Tomar banho, escovar os dentes, tomar café da manhã. Ao fazer cada uma dessas atividades você está usando o Sistema Único de Saúde (SUS). No resto do dia, não é muito diferente. Isso porque há uma área do SUS responsável por evitar riscos à saúde, o que inclui a fiscalização de medicamentos, água, cosméticos, alimentos, e até o trânsito em portos e aeroportos. Essas são só algumas áreas que estão sob as ações da vigilância sanitária. Ao longo da história sempre houve um esforço para o controle da segurança e qualidade de alimentos, de medicamentos e das chamadas práticas de cura. As ações de fiscalização já existiam antes da criação do SUS, como parte da saúde pública praticada antes do sistema. Mas com sua criação, ficou definido na constituição que essas ações são ações de saúde.
POR INÊS COSTAL*
Segurança sanitária
A noção de segurança sanitária é um conceito em formação no mundo. Ediná Costa, pesquisadora da Ufba, explica que a noção diz respeito a uma relação aceitável entre os riscos e os benefícios relacionados a algum produto ou tecnologia. “Tudo que está sob vigilância sanitária tem risco, mas também traz beneficio à saúde, com exceção do tabaco. Para que algo seja aceito para uso e consumo é preciso que a relação risco/benefício seja aceitável, os benefícios maiores que os riscos”, reforça.
Um dos instrumentos utilizados são as avaliações de risco, que incluem várias etapas. É possível ter uma estimativa dos riscos e benefícios e saber se o produto pode ser liberado para produção e consumo. Ainda assim não há garantia e total de segurança. Um produto pode sair perfeito da fábrica e ser transportado em um caminhão com excesso de temperatura, ser prescrito de forma errada ou usado de forma errada. Isso é ainda mais comum com alimentos.
A necessidade de atualização dos profissionais que trabalham na área é constante. “Quando vamos fiscalizar nosso conhecimento é questionado, as pessoas tentam impor o que acham que é certo. E nós pesquisamos a legislação nova. É complicado, cada fiscal tem que saber tudo e fiscalizar tudo”, afirma Maria do Carmo Fernandez, fiscal sanitária.
Função desconhecida
A maior parte da população não sabe que vigilância sanitária é SUS. Segundo Cacia, “as pessoas falam que não usam nada do SUS. Eles não sabem que o Sistema Único de Saúde trabalha diuturnamente para que a população sofra menos riscos, seja no hospital particular ou nos produtos que ele está consumindo. Há um investimento alto para que esses produtos cheguem com melhor qualidade. Ainda falta essa percepção”, pontou.
O entrave do modelo de assistência à saúde
Para a fiscal Fernandez, falta visibilidade ao trabalho. “As pessoas desconhecem o trabalho da vigilância, o que fazemos e porque é importante. Já fui a clínicas e quando me apresentei como vigilância sanitária apontaram o vaso sanitário. Outras vezes, as pessoas ficam surpresas e falam: vocês existem!”, explica. “Até os gestores desconhecem, muitas vezes, em municípios do interior, qualquer pessoa é contratada para fazer a vigilância, mesmo sem formação”, completa Ione Rosas, também fiscal sanitária.
Costa afirma que é necessário trabalhar a área de comunicação na vigilância sanitária, mostrar que esse serviço existe e que é uma ação de saúde importante. “Essa comunicação tem uma função importante na construção da cidadania, para empoderar o cidadão sobre o que ele consome, sobre os riscos, e para divulgar essas ações de saúde que ainda são mal compreendidas pela população, com razão porque muitas vezes só se apresenta de forma autoritária e descontinuada”, conclui.
A vigilância sanitária tem o chamado poder de polícia. O exemplo mais conhecido é o da Receita Federal, que pode obrigar todos a declarar imposto de renda e reter contribuintes na malha fina. Da mesma forma, a vigilância sanitária pode, para cumprir seu dever de proteger à saúde da população, multar ou fechar um local que não siga as normas de qualidade fiscalizadas pelo setor.
Descentralização difícil
Um dos marcos do desenvolvimento da área de vigilância sanitária foi a criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), uma agência reguladora com mais capacidade financeira e organizacional. A necessidade de o órgão cumprir com suas responsabilidades motivou a descentralização das ações de vigilância no país.
Ita Cacia coordena a Diretoria de Vigilância Sanitária do estado há cinco anos e afirma que a descentralização das ações para os municípios é um dos principais desafios. “Há muita resistência dos municípios em assumir suas responsabilidades na área de vigilância sanitária. Mais de 50% das ações ainda está sob responsabilidade do estado”, afirma. As principais dificuldades apontadas por Cacia são a alta rotatividade dos profissionais e a consequente falta de capacitação dos profissionais devido à troca constante dos grupos de trabalho. Ainda segundo a diretora, os municípios afirmam que falta decisão política de priorizar a área e de deixar que a vigilância sanitária faça seu papel. “Quando a vigilância sanitária interdita um lugar, ela mexe com os poderes econômico e político”, afirma.
A fiscal Ione Rosas afirma que quem costuma seguir as regras gosta da visita da vigilância. “As pessoas que trabalham corretamente aceitam bem as visitas. É bom ter um olho externo que aponte problemas que às vezes você não vê”.
Tragédias
Tragédias envolvendo alimentos contaminados ou medicamentos adulterados são bem conhecidas. E servem também para provocar mudanças nos serviços que devem atuar para que elas não aconteçam. O episódio da pílula anticoncepcional de farinha, Microvilar, serviu para melhorar os controles da vigilância. Em outra tragédia em Pernambuco, água contaminada usada no sistema de hemodiálise causou a morte de cerca de cinquenta pessoas. Após o caso, o serviço de vigilância criou uma nova norma para os serviços de hemodiálise. Outros exemplos, suas causas e formas de evitar podem ser vistas aqui.
Serviço
Contatos para protocolar queixas e denúncias:
Nacional: Anvisa – 0800 642 9782
Estadual: Divisa Bahia – (71) 3270 1515 / Ouvidoria do SUS 0800 248 0011
Salvador: Vigilância Sanitária do Município de Salvador – 160
*Inês Costal é Jornalista e Pós-Graduada em Jornalismo Científico pela Faculdade de Comunicação da UFBA