Depois do Mestre dos Mares Aleixo Belov e do Dr. Roberto Santos, grande nome da ciência na Bahia, a Web Rádio Jovem Cientista entrevista o paleontólogo Alexander Kellner, um dos conferencistas do 3º Encontro de Jovens Cientistas da Bahia! Graduado em Geologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Alexander Kellner cursou doutorado em universidade internacional, a Columbia University (Nova Iorque). As suas linhas de pesquisa envolvem principalmente répteis fósseis, tais como pterossauros, dinossauros e crocodilomorfos. Kellner já participou da descoberta e descrição de dezessete novas espécies de vertebrados fósseis, tendo publicado mais de 70 estudos inéditos em periódicos nacionais e internacionais. Tem em seu currículo mais de 200 publicações entre artigos de periódicos, capítulos de livros, resumos e artigos de divulgação científica. O pesquisador já organizou diversas expedições em distintas partes do mundo como o deserto do Atacama, no Chile, Montana, nos Estados Unidos, Patagônia, na Argentina e a região de Kerman, no Irã. Também realizou atividades voltadas para a divulgação científica, tais como exposições, destacando-se a mostra No tempo dos dinossauros inicialmente inaugurada no Museu Nacional/UFRJ (1999) e atualmente exposta no Museu de Ciências da Terra (DNPM/RJ). As suas atividades de pesquisa fazem com que ele seja continuamente procurado pelos meios de comunicação, tendo sido publicados pela imprensa escrita, apenas nos últimos cinco anos, mais de 100 artigos sobre seus trabalhos, contribuindo para a divulgação do conhecimento paleontológico para todos os públicos.
POR MARIANA ALCÂNTARA*
alcmariana@gmail.com
Alexander Kellner - Em que momento da sua vida você percebeu o interesse pelo conhecimento sobre fósseis e quando foi que teve a certeza de que queria ingressar no curso de geologia para tempos depois tornar-se paleontólogo?
Mariana Alcântara – Olha, essa é uma história bem longa, mas eu vou tentar resumir. Talvez a maioria das pessoas que lerem esta entrevista não vai acreditar. Mas o meu ingresso na paleontologia está intimamente ligado a um jogo de futebol. Resumindo, eu estudava numa escola que teve a oportunidade de jogar contra um time juvenil aqui do Rio de Janeiro, o Flamengo. E isso pra gente era uma grande honra. E o que é que a gente fez? Além de montar um time, a gente chamou algumas pessoas que tinham recém saído da escola e que já estavam na universidade. E eu tinha a pior posição no tive: que é sempre a do goleiro. Mas neste dia eu tive bastante sorte e foi aquela história. Quando se tem um time forte contra um time fraco, ou goleiro sai como herói ou como vilão. E nesse dia eu tive sorte. Então, quando nós saímos para a comemoração eu comecei a conversar com os alunos mais velhos e teve um que olhou pra mim e falou que ele fazia Geologia. Eu não tinha a menor ideia do que era e falei: “Geo o quê?”. E ele me falou que era a ciência que estudava sobre superfície e quando eu falei que me interessava por estudar aqueles animais que ficavam preservados nas rochas, ele virou e falou: “Olha, Alex, isso é Paleontologia”. E desde este primeiro momento eu me interessei por esta ciência. Eu me lembro que quando eu cheguei em casa eu falei com minha mãe que eu ia fazer Geologia ela respondeu a mesma coisa que eu, no primeiro momento. Um ponto legal para falar aqui que no meu tempo eu não tive a oportunidade que a garotada de Salvador vai ter e que muitos outros alunos de diversas escolas tem, que é ter mais formação, mais acesso ao conhecimento. Hoje em dia, quem quiser, é só entrar na internet para tirar as dúvidas. Então, foi através de um jogo de futebol que eu fui motivado para seguir esta área. Hoje em dia, para quem tiver interesse em pesquisa de novas espécies, como elas viviam, se locomoviam, e assim por diante, devem optar por fazer qualquer graduação nas ciências biológicas.
Alexander Kellner - Como surgiu a proposta da criação da coluna Caçadores de Fósseis? Escrever para um público tão amplo não deve ser uma tarefa fácil. O que te motivou para isto?
Mariana Alcântara – Vou ser bem franco. A motivação básica é aquela história do que a gente está fazendo para ajudar os outros? Quem paga a minha pesquisa? Quem paga é você, quem paga são desde as pessoas mais simples até as que ganham mais dinheiro. Todas elas pagam impostos que financiam a maioria das pesquisas realizadas no nosso País. Eu, por exemplo, trabalho no Museu Nacional que pertence à UFRJ, ou seja, eu sou um funcionário público. E eu sempre penso sobre o que eu faço do ponto de vista de retribuição social. E eu confesso que a minha profissão é fazer pesquisa, orientar, formar novos pesquisadores e isso eu faço bem. Só que quando a gente vai devolver para a sociedade, francamente, eu não fazia tanta coisa assim e foi daí que surgiu a ideia da coluna, com o objetivo de divulgar a pesquisa científica de uma forma bastante simples. E você tem razão quando diz que escrever para esta coluna não deve ser uma tarefa fácil e não é mesmo! Eu demoro dois dias para fazer um textozinho aceitável, que é justamente conseguir passar a informação de uma maneira mais fácil para o público entender.
Alexander Kellner - Como surgiu o apelido “Caçador de Dinossauros” que hoje lhe é conferido?
Mariana Alcântara – Pois é, eu tenho a impressão de que muito mais pessoas tem esse apelido. Quando as pessoas vão fazer a atividade que eu faço, que é ir para regiões remotas, de difícil acesso, passado até um pouquinho de privação, você está sempre com aquela visão mais romântica da descoberta de toda atividade de um paleontólogo e, se não me engano, foi um jornalista que colocou esse apelido e eu acabei aceitando.
Alexander Kellner - Qual a posição do Brasil no ranking das pesquisas na área da paleontologia?
Mariana Alcântara – Olha, vou ser bem franco. Eu acho que muitas pessoas vão ficar um pouquinho decepcionadas com o que eu vou dizer, mas o Brasil está “médio”. Porque eu digo isto? Porque só a gente for comparar aqui na América do Sul, o primeiro lugar fica com a Argentina, que tem bem mais tradição, muito mãos pessoas em atividade, fazendo a pesquisa de fósseis aqui no nosso Páis. Agora,não é pra gente desanimar totalmente. Mas nos últimos dez anos, muita coisa tem acontecido aqui no Brasil e a pesquisa tem melhorado. Por exemplo, em 1999, quando nós fizemos uma exposição chamada “O Brasil no tempo dos Dinossauros”, que naquela época tínhamos quatro espécies de dinossauros descritas. Hoje, pouco mais de dez anos, temos mais de 21 e esse número continua aumentando. Então, o que significa isso? Que pouco a pouco a sociedade brasileira descobriu a atividade do paleontólogo e, ao ter descoberto esta atividade, o pessoal da mídia tem dado bastante espaço para a gente popularização essas nossas descobertas e isso faz com que aumente o interesse da sociedade, o financiamento e, sobretudo, a posição do emprego do paleontólogo.
Alexander Kellner - E sobre a extensão do território brasileiro, ainda tem muitos fósseis a serem descobertos no país?
Mariana Alcântara – Tem muitos fósseis mesmo! Sabe uma das regiões que eu acho que vai nos oferecer gratas surpresas do ponto de vista de novas descobertas? É exatamente aí na Bahia, um dos maiores estados do nosso País e que, em termos de fósseis, pouquíssima pesquisa foi feita. E você pode escrever, se em alguns anos houver investimento tanto de outros grupos de pesquisa como também reforçando os próprios pesquisadores baianos você vai fazer várias descobertas importantes.
Alexander Kellner - Qual a região na Bahia que o senhor se refere?
Mariana Alcântara – Região do recôncavo. Basicamente o interior da Bahia. Tem muitas áreas que as pessoas não conhecem bem. Todas as áreas que tem sedimentos do período Mesozoico, que é onde viveram os dinossauros, são áreas de grande potencial. Então, pode ter certeza, região do recôncavo, Tucano e Jatobá são áreas de muito promissoras para descobertas científicas. Até mesmo Itaparica tem muitos fósseis.
Alexander Kellner - Sabemos que o senhor participou da descoberta e estudo de alguns dos principais répteis fósseis do Brasil. Um destes, o Thalassodromeus sethi, fez com que, pela primeira vez, um trabalho científico 100% brasileiro fosse contracapa da prestigiada revista Science. Como se deu esta descoberta?
Mariana Alcântara – Esse material já tinha sido descoberto em 1985 e passou por mais de dez anos sem ser preparado. E foi graças ao apoio da FAPERJ que nós tivemos verba para preparar aquele fóssil. Depois de executado o trabalho, tivemos uma descoberta fantástica desse animal que é um dos maiores já encontrados no Brasil. Mas, mais interessante do que isso é que se trata de um animal que poderia utilizar a enorme crista no crânio, de mais ou menos 1,30m para regular a temperatura de seu corpo e foi esse o grande destaque dado na revista Science.
Alexander Kellner - O senhor costuma afirmar que é necessário que o pesquisador dialogue com a sociedade. Que não adianta se encastelar com os jargões científicos e não repassar esse conhecimento para a sociedade. Nos tempos atuais, qual deve ser a postura dos cientistas?
Mariana Alcântara – Realmente, estou convencido que não só eu, mas vários colegas tanto nacionalmente e internacionalmente, que não basta o pesquisador hoje em dia fazer bons trabalhos. É claro que isto é o principal, mas ele tem que dialogar com a sociedade. E como a gente faz com o tema da paleontologia? Tanto mostrando o que foi descoberto para a imprensa, que possui uma relação especial em relação à difusão do conhecimento científico, quanto tentar fazer exposições, palestras e mostrar um pouquinho daquilo que o próprio público está pagando através dos impostos.
Alexander Kellner - Recentemente, até o próprio CNPq já reconheceu no Currículo Lattes a importância das atividades de divulgação científica. O senhor considera esta uma ação tardia?
Mariana Alcântara – Essa é uma história bem interessante porque quando eu comecei a minha carreira aqui no Museu Nacional, em 1997, um dos pontos que muitos colegas meus criticavam era que toda essa minha atividade de divulgação científica, no fundo, em termos de carreira, não adiantava nada. Até porque quando desenvolvemos essas atividades, a gente costuma não ser pago. E segundo, que aquilo não tinha nenhum reconhecimento do ponto de vista acadêmico. Ou seja, quando você vai ver um pesquisador de uma forma mais fechada, você vai ver as publicações que ele tem. Felizmente, o CNPq agora reconhece isso. E isso implica uma mudança de postura. E nãoé só por parte do CNPq. A FAPERJ, por exemplo, quando um pesquisador recebe algum tipo de bolsa, ela exige que ele faça uma atividade numa escola pública com alunos do ensino médio e isso é muito bacana. Um das coisas que eu tento fazer é incentivar que meus alunos também participem daquele processo. E pode ter certeza. Quando eu converso com as crianças e vejo aqueles olhinhos brilhando sobre as grandes descobertas, isso tem uma influência bastante positiva, não para a criançada, para estes os futuros cientistas em potencial ou futuros tomadores de decisões em potencial, mas também para o próprio pesquisador. É muito louvável e não considero tardia, não. Veio num momento que teve que vir.
Alexander Kellner - E essas palestras podem até servir como um primeiro contato do jovem com a universidade, não é?
Mariana Alcântara – E vou te dizer mais uma coisa. Eu tenho pelo menos três alunos que hoje estão comigo, uns, inclusive já tem até emprego, já formaram, fizeram mestrado e doutorado, que vieram até mim por causa de palestras que eu proferi. Eles se interessaram e vieram para cá e tiveram essa oportunidade de optar por seguir essa carreira científica.
Alexander Kellner - Qual a importância dos Museus de História Natural? O que deve ser feito para que estes espaços sejam mais visitados pelos jovens brasileiros?
Mariana Alcântara – Talvez seja essa a grande decepção que eu ainda tenho na minha vida acadêmica. Os museus, infelizmente, no nosso país, são muito desvalorizados. Eu vejo a nossa luta aqui no Museu Nacional. É muito difícil você conseguir verba para que a gente possa fazer exposições que cheguem ao nível daquilo que o público merece. Inclusive, eu posso até te fazer uma pergunta. Porque o Brasil, que é a sexta economia mundial, não pode ter um museu de história natural decente? Porque nós não temos nenhum, nem o Museu Nacional, que tem muito acervo, mas não é um bom museu em termos de exposição. E isso vale para todos os museus de história natural do Brasil. Ou são pequenos demais, ou estão com as exposições extremamente defasadas diante daquilo que é feito no resto do mundo. Aí, o Brasil ainda está patinando. A gente precisa realmente de uma política, de investimentos, que se dediquem não só à recuperação, mas também, implantação. Tem muitos lugares do nosso país que não possuem museu. E ainda mais nessa temática que é a história natural. E, com isso, não falamos apenas de dinossauros e fósseis. A gente fala dos animais, das plantas, de toda essa interação que a gente encontra na biosfera e isso é uma educação. É um ponto muito importante num país com uma tremenda biodiversidade atual e também do passado, bastante abundante.
Alexander Kellner - Já que o seu trabalho consiste em desmistificar a ciência da paleontologia e as suas descobertas ao redor do mundo, o senhor acredita que o mesmo contribui para que crianças e adolescentes despertem a curiosidade para as ciências? Em caso positivo, como acha que isso acontece?
Mariana Alcântara – Vou ser bem franco. Quando você fala em termos de ciência e, particularmente, em história natural, quando tocamos no assunto dinossauros todo mundo fica entusiasmado. E é inacreditável mesmo. Só pra citar, foi feita uma pesquisa pelo Museu de História Natural de Nova Iorque, nos Estados Unidos, e mais ou menos 80% dos visitantes iam lá para ver os dinossauros. Agora, tem outro aspecto que as vezes as pessoas não de dão conta, principalmente, os tomadores de decisão do nosso país. Quando a gente faz uma exposição com dinossauros, a gente não mostra só isso. A gente mostra uma tremenda diversidade de outros aspectos envolvidos nas ciências de uma forma geral. Por exemplo, aqui no Museu Nacional, a gente tem muito de antropologia, zoologia, botânica, geologia, etc. Então, um museu de história natural é um local onde, de uma forma bastante lúdica, as crianças e as pessoas como um todo podem aprender um pouco mais sobre o mundo que as cercam. E essa estratégia de colocar os dinossauros na frente para atrair as pessoas e colocar outras coisas ao fundo, é uma estratégia muito utilizada com bastante sucesso nos Estados Unidos, na Alemanha, na China e em muitos outros lugares.
Alexander Kellner - Durante a sua carreira como pesquisador, já teve a oportunidade de trabalhar na orientação de estudantes de iniciação científica júnior, ainda alunos do ensino médio? Se sim, pode nos relatar a experiência?
Mariana Alcântara – Tive sim. Recentemente, veio um garoto aqui de 17 anos que estuda aqui no Colégio Militar e que está interessado em desenvolver alguma coisa ligada à paleontologia. O interessante é que quando essa garotada vem pra cá, a gente procura apresentar pra eles o que a gente faz. E é importante porque eles podem se identificar e seguir uma carreira científica ou seguir para uma outra profissão diferente. Nós, quando damos essa possibilidade pra essa garotada jovem, estamos dando a oportunidade para eles tomarem decisões para a carreira deles. Muitos destes alunos que passaram por mim já estão no mestrado, outros seguiram outros caminhos. De qualquer forma, acho extremamente salutar este tipo de interação.
Alexander Kellner - Gostaríamos que o senhor deixasse um breve recado aos jovens cientistas da Bahia que aguardam a chegada do evento para assistir à sua conferência.
Mariana Alcântara – Primeiro recado, como não podia deixar de ser, é que vejam a conferência, aproveitem, conversem comigo durante e depois da apresentação. Usufruir ao máximo essa breve estadia minha aí. Em segundo lugar, que não deixem de visitar os museus e se informem um pouquinho mais sobre este mundo maravilhoso que é a pesquisa científica.