A falta de parcerias e investimentos afeta o andamento das pesquisas nas universidades do país, comprometendo com isso descobertas que podem auxiliar no tratamento de doenças.
POR NÁDIA CONCEIÇÃO*
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Para quem pensa que os animais peçonhentos como cobras e aranhas causam apenas medo e repugnância, estão enganados. Diversos estudos já apontaram que os venenos expelidos por esses animais podem ser utilizados no desenvolvimento de medicamentos e vacinas contra doenças. Além de serem usadas com antídotos para os ataques dos próprios animais a seres humanos, estas toxinas são identificadas, por pesquisadores, como ferramentas biotecnológicas e farmacológicas. Já é possível encontrar na indústria farmacêutica vários produtos, a exemplo do captopril, remédio usado para tratamento da pressão arterial.
De acordo com a bióloga e pesquisadora do Instituto de Ciências da Saúde (ICS), da UFBA, Luciana Lyra Casais e Silva, os venenos de animais são uma mistura complexa de diversas substâncias orgânicas e inorgânicas, com evolução ainda pouco conhecida. “Ao menos para os venenos ofídios, sugere-se que as primeiras substâncias ativas foram provavelmente enzimas proteolíticas que auxiliavam na digestão, fazendo com que a alimentação fosse um processo mais fácil e seguro”, explicou. A pesquisadora aprofunda essas questões no artigo intitulado “Toxina como ferramentas biotecnológicas e farmacológicas”, publicado na Gazeta Médica da Bahia, do mês de novembro de 2012.
Luciana Lyra afirma, ainda, que o objetivo do artigo é mostrar que é possível usar os estudos realizados com animais peçonhentos e, principalmente, suas toxinas como base para medicamentos e em aplicações farmacológicas. “Com o artigo, juntamos o que existe de pesquisa, principalmente, brasileira e de base, que daria fruto para as pesquisas biotecnológicas. Algumas, inclusive, já deram resultados, como o uso da saliva do largato Heloderma suspectum (Monstro de Gila) para o desenvolvimento da droga Exenatide (Byetta), usada no tratamento da Diabetes Milittus”.
Com trabalho sempre voltado para os efeitos do envenenamento, mas querendo olhar o veneno também em outra perspectiva, Luciana procurou se engajar em pesquisas que contemplassem essa área. Em parceria com a pesquisadora Gisele Farias, iniciou a pesquisa “Atividade Antinociceptiva”, que pretende descobrir o componente no veneno das serpentes que funciona como um inibidor da dor, mais precisamente, para inibir o crescimento de tumores que afetam o sistema nervoso.
A pesquisadora explica que o processo da pesquisa é longo e envolve desde o isolamento do componente que causou o efeito esperado, até torná-lo economicamente viável e sua produção ser autorizada pelo Ministério da Saúde. “Nós sabemos que existe essa possibilidade, agora, o que precisamos é encontrar quem é, no veneno, a substância que causa o efeito inibidor”.
Luciana acredita que existe um avanço nas pesquisas neste campo, entretanto, faltam parcerias entre os estudos desenvolvidos e a indústria farmacêutica, no que tange a parte de síntese, venda e patentes das descobertas. “O pesquisador, muitas vezes, descobre um medicamento, mas não sabe o que fazer com ele. Não temos experiência em dialogar com os segmentos mercadológicos, para fazer da pesquisa um produto com retorno para a sociedade”, afirma.
Desafios
“O pesquisador não quer seus estudos se percam, ficando apenas dentro da universidade, o que é ruim para o pesquisador e para a comunidade que deixa de usufruir dos produtos”, desabafou Luciana. Outro fator que acaba comprometendo a realização das pesquisas, nas universidades brasileiras, é a falta de financiamento. Luciana afirma que há muitos projetos em andamento, mas que nem todas são contempladas financeiramente. A dificuldade está no pequeno investimento disponibilizado pelo governo, que provoca uma disputa acirrada na busca de verbas. “O meu projeto vai ter financiamento do meu próprio bolso, vamos fazer o possível para que ela seja concluída. Contando também com os colegas professores que muitas vezes apostam no projeto e abraçam a causa e com bolsas apenas para alunos”, lamenta.
*Nádia Conceição é jornalista, estudante de produção cultural da UFBA e bolsista da Agência Ciência e Cultura.