POR RONAN REBOUÇAS CAIRES DE BRITO*
ronan@ufba.br
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas- IPCC entra agora na sua quinta edição, os primeiros relatórios serão divulgados nos meados desse ano.
O IPCC é conduzido pela Organização Mundial de Meteorologia-WMO e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente-UNEP. O IPCC não faz pesquisa primaria, o que faz é compilar dados climatológicos, de várias fontes, construído séries históricas e modelos projetivos baseados nessas mesmas séries e fundamentados em cenários possíveis de desenvolvimento para o mundo.
O primeiro segmento do IPCC cuida apenas das séries históricas, dados coletados e não apenas estimados, alguns retrocedendo aos 10.000 anos BP obtidos indiretamente por testemunhos em núcleos de gelo e outros mais recentes retroativos ao século XIX quando as medições climáticas entraram em rotina. As séries atuais são trabalhos de pesquisadores, monitoradas pelo que há de mais sofisticado na tecnologia dos estudos do clima. Essa contribuição é produto de uma rede imensa de colaboradores climatologistas de todo o mundo que reúne dados históricos e atuais, construindo as séries históricas.
O segundo segmento trabalha com a projeção de impactos e construção de cenários. Esses cenários aventam possibilidades diversas, tais como curvas de crescimento da população, modelos de desenvolvimento sustentado em tecnologias mais limpas ou mais sujas, economias regionalizadas ou globalizadas, etc., em uma série de combinações desses modos de conduzir o planeta formando uma ampla família de cenários. Todos os cenários são factíveis, do mesmo modo que o futuro é imprevisível. Essa é a parte projetiva.
O terceiro segmento sugere mitigações em médio prazo, até o ano 2030 e outras que se estendem até o final do século. As primeiras apenas procuram por em prática soluções tecnológicas já existentes e as segundas focam em medidas de normatização e controle.
As evidências históricas demonstram que há sim, um aquecimento gradual e progressivo no planeta mais acentuado nós últimos 300 anos, quer queiramos ou não, compatível com o início da Revolução Industrial. Essas séries históricas mostram claramente um aumento dos níveis de metano, gás carbônico, óxidos nitrosos, os gases principais do efeito estufa.
Junto a isso, aparecem valores mais elevados na temperatura dos continentes e oceanos, elevação ainda sutil do nível do mar e redução pronunciada dos glaciais (hoje a tão sonhada passagem do Norte, que custou a vida de tantos navegadores nos séculos passados já é possível, pela redução significativa da calota de gelo do Polo Norte).
O que não podemos esquecer também, é que os grandes drivers que modelam o clima do planeta independem da nossa contribuição, são resultado da arquitetura orbital da Terra que a aproxima (ou o seu eixo) ou a afasta do Sol em períodos longos, variando de 26.000 a mais de 100.000 anos, resultando em maior ou menor aporte de energia no planeta como um todo ou em partes dos extremos do eixo. Esses movimentos orbitais são a Precessão dos Equinócios, a Obliqüidade do Eixo e a Excentricidade da órbita da Terra no entorno do Sol. A Precessão provoca um movimento giratório no eixo da terra que hoje aponta seu norte para a estrela Polaris da Constelção da Ursa Menor, e que nos próximos 13.000 anos estará apontando para as proximidades de Vega, na Constelação de Lira, voltando nos próximos 13.000 anos a apontar para Polaris, a estrela guia dos antigos viajantes do Hemisfério Norte. A Obliqüidade oscila o eixo da terra em 3,4 graus a cada 41.00 anos e a Excentricidade altera a geometria da órbita da Terra em torno do Sol se aproximando de um círculo ou de uma elipse a períodos maiores que cem mil anos, produto do efeito das forças gravitacionais dos outros planetas no plano da eclíptica. A congugação desses movimentos no tempo, faz a Terra receber mais ou menos energia do Sol, provocando as grandes glaciações ou degelos no tempo geológico do planeta. Existe também o comportamento da corona Solar que tem vida própria e suas atividades não dependem dos humanos e liberam mais ou menos energia em direção à Terra. Isso significa que com ou sem humanos o planeta enfrentará glaciações, degelos, transgressões e regressões marinhas, altas e baixas de temperaturas e mudanças na fisionomia dos ecossistemas enquanto orbitar em torno do Sol, foi assim e deverá continuar sendo assim.
O que não se pode esconder é que está havendo um aumento de temperatura (e não diminuição como alguns acreditam) muito acentuada nesses últimos séculos e que fogem da escala daquelas provocadas por aqueles drivers naturais citados acima. Alguma coisa está acontecendo e é bem possível que tenhamos um papel de responsabilidade nisso tudo.
Não há dúvidas também que os oceanos e seus cinturões de convecção conduzem calor por todo o globo, no entanto não são os oceanos que esquentam ou esfriam a atmosfera, o fenômeno é de duas mãos. Os oceanos apenas conduzem o calor, eles não são uma fonte de
energia, o Sol é essa fonte, e a atmosfera, juntamente com os oceanos, retém ou dispersam essa energia para o espaço sideral. Lembrar que a atmosfera é em grande parte formada pelos oceanos em estado de vapor, logo, produtos de um mesmo estofo.
Por mais atenuados que sejam os cenários mais conservadores, as projeções sugerem um aquecimento médio gradativo com altos índices de probabilidades de acerto de cerca de 2-3Co até o final do século. Outros cenários mais severos com a permanência ou agravamento do modelo de desenvolvimento atual, chegam até os 7-8Co médios para o mesmo período.
O IPCC não trabalha com certezas, pelo contrário, é cuidadoso com as incertezas e é sobre essa estrada que caminha. Cada edição que é divulgada, os dados são mais numerosos e revistos, e a tecnologia analítica do mundo fica mais sofisticada. Vamos esperar por
essa quinta edição e ver onde conseguiram chegar.
Mas na ciência é assim, uns comprovam e outros reprovam. Mas querer desacreditar um esforço de trabalho dessa magnitude com argumentos pequenos não parece uma atitude de bons cientistas. O futuro próximo irá comprovar o acerto dessas projeções, e espero que tenhamos ainda tempo de reverter o desentendimento na ciência contemporânea que está mais preocupada com os processos do que com a ontologia dos fenômenos, e que possamos minimizar os efeitos provocados por um modelo de sociedade industrial equivocado.
Para terminar, traço um paralelo com a história dos pais do Super Homem. Havia um planeta chamado Kripton e lá habitava uma espécie muito semelhante a nossa. Zor-El e Lara-El eram dois geofísicos que detectaram anomalias no núcleo do planeta e alertaram a comunidade científica de Kripton sobre uma eminente fusão do núcleo que provocaria uma hecatombe planetária. Os colegas da ciência não lhes deram ouvidos e então, para preservar a espécie, os dois localizaram um planeta de gravidade e atmosfera semelhantes às de Kripton (a Terra), construíram uma pequena nave e ali colocaram o filho pequeno, Kal-El (o futuro Super Homem) e o enviaram para a Terra. Na saída dessa nave da atmosfera de Kripton o planeta explodiu.
* Ronan Rebouças Caires de Brito é professor do Biologia da Ufba.