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Atualizado em 20 DE dezembro DE 2012 ás 15:48

Delegacias Especializadas não garantem segurança para vítimas

Pesquisa mostra que a falta de infraestrutura e o despreparo dos agentes das DEAMs geram insegurança para mulheres vítimas de violência no país.

POR NÁDIA CONCEIÇÃO*
nadconceicao@gmail.com

Tratamento desumanizado, agentes não capacitados, estrutura precária. Essas são algumas das deficiências do sistema de atendimento às vítimas de violência doméstica. De acordo com a pesquisadora, Marcia Tavares (OBSERVE-NEIM) foi identificado nas Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (DEAMs) que o atendimento é centrado apenas na questão “policialesca”, não havendo com isso um tratamento humanizado. “Elas chegavam nessas delegacias e ao mesmo tempo tinha outras pessoas escutando; encontramos também mulheres sendo atendidas por agentes policiais e que, pela falta de capacitação, fazem atendimento mecânico e que essas mulheres não se sentem ouvidas”.

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Lei Maria da Penha é desconhecida entre maioria das mulheres

Marcia Tavares relata, ainda, que era comum ouvir reclamações das mulheres, pois não eram ouvidas nas DEAMs e da falta de acolhimento nessas unidades, pois quando elas estavam lavrando o Boletim de Ocorrências e mesmo antes de saber o que iam fazer, indecisas ou pedindo informações elas ouviam críticas a cerca da violência que sofreram. Ou seja, no momento em que elas precisavam de apoio e de orientações elas não eram bem tratadas e se sentiam ainda mais desprotegidas.

Existem duas Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher em Salvador - acima, a de Brotas.

“Muitas delas ficam sem saber para onde vão; não tem nem dinheiro para voltar para casa, pois algumas delas até saíram fugidas e não tinha recurso para voltar para casa nem condições, pois o companheiro estava lá ameaçando. Então acabam dormindo na delegacia, com as crianças sem ter o que comer”, conta indignada a professora.

Tavares acredita que uma solução seria a articulação dos serviços para que essas mulheres possam se sentir mais protegidas. Pois, no modelo de atendimento atual, não há certeza de punição efetiva dos agressores, nem de assistência às mulheres.

A pesquisa detectou, ainda, tentativas de reconciliação, nas quais agentes policiais ou delegadas buscam convencer a mulher vítima de agressão a não denunciar o parceiro para preservar a família. Como consequência, a mulher se sente insegura, não é bem orientada, desiste de registrar a queixa e a violência doméstica persiste.

A dificuldade de acesso às DEAMs

Outro problema constatado pela pesquisa do Observe-NEIM é o difícil acesso das vítimas às DEAMs. Em alguns casos, para que as mulheres sejam atendidas, elas precisam aguardar até às segundas-feiras, pois o atendimento é interrompido nos fins de semana, justamente quando o número de casos aumenta. “Mesmo considerando os avanços, ainda é preciso melhorar muito”, afirma Tavares, que reitera: “O que percebemos na verdade é que as pessoas que vão trabalhar com pessoas que sofreram violência não estão preparadas para isso”. A pesquisadora explica que a grande rotatividade dos funcionários das delegacias – em sua maioria contratados em Regime Especial de Direito Administrativo (REDA) – pode ser uma das causas para esse despreparo.

Dificuldades

As pesquisadoras tiveram dificuldades em obter dados quantitativos das DEAMS, pois os funcionários e as próprias mulheres eram proibidas de informar. Os depoimentos das vítimas só puderam ser colhidos do lado de foras das delegacias. “No quesito atendimento, em algumas delegacias, as mulheres eram atendidas no mesmo pátio que os crimes comuns – do cara algemado, do bêbado – pois algumas das DEAMs ficam no complexo, a exemplo a do bairro de Periperi. Essas situações fazem com que as mulheres se sintam inseguras, desprotegidas”.

A pesquisadora afirma, também, que existem recursos para as instalações de mais DEAMs, mas há falta de vontade política e de efetividade de políticas públicas para o combate à violência contra a mulher, que é considerada secundária de interesse particular. “O mais impressionante é que no nível nacional as próprias delegadas que trabalham com essa problemática nas DEAMs são discriminadas por colegas homens e por outras colegas que trabalham com outras questões e em outras delegacias, por achar que delegacia da mulher não exige muita competência do profissional”.

Outra gravidade encontrada na pesquisa é a tentativa, por parte dos próprios agentes, de dissuadir a vítima a denunciar no caso da ausência de hematomas para comprovar a violência física. Ou seja, “se tiver marcas, passa para a DEAM, se não tem eles nem encaminham, ainda dizem que não vai adiantar, desconsiderando assim, as outras modalidades da violência”.

Foi constatado que o agente considera violência quando a mulher chega com marcas ou ensanguentada; a violência psicológica e patrimonial não é considerada. Logo, o fato de um homem xingar, ameaçar, prender não é considerado violência.

Novos projetos

O núcleo do Observe-NEIM, está coordenando um trabalho no PET Saúde, no bairro do Calabar, em Salvador. De acordo com Marcia Tavares, o objetivo é tentar fazer diferente e levar a Lei Maria da Penha para essa comunidade através de uma rádio novela. A parceria com a população já está garantida. O próximo passo é o da construção do projeto. “Vamos sair da forma de levar a informação através de palestras. Temos trabalhado muito com rodas de conversas, tanto na comunidade quanto na universidade, onde também há casos de violência. Vamos trabalhar também com a produção de cartilhas, tentando traduzir o que está na lei e colocar em palavras acessíveis à população, levar os direitos a elas em uma  linguagem que elas consigam entender  e até pensamos em montar uma história em quadrinhos”, afirma entusiasmada Tavares.

Outro dado reforçado pela observação é que todos os casos de violência são sempre praticados por pessoas do relacionamentos afetivos das vítimas – namorados, esposos, ex-cônjuge. Outro dado importante é que a maioria dos casos registrados em Salvador envolve mulheres de baixa escolaridade, negras ou pardas e que trabalham no setor informal ou como empregadas domésticas. Mulheres com mais escolaridade denunciam, mas também contam com outras formas de buscar proteção, diferentemente das de baixa escolaridade. Elas vão denunciar e buscam permanecer na casa, pois é o único lugar que têm para viver.

“Após a denuncia os criminosos ficam em casa. Quando o homem ameaça e provoca um risco imediato é pedido uma medida protetiva, que muitas vezes leva três a seis meses ou até um ano para ser cumprida. Então, até que isso aconteça, elas ficam vulneráveis. Os casos são muitos e os números de funcionários nessas delegacias são poucos para a demanda. São em média  17 mil casos por ano, em Salvador, o que acaba sendo impossível de dar conta, em apenas 2 DEAMs”.

O observatório

Inicialmente, as pesquisas foram desenvolvidas em todas as capitais e no Distrito Federal através do Observatório que é um colegiado, composto por núcleos de Universidades Federais, instituições ou organizações não governamentais voltadas para as questões de gêneros.

Esses grupos foram capacitados e trazidos para Salvador para construir um instrumento de monitoramento. O Observatório, de abrangência nacional, foi implantado em Salvador e é coordenado pela professora Cecília Sardenberg. A falta de recursos concentrou as pesquisas em Salvador. Elas foram feitas nas DEAMs, onde foram realizadas rodas de conversas com mulheres.

*Nádia Conceição é jornalista, estudante de produção cultural da UFBA e bolsista da Agência Ciência e Cultura.

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