa atuais no plano de imanência filosófico do pensamento rizomático e sua Lógica da Multiplicidade, também conhecida por Lógica da Diferença.
POR THALITA LIMA*
thalilima04@gmail.com
Ciência e Cultura – Como aconteceu a evolução das suas pesquisas até começar a se interessar pela filosofia articulada ao fazer da arquitetura?
Pasqualino Magnavita – Em 1995, consegui uma bolsa do CNPQ e comecei a trabalhar em pesquisa. Na primeira pesquisa procurei problematizar a relação entre a arquitetura moderna e a arquitetura pós-moderna, pois naquele período entre 70 e início da década de 90 havia muito interesse em discutir o pós-modernismo no Brasil. Eu fiquei fascinado com essa questão do Moderno X Pós-moderno. Porém, quando viajei para o EUA em 1997, fiquei sensibilizado por um conceito interessante: os Fractais. Esse assunto estava sendo desenvolvido e havia uma densa literatura sobre o tema. Entretanto, o assunto possuía como referência equações criadas e resolvidas bidimensionalmente, em superfícies planas. Todavia, minha pesquisa visava transportar o conceito Fractais para o espaço tridimensional da arquitetura.
Ciência e Cultura – O que são fractais?
Pasqualino Magnavita – São elementos que podem se reproduzir em diferentes escalas, ao infinito. Um fractal é um objeto geométrico que pode ser dividido em partes, cada uma das quais semelhantes ao objeto original. Isto é, um fractal é um processo em que uma figura plana e geométrica corresponde a uma equação de 2º grau que pode ser reproduzida em escala infinitamente pequena e permanece igual à figura original, embora o resultado final corresponda a uma nova figuração formada pela associação da figura original. Era algo muito atrativo, pois desse processo resultavam imprevisíveis e surpreendentes figuras de impensável geometrização. Entretanto, não conseguia estabelecer uma passagem desse processo bidimensional para a arquitetura no espaço tridimensional, visando obter uma arquitetura fractal. Não havia uma ampla bibliografia sobre esta questão. Então eu não prossegui nessa direção e, apesar de ter tentado, acabei abandonando a temática dos fractais.
No período seguinte, acabei me interessando não mais pela arquitetura pós-moderna, mas pelo pensamento pós-estruturalista. Então comecei a estudar um pouco do pensamento de Deleuze e Guatarri, pensadores que criaram o pensamento rizomático com o livro Mil Platôs. Então, lendo outras obras dos referidos autores, comecei a mudar a forma de pensar, agora mais articulada com a filosofia, tentando rebater este pensamento na produção da arquitetura.
Ciência e Cultura – Atualmente o senhor desenvolve dois projetos na área de Arquitetura e Urbanismo e ambos com vertentes filosóficas. Nesses projetos, fala-se sobre o pensamento rizomático. O que seria o pensamento rizomático e a Lógica da Multiplicidade?
Pasqualino Magnavita – Naquele período anterior, concebia a realidade a partir da filosofia binária, ou seja, o pensamento dialético, a relação entre isso e aquilo, moderno e pós-moderno, bem e mal. Já o pensamento rizomático tem uma concepção muito diferente do pensamento dialético. Fazendo-se uma comparação entre o pensamento dialético e pensamento rizomático, diria que o pensamento dialético, com sua lógica binária, corresponde ao modelo arborescente de pensar (da árvore de raiz profunda, fixa, que nasce e morre), enquanto o rizoma é uma raiz superficial, a guisa de uma rede móvel sem princípio nem fim, sempre no meio, entre as circunstâncias, e efetuam Multiplicidade e Heterogeneidade de conexões de elementos, coisas. Vale lembrar que não existem coisas em si, pois as coisas são relações. Considera e incorpora o princípio da indeterminação, da incerteza. A lógica binária é a lógica da determinação do verbo “ser”, mas o pensamento rizomático é a lógica das conexões, de uma rede aberta de conexões.
Ciência e Cultura – Como esse pensamento rizomático e a Lógica da Multiplicidade ajudam a desenvolver projetos na área de arquitetura? Qual é a relação?
Pasqualino Magnavita – Quando você faz arquitetura, admite-se que a arquitetura é uma arte. A minha pesquisa tentava entender a relação entre três universos: filosofia, ciência e arte. São três formas de pensar e criar. A filosofia pensa e cria conceitos, não existem conceitos científicos, eles são filosóficos. Desses conceitos, o que se percebe é que o pensamento ainda dominante é o pensamento dialético, do real e do possível, regido ainda pela forma de pensar dialética. O campo da ciência é discursivo, é o campo das funções, onde se aplicam discursivamente os conceitos que são filosóficos. E o universo da arte é das percepções e dos afetos. O arquiteto quando produz ele está no meio das circunstâncias. A ciência entre na arte, mas não a determina, pois ela considera apenas as funções (funcionalidade), cujas soluções estéticas competem à arquitetura no universo da arte.
Ciência e Cultura – Mas como esse pensamento contribui com a arquitetura? Qual é a aplicabilidade?
Pasqualino Magnavita – Como arquiteto é possível optar por não construir igrejas, por exemplo. É possível pensar em lutar para fazer outras coisas que não sejam de natureza transcendente ou a serviço do Capitalismo Mundial Integrado (CMI) das “Sociedades de Controle”. Se você, como arquiteto, tem a necessidade de sobreviver, assim como um operário de uma empresa de projetos arquitetônicos, pode oferecer o seu trabalho imaterial de projetar. Todavia, se você não depende da sobrevivência, pode optar por uma arquitetura de interesse social e declinar de projetar, por exemplo, igrejas, bancos, condomínios fechados, residências de luxo, entre outras arquiteturas destinadas aos poderes hegemônicos. Historicamente, o que se constata é a produção de uma arquitetura régia, dos poderosos. Pouca importância tem tido a arquitetura informal, nômade. A arquitetura tem estado sempre a serviço do poder. Salvador é um conjunto de favelas, são arquiteturas informais produzidas por aqueles que não têm o saber acadêmico reproduzido nas academias, mas produzem arquitetura de forma ampla. Se você pensa a arquitetura de interesse social, há um posicionamento de caráter político, relacionado à visão de mundo. É possível fazer arquitetura nesse sentido.
Ciência e Cultura – Os seus dois últimos projetos (um sobre Teoria, Crítica, História da Arquitetura e o pensamento rizomático e o outro sobre Biopolítica e Sustentabilidade da Arquitetura) abordam assuntos semelhantes? O que diferencia essas duas discussões?
Pasqualino Magnavita – O primeiro projeto discute algo diferente. Refere-se à relação entre ciência, arte e arquitetura, que expliquei anteriormente. Agora, nesse último projeto, já associo outros conceitos e questões. Quando você pensa no âmbito da lógica da Multiplicidade do pensamento rizomático, não significa que você faz arquitetura rizomática. Você faz arquitetura conforme o modo de pensar. Não existe arquitetura rizomática, bem como não existe arquitetura dialética, pois arquitetura conforme o modo de pensar pressupõe uma experiência vivenciada e uma “visão de mundo”, ou seja, atitude política (não partidária), no sentido de uma atitude ética. Pensamento, experiência e visão de mundo são indissociáveis.
Nessa última pesquisa entram todos esses conceitos. Essa relação da ciência, arte e arquitetura, os conceitos de poder, saber, ética, entre outros. Tudo isso refletido na Linha de Pesquisa do Programa de Pós-Graduação Teoria e Crítica da Arquitetura e do Urbanismo, particularmente nas disciplinas de Teoria em sua interface com a História.
Ciência e Cultura – Em seu trabalho, como é discutido a sustentabilidade?
Pasqualino Magnavita – A sustentabilidade não é a sustentabilidade somente física/ambiental. São três ecologias: ecologia ambiental, social e mental. Esse equilíbrio dinâmico do ambiente que propõem não é somente físico, é também social e mental. Além de ter conhecimento da ecologia física (solo, temperatura, economia da água, etc.), você tem que ter na formação mental uma direção para como proceder, justamente aí entra a forma de pensar.
Ciência e Cultura – O que o senhor considera mais instigante nessa pesquisa? Já obteve algum resultado significante?
Pasqualino Magnavita – O instigante é o processo contínuo. Nessa pesquisa eu estou muito motivado por outro item que é o problema da criatividade e ética, no âmbito do conceito de multidão. As pessoas são criativas, mas a criatividade é uma condição humana. Nas pequenas ações você é criativo, pois criatividade não é somente a genialidade.
Quanto aos resultados das pesquisas eles são justamente o que se conseguiu obter através de publicações de artigos em periódicos, capítulos de livros, apresentação de textos em eventos e oferecimentos, pois não se ensina o que se sabe, mas o que se pesquisa.
Para concluir, me compete afirmar que o pensamento rizomático é muito importante para entender a produção da arquitetura, pois dispõe de novos conceitos, considerando que os arquitetos se encontram sempre no meio, no entre, no intermezzo de multiplicidades de saberes e poderes dobrados nos processos de subjetivação relacionados com uma “visão de mundo”, demarcando assim uma atitude política (atitude ética). Todas essas considerações, diante das condições econômicas, sociais, políticas e culturais em variação contínua, pressupõem o princípio da indeterminação (princípio da incerteza), além de rupturas, descontinuidades, evoluções não lineares acontecimentos e permanente criatividade.
*Thalita Lima é estudante de Jornalismo da Facom-UFBA