O uso desenfreado do agrotóxico vai causar grandes epidemias de doenças daqui a 2050, afirma o pesquisador Ademário Spínola
POR NÁDIA CONCEICÃO*
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Em 1862, a bióloga norte americana, Rachel Carson, deu o primeiro alerta sobre os efeitos adversos da utilização de pesticidas e inseticidas químicos sintéticos. A pesquisadora explicava como o DDT – Dicloro-Difenil-Tricloroetano, por exemplo, penetrava na cadeia alimentar e acumulava-se nos tecidos gordurosos dos animais, inclusive do homem, com o risco de causar câncer e dano genético. A consequência dessas descobertas foi a proibição nacional da utilização de DDT e outros pesticidas, e o surgimento de grupos ambientalistas nos Estados Unidos.
O Brasil, ao contrário de muitos países da Europa, está na contramão dessa proibição. O uso de agrotóxicos está regulamentado através da Lei n.º 7.802/89 e do Decreto n.º 4.074, de 2002 e, segundo pesquisa feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pelo Ministério da Saúde, o país se tornou o maior usuário de agrotóxico do mundo.
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De que maneira um produto químico, que já foi utilizado como arma de destruição de pessoas, pode ser “receitado” pelo governo como um componente para o desenvolvimento da agricultura? No mínimo, os riscos que o seu uso pode trazer para a saúde humana, sobretudo através contaminação dos alimentos, não são levados em conta.
De acordo com o coordenador do grupo de estudos em tecnologias, Ambiente, Saúde e Sociedade da Universidade Federal da Bahia (TASS) e representante da instituição no Fórum baiano de combate aos impactos dos agrotóxicos, Ademário Galvão Spínola, juntamente com o professor Altino Bonfim, da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA, o problema é que a sociedade não toma parte dessa discussão e acaba consumindo produtos contaminados.
“Os agrotóxico é uma temática que está essencialmente ligada à saúde pública, mas tem uma forte ligação com o agronegócio, onde o país se propõe a exportar mais e acaba usando a tecnologia para aumentar e tornar essa prática mais rentável possível com o uso do agrotóxico”, problematizou Spínola.
O professor também avalia que está em pauta o porquê da permissão, no Brasil, do uso de substâncias que foram banidas em outros países, justamente por haver evidências de que prejudicam a saúde das pessoas, dos animais e dos solos. “Temos que entender que o agrotóxico é um veneno que mata a praga e mantem a agricultura produtiva, mas ele mata também as vidas pertencentes a esse ambiente no entorno, como as bactérias do solo, os animais e em alguns casos contamina até as águas dos rios”.
O país é campeão em uso de agrotóxico devido a priorização da política de exportação dos Estados. “Os nossos governos estão cada dia mais interessados na política de exportação, na perspectiva da reprimarização da economia, baseada nas comodites dos alimentos. Hoje, diante de todos os riscos provocados pelo uso abusivo do agrotóxico, eu, enquanto médico, tenho a preocupação de receitar alimentos saudáveis, reforçando que tem que ser sem agrotóxico”, afirmou.
Histórico
Com outra publicação clássica e referencial para a agroquímica, intitulada, “Organic Chemistry in its application to agriculture and physiology (Química Orgânica na aplicação para agricultura e psicologia, em tradução livre)”, do químico alemão Justus Von Liebig, 1840, uniu-se o desejo desenfreado da indústria do agronegócio em ampliar suas vendas e o mercado de fertilizantes químicos cresceu. Começariam, mais tarde, a fomentar a agricultura mundial.
A disseminação da Teoria Liebig – que sustenta que a nutrição das plantas se dava, essencialmente, por meio das substancias químicas presentes no solo e que o aumento da produção agrícola era diretamente proporcional à quantidade de substancias químicas incorporada ao solo – não contava com os efeitos dessas substâncias nas espécies humanas.
Durante a Segunda Guerra Mundial, período de grande avanço químico industrial e farmacêutico, a produção de agrotóxicos cresceu em notoriamente. Isso porque eles serviam como arma química nas guerras da Coréia e do Vietnã, que dizimou milhares de soldados e civis, além de ter contaminado o meio ambiente.
O surgimento da Revolução Verde – nas décadas de 60 e 70, o qual se baseia na utilização de sementes geneticamente melhoradas e uso de fertilizantes e agrotóxicos para aumentar a produção agrícola, foi fundamental para a expansão, no Brasil, da importação de produtos químicos, da instalação de indústrias produtoras e formuladoras de agrotóxicos. O governo também seguiu este modelo agrícola e incentivou, através do crédito rural, o uso de agrotóxicos e fertilizantes.
Alternativas ao uso do agrotóxico
Infelizmente, não é possível contar com os orgânicos para uma produção e consumo livres de pesticidas. Eles são inviáveis devido ao alto custo, e reforçam um quadro de injustiça socioambiental. Os mais pobres pagam o preço. Isto é, além de não terem o direito de escolha, consomem o alimento mais contaminado. Ademário explica ainda que é falsa a viabilidade dos orgânicos porque outras pesquisas já identificaram impactos do consumo desses alimentos na saúde.
O pesquisador aponta a Agroecologia como melhor alternativa para o desvencilhamento dessas práticas danosas à saúde. “Temos que voltar ao tempo dos nossos avós e pais, onde plantávamos nosso alimento em casa, livre de venenos e de transgênicos. Precisamos nos reeducar para sermos menos consumistas e mais próximos da natureza”, defende.
“O governo tem que legislar para obrigar o comerciante a identificar nas prateleiras os produtos que usam agrotóxicos e o quanto está presente no produto, pois a olho nu a população não tem como identificar”, reivindica o professor, que comenta a existência de um projeto que propõe que o restaurante universitário da UFBA use apenas produtos isentos de agrotóxicos.
O professor destaca, nesse sentido, a importância de se divulgar essas informações na imprensa para que a população tenha o direito de escolha. “Na UFBA, vários professores fazem estudo acerca do uso dos agrotóxicos e nossa intenção é unir esses estudos no próximo ano para unir esforços em tono do esclarecimento dessa temática à sociedade”.
*Nádia Conceição é jornalista, estudante de produção cultural da UFBA e bolsista da Agência Ciência e Cultura.