Mestre e Doutor em Educação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Teófilo Alves Galvão Filho é especialista em Informática na Educação pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Professor credenciado do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Ufba e pesquisador do grupo de pesquisa cadastrado no CNPq "Educação Inclusiva e Necessidades Educacionais Especiais", nesta entrevista, o pesquisador fala sobre educação inclusiva e do que significar tratar deste tema na escola, do ponto de vista das chamadas tecnologias assistivas. Avalia, também, a condição das escolas de Salvador em tal processo, bem como, as políticas públicas relacionadas ao tema.
POR ALAN TIAGO ALVES
alan_tiago.nh@hotmail.com
Ciência e Cultura – O que significa educação inclusiva?
Teófilo Filho – É um processo por meio do qual se pensa a educação cada vez mais como um direito de todas as pessoas. Entende-se a educação como uma etapa, como um processo da vida do ser humano, no qual todas as pessoas têm direito de acesso, inclusive as com deficiência e com necessidades educacionais especiais. Em relação às pessoas com deficiência, há todo um caminho em termos de conscientização, de mudanças de paradigmas e de concepção da própria deficiência da pessoa. Essa pessoa com deficiência tem direito à educação e tem direito à educação na escola regular comum e não uma educação segregada em escolas especiais, separadas da população em geral. A sociedade tem que se preparar, assim como as escolas, para se adaptar, acolher e incluir os que portam algum tipo de deficiência. Antigamente se pensava no “paradigma da integração”, no qual o modelo médico era muito forte e as pessoas com deficiência tinham de ser “normalizadas” para poder entrar na sociedade. Já o “paradigma da inclusão” dá um passo em relação a isso quando percebe que a responsabilidade por essa integração, inclusão e acesso da pessoa com deficiência aos diferentes ambientes da sociedade não é uma responsabilidade apenas dela, mas é uma responsabilidade da própria sociedade. Porém, a sociedade, muitas vezes, é carregada de preconceitos e de desconhecimento em relação às pessoas com deficiência. Em relação à educação inclusiva, a escola também deve ampliar as suas possibilidades para se tornar cada vez menos rígida, menos fechada para atingir cada vez mais as diferenças.
Ciência e Cultura – Em se tratando de tecnologia, o que determina a inclusão?
Teófilo Filho – Se a escola tem que se adaptar e se tornar acessível a todas as pessoas, ela tem que buscar meios para isso e é preciso. É preciso desenvolver um mecanismo de trabalho baseado na construção e no respeito aos ritmos individuais de cada aluno, com ou sem deficiência. É preciso mudar a forma de entender o conteúdo, o currículo, que tem de ser flexibilizado em função dos diferentes estilos de aprendizado e possibilidades de cada pessoa. Em termos de acessibilidade física, é preciso ter rampas, portas mais amplas, entre outros aspectos, que são regulados por normas técnicas como a ABNT, IBR 9050 – que tratam de acessibilidade física em os ambientes físicos. Muitas vezes, é necessários, também, ter tecnologias específicas que possibilitem essa inclusão. São diferentes recursos que podem significar estratégias, métodos e serviços que possibilitem a inclusão. O computador, portanto, é um exemplo de tecnologia assistiva que possibilita que a pessoa realize atividades antes consideradas inviáveis por conta da sua limitação. Contudo, muitas vezes, o computador precisa de recursos de tecnologia assistiva para facilitar seu acesso, como uma máscara de teclado para uma pessoa que tenha problemas de coordenação motora. Essa adaptação faz com que a pessoa possa digitar sem pressionar várias teclas ao mesmo tempo. Trata-se de uma placa de acrílico, com um furo para cada tecla do teclado. Existem também teclados especiais, mouses especiais e diferentes softwares especiais. Muitos desses recursos de tecnologia assistiva são gratuitos e podem ser baixados na internet. Quando se fala nesse tipo de tecnologia, a gente imagina ferramentas sofisticadas e inacessíveis, porém, uma bengala que, por exemplo, um cego utiliza para se locomover, também é um exemplo de tecnologia assistiva. A tecnologia assistiva, na verdade é qualquer recurso, desde uma bengala até um software, que é um recurso mais sofisticado. São, portanto, diferentes recursos que são essenciais para que a pessoa possa se incluir na escola ou em qualquer ambiente social.
Ciência e Cultura – Qual o panorama das escolas de Salvador no que se refere à inclusão tecnológica?
Teófilo Filho – Esse, inclusive, foi o tema da minha tese de doutorado, cujo título é “Tecnologia Assistiva: apropriação, demandas e perspectivas”. Foi um estudo de caso realizado em escolas de Salvador, onde se buscou entender como está sendo esse processo de apropriação da tecnologia assistiva e como as escolas estão acolhendo e incluindo os alunos com deficiência. Pela Lei, nenhuma escola, hoje, pode recusar a matrícula de um aluno com deficiência. Sendo assim, para que muitos alunos com deficiência possam estudar, é essencial que tenha algum recurso de tecnologia assistiva. O que se percebeu é que existe um processo introdutório ainda, embrionário, de utilização dessas tecnologias. Porém, estudamos a demanda dos professores e percebemos que muitos deles têm um desconhecimento muito grande em relação às essas tecnologias de inclusão. Às vezes, aparece um aluno com deficiência na sua sala de aula e, muitas vezes, não tem suporte, não tem tecnologia e nem formação para dar apoio a esse aluno. Contudo, algumas pessoas já começam a se formar nessa área e alguns recursos de tecnologia assistiva começam a surgir, muitas vezes fornecido pela própria rede, secretaria ou pelo MEC, e esses recursos já começam a ser distribuídos nas escolas. Em outros casos, o próprio professor começa a desenvolver técnicas artesanais e simples de inclusão, porém de alta funcionalidade. Como perspectivas, se vê que o processo de inclusão escolar é um processo irreversível, é um processo que tende a crescer e leva, cada vez mais, a uma demanda maior de tecnologias. Na medida em que surgem mais alunos nas escolas, essas demandas crescem.
Ciência e Cultura – Existem propostas de políticas públicas que permitam avançar neste sentido? De que maneira o governo e as unidades escolares se articulam?
Teófilo Filho – Vivemos em um momento paradigmático, em termos de políticas públicas relacionadas à inclusão da pessoa com deficiência na sociedade brasileira. Foi lançado recentemente pelo governo federal, em novembro de 2011, um grande programa nacional dos direitos da pessoa com deficiência, o “Viver Sem Limites”. É um programa que conta com ações de diferentes ministérios, baseado numa nova legislação que é chamada Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, aprovado na ONU, e, depois, ratificado pelo Brasil e aprovada por coro qualificado nas duas casas do Congresso Nacional e incluída como emenda constitucional, por decreto legislativo. Essa é a primeira vez que um tratado internacional de direitos humanos da pessoa com deficiência é incluído integralmente na nossa carta maior, a Constituição Brasileira. É uma convenção bastante avançada em termos dos direitos das pessoas com deficiência. Esse plano envolve quatro áreas: saúde, educação, inclusão social e acessibilidade. Em todas essas áreas têm ações de diversos ministérios, como o Ministério da Educação; da Saúde; Ciência, Tecnologia e Inovação; Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República; Ministério do Planejamento. Só para ter ideia da sua dimensão, esse plano tem previsão orçamentária, entre 2011 e 2014, de R$ 7,5 bilhões, a serem aplicados ao longo desses quatro anos. Uma das ações relacionadas à acessibilidade, mais especificamente à tecnologia assistiva, foi a criação de um centro de referencia nacional em tecnologia assistiva, que já funciona em Campinas, e depois a articulação de diferentes centros do Brasil que estão sendo criados também. Por exemplo, o plano prevê, também, a desoneração da questão tributária para as tecnologias assistivas importadas, inexistentes no Brasil, para que se possa importar a um preço mais baixo e facilidades na linha de crédito. O Banco do Brasil, por exemplo, já tem linhas de crédito com juros bastante baixos para aquisição de recursos de tecnologias por pessoas de baixa renda. No momento, eles estão com linhas de crédito de até R$ 30 mil. Outra ação é o desenvolvimento de cursos pelo MEC para formação de professores para atendimento e atuação no chamado Atendimento Educacional Especializado, ou AEE, realizados em salas de recursos multifuncionais, que estão sendo implantadas em todo o Brasil. As salas de recursos funcionais possuem recursos de tecnologia assistiva e cursos para a formação de professores, para atuarem e dar o suporte a inclusão desses alunos. As políticas públicas têm aumentado nesse sentido, utilizando as tecnologias assistivas como instrumentos indispensáveis para a inclusão.
Ciência e Cultura – E na Bahia, mais precisamente em salvador, como estão acontecendo essas políticas públicas?
Teófilo Filho – No que tenho conhecimento, as políticas públicas que chegam até Salvador – as de maior dimensão – são as do governo federal, relacionado ao plano “Viver Sem Limites”. Então, professores da rede pública estadual e municipal são formados nos estados e nos municípios. Então, chega à Bahia e a Salvador, por exemplo, cursos de formação em atendimento educacional especializado, cursos de especialização, cursos de aperfeiçoamento, além de kits de tecnologias assistivas para essas salas de recursos multifuncionais que estão sendo entregues também em diferentes municípios. Então, as políticas mais abrangentes são as federais, atualmente, que eu tenho conhecimento, relacionadas à inclusão das pessoas com deficiência, inclusão educacional – a educação inclusiva – e as tecnologias assistivas para essa inclusão.
Ciência e Cultura – Quais as tecnologias inclusivas/assistivas mais utilizadas atualmente?
Teófilo Filho – Quando se fala em tecnologias assistivas, não estamos falando exclusivamente de produtos de tecnologia. Como eu falei tecnologia assistiva não é só produto, mas também metodologias. O sistema braile, por exemplo, não se trata de um equipamento, mas uma forma de conhecimento de escrever ou de ler. Então, é um sistema que não é uma maquina, mas corresponde a uma forma de tecnologia assistiva. Falando de dispositivos, existem milhares, desde recursos artesanais – recursos de baixa tecnologia -, até os recursos mais sofisticadps de alta tecnologia, como a informática. Não que os recursos mais simples não sejam eficientes. Pelo contrário, existem ferramentas de baixa tecnologia e de altíssima funcionalidade, como o exemplo da bengala. Isso vai depender de pessoa para pessoa. Falando sobre as tecnologias de informação, elas têm avançado muito na sociedade. São muitos os recursos em tecnologias assistivas que vão desde uma adaptação física para facilitar o uso do computador – como, por exemplo, uma adaptação na mão, uma estabilização na cadeira de rodas, entre outras, as chamadas adaptações físicas ou órteses – até as adaptações físicas do próprio computador, como adaptações de hardwares, adaptações no teclado, no mouse, na tela do computador, ou uma impressora braile. Em relação à parte lógica do computador, temos softwares especiais de acessibilidade – são os programas de computador que possibilitam o acesso ao computador e a realização de diversas atividades pelas pessoas com deficiência. Esses avanços surgem a cada dia e são muito rápidos. Por exemplo, existe um tipo de celular que permite que a pessoa cega fotografe texto impresso e depois, ao simples ato de apertar um botão, o aparelho lê o texto para ele. Trata-se de um software instalado no celular que faz a leitura da foto e que tem um programa ACR e tem síntese de voz. Uma pessoa tetraplégica, que não move nada do pescoço para baixo, pode controlar a seta do mouse, por exemplo, apenas com o movimento da cabeça com o apoio de um software. Basta apenas à pessoa apontar o nariz e a seta do mouse acompanha. O software usa a webcam para captar o movimento do nariz. Outro recurso de tecnologia assistiva bastante conhecido é o teclado virtual, que facilita a vida de quem tem deficiência física. Esses recursos de tecnologia assistiva tem possibilitado certa independência a essas pessoas com algum tipo de deficiência.
Ciência e Cultura – E essas tecnologias já estão disponíveis nas escolas?
Teófilo Filho – Na verdade, muitas dessas tecnologias estão disponíveis na internet. Esses softwares são grátis e qualquer pessoa pode ter acesso a esses dispositivos. O que está muito indisponível nas escolas e na sociedade, em geral, é o conhecimento sobre elas. Muitas pessoas com deficiência estão com a sua “inteligência aprisionada”, são pessoas com o cognitivo totalmente preservados, mas aprisionado em um corpo muito limitado. A tecnologia tem esse objetivo de libertar essa inteligência e possibilitar que a pessoa com deficiência possa explicitar todo o potencial que tem dentro de si. Existem muitas pessoas com a inteligência aprisionada por falta de conhecimento desses recursos e, por conta disso, continuam isoladas e segregadas. É fundamental dizer que o acesso a esses recursos é um direto dessas pessoas. Portanto, o acesso do computador às pessoas com deficiência deve ser percebido pelas políticas públicas como direito dessas pessoas. Por 16 anos, coordenei um trabalho em um laboratório de informática para alunos com deficiência. Ao longo desse tempo, o que podemos verificar na prática é que mais de 90% das dificuldades desses alunos eram resolvidas através de recursos de tecnologias assistivas ou gratuitos ou artesanais, de baixo custo, que a gente mesmo desenvolvia. Raramente houve casos de algum precisar de um recurso mais sofisticado. É fácil e simples, basta que a pessoa saiba onde deve buscar esses recursos. É preciso de a disseminação de informações sobre essas tecnologias e da formação da sociedade para o uso adequado dessas ferramentas.
Ciência e Cultura – Estamos nos aproximando da Copa de 2014 e Salvador é uma das 12 cidades que irão receber jogos do torneio. Como vê a questão da acessibilidade em relação à copa? Salvador está preparada?
Teófilo Filho – Não está preparada, assim como a sociedade em geral não está preparada para incluir plenamente as pessoas com deficiência. Mas a sociedade brasileira e internacional tem avançado bastante nesse sentido. A consciência de inclusão tem crescido na sociedade. Antigamente a segregação era normal e voltando ainda mais no tempo, percebemos que o normal era que se eliminasse fisicamente as pessoas com deficiência. Mas a sociedade foi avançando em relação à civilização humana. Hoje, porém, vivemos em um momento privilegiado onde temos políticas de inclusão e tem crescido bastante as intervenções sociais no sentido de inclusão. Mas inda estamos longe de vencer esses longos e temidos dias de invisibilidade da pessoa com deficiência. A legislação está bastante avançada, mas as práticas das políticas públicas ainda são, eu diria, tímidas em relação a isso. Falar de pessoas com deficiência, sobretudo tomando os dados preliminares do Censo como base, corresponde a falar de 23,9% da população brasileira. Quase um quarto da população brasileira tem algum tipo de deficiência. Isso deu um salto, porque no Censo de 2010, a partir da metodologia utilizada naquele ano, se falava em 14,4% da população brasileira com algum tipo de deficiência. Depois do aprimoramento dos métodos de pesquisa, perceberam que são, na verdade, 45 milhões de brasileiros, aproximadamente, com algum tipo de deficiência. Portanto, não é falar de uma minoria, é falar de um segmento bastante significativo da população, por isso a priorização deve ser muito maior nas ações visando a inclusão desse segmento.