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Atualizado em 4 DE abril DE 2013 ás 18:59

Supressão vegetal pode ser a favor da biodiversidade?

Para analisar as áreas passíveis à supressão de vegetação, biólogos da UFBA consideraram diferentes escalas espaciais, atuando com imagens de satélites e mapas temáticos.

POR EDVAN LESSA*
lessaedvan@gmail.com

Na viagem do Beagle em 1832, Charles Darwin (1809 – 1882) aportou na Bahia e elogiou o clima ameno de Salvador. Se a visita tivesse acontecido hoje a opinião do naturalista seria, certamente, de clima insuportável. O motivo é o desmatamento desenfreado que impacta, sobretudo, os processos ecológicos e os benefícios que as pessoas obtém dos ecossistemas, como o controle climático.

Quem contextualiza é o biólogo Dary Rigueira, pesquisador do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia.  Dentro do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Biomonitoramento da instituição ele se uniu a professores, estudantes e técnicos de órgãos ambientais e propôs um modelo multiescalar que situa o conhecimento ecológico como a priori à retirada de vegetação para construir empreendimentos.

De que maneira seria possível conciliar a supressão de vegetação – indispensável ao desenvolvimento das atividades humanas – com a manutenção da biodiversidade?Há pelo menos dois anos, um estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, EMBRAPA, sugeriu que não sabemos a resposta. Dos 64 milhões de km² de florestas existentes no planeta, restavam menos de 15,5 milhões. Muitas delas, pertencentes aos nossos biomas, a exemplo da Mata Atlântica, que é acometida pelo desflorestamento e supressão de vegetação de restinga e de mangue. Segundo divulgou o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) no ano passado, entre 2010 e 2011 foram verificados desflorestamentos de 13.312 hectares (ha), ou 133 Km² na Mata Atlântica. Parte desse território foi onde Rigueira realizou os estudos de campo de sua pesquisa. Do número total de hectares perdidos de Mata Atlântica, 491 correspondem à supressão de vegetação.

Perda de habitat e leis ambientais”


A viabilidade ambiental e a manutenção da biodiversidade estão pautadas em diferentes dispositivos legais. “É importante considerarmos a Constituição Federal que, dentro do artigo nº 225, incita que nós devemos preservar e restaurar processos ecológicos essenciais e promover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas”, apresenta Dary Rigueira. “Perda de habitat significa redução das florestas e outros ecossistemas naturais, que acarreta na perda de espécies de plantas e animais e, por consequência, na perda de processos”.

Na prática, todavia, o único critério usado para se basear em que áreas vão ser, ou não, suprimidas é a conservação de terrenos mínimos previstos por lei, como por exemplo, as Áreas de Preservação Permanente e as áreas de Reserva Legal.  Rigueira alerta que é necessário que os órgãos ambientais ampliem sua visão para além da área do empreendimento, pois as informações estão propensas a entrar em conflito com os princípios legais, já que a a área do empreendimento sozinha não representa uma escala espacial adequada para avaliação das porcentagens mínimas de vegetação nativa.

Em 2011, o Código Florestal (CF) assegurava que cada Imóvel Rural com trechos de Mata Atlântica preservasse uma média de 30% de vegetação nativa. “20% nas Áreas de Reserva Legal e mais 10% em APP”, lembra Rigueira. Mas a modificação da Lei nº 4.4771/65 no Novo Código Florestal – instituído em 25 de maio de 2012 – para a Lei nº 12.651/2012 indica a manutenção de apenas 20%. Isso sem incluir os pequenos proprietários, que sequer tem que preservar a reserva legal e possuem APP reduzida.

“Esses valores estão abaixo dos limiares de extinção indicados e observados em estudos de campo e de modelagem computacional”, constata o mestre em ecologia e biomonitoramento. A solução que ele apresenta se baseia especificamente na análise de três escalas: a regional a da sub- bacia e a do empreendimento. “Na escala regional a gente utiliza o mapa de áreas prioritárias e o mapa de geodiversidade”. Esse último aponta quais áreas são mais fisicamente sensíveis e propensas a impactos provenientes do desmatamento, como a erosão e a desertificação.

Imagem: Reprodução/Revista Caititu– Rigueira et al. 2013, artigo: “Perda de habitat, leis ambientais e conhecimento científico: proposta de critérios para a avaliação dos pedidos de supressão de vegetação” .

Imagem: Reprodução/Revista Caititu– Rigueira et al. 2013, artigo: “Perda de habitat, leis ambientais e conhecimento científico: proposta de critérios para a avaliação dos pedidos de supressão de vegetação” .

A análise permite identificar a quantidade mínima de mata a ser mantida, baseada na teoria de limiares de extinção que prevê um valor em torno de 30% – valor mínimo indicado por estudos ecológicos – a 50%, em áreas prioritárias para a conservação, ou seja, em APPs e RLs. “Abaixo disso você ultrapassa o limiar e não tem mais uma biodiversidade funcional; tem uma biodiversidade fadada à extinção local em pouco tempo”, estima o pesquisador. A proposta multiescalar foi planejada para ter aplicação nas condições de urgência que geralmente são vigentes no trabalho dos órgãos ambientais. A ideia é também reduzir os custos da avaliação.

Ademais, as diretrizes do projeto lidam com paisagens de 50.000 a 100.000 hectares, garantido o deslocamento e área de vida da maioria dos grupos animais e vegetais. As sub-bacias baianas variam bastante de tamanho, segundo Dary Rigueira. Outras diretrizes também estão prescritas com base na porcentagem mínima de 50% para áreas de grande importância biológica, definidas pelo Ministério do Meio Ambiente.

Supondo que a área de limiar represente algum nível de risco, isto é, seja biologicamente sensível, os 50% daria margem de segurança para pequenos habitats. Assim, a partir do momento em que se consegue estimar quais áreas são fisicamente e biologicamente sensíveis, compreendendo a quantidade de vegetação necessária a ser mantida em cada local, a construção do empreendimento é considerada, respeitando os limiares ecológicos.

Imagem: Reprodução/Revista Caititu– Rigueira et al. 2013, artigo: “Perda de habitat, leis ambientais e conhecimento científico: proposta de critérios para a avaliação dos pedidos de supressão de vegetação” .

Imagem: Reprodução/Revista Caititu– Rigueira et al. 2013, artigo: “Perda de habitat, leis ambientais e conhecimento científico: proposta de critérios para a avaliação dos pedidos de supressão de vegetação” .

Implicações práticas da proposta

O modelo também tem como diretrizes práticas aumentar a segurança técnica e jurídica dos servidores e gestores envolvidos. O modelo até chegou a ser adotado pelo IBAMA, mas atualmente não é aplicado pelo órgão. “É uma grande batalha que a gente tem. A maioria dos técnicos coloca os valores mínimos de RL e APP do Código Florestal debaixo do braço e usam como diretrizes pra tudo”, critica Rigueira.

Assim, a proposta prevê o reconhecimento dos limiares ecológicos e oferece indicadores sobre a estrutura e qualidade da mata, através de imagens de satélites e mapas temáticos. Uma cabruca, conforme exemplifica o pesquisador da UFBA, estaria mais propensa à ocorrência de processos ecológicos, pela sua proximidade física com uma floresta, em relação a um pasto. “O uso de métricas de paisagem é uma forma [de perceber isso]”, ressalta Rigueira. “A qualidade da mata como identificação do seu estágio sucessional [por fim] é medida em campo”, completa.

*Edvan Lessa é estudante de jornalismo da Facom-UFBA e bolsista da Agência de Notícias.

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