Há uma demanda na região que sempre exigiu e ainda exige respostas imediatas e que não estão no centro da dinâmica da produção científica dos centros de pesquisa, como política específica.
POR RAIMUNDO SANTANA*
Esta reportagem acompanhou, na capital baiana, o intercâmbio que o CAA e a Sociedade de Ações Educativas Sociais e Tecnológicas (SAET) patrocinaram para cerca de 40 pessoas. Agricultores e agricultoras vindos dos municípios de Sobradinho e Casa Nova, na região norte do estado, mostraram-se entusiasmados com as tecnologias sociais e experiências práticas no manejo e armazenamento da água, criação de hortas orgânicas, técnicas aplicadas a enxerto de plantas e de irrigação racional, além de produção de adubo e ração de animais voltados para economia doméstica. Sem o uso de qualquer agrotóxico, todas essas iniciativas trazem embutida a concepção do uso equilibrado e sustentável dos recursos naturais.
Era início de 2012 e, naquele dia, o sol já começava a mostrar todo o seu escaldante vigor na cidade de Barro Alto, vizinha a Irecê – ambas situadas a mais 470 km de Salvador e no noroeste da Chapada Diamantina – quando o agricultor Eldes Alves (61anos), debaixo de uma copa de umbuzeiro, passou a descrever aos visitantes, com minúcias de detalhes, conceitos como recaatingamento, agricultura orgânica, manejo racional da água e diferentes técnicas de irrigação.
Do alto de sua experiência de vida na labuta do plantio, ele falou também do uso e produção de defensivos orgânicos e modalidades de enxertia, encostia, borbulhia e a garfagem, que têm como objetivo principal além da produção de frutos melhorados o cultivo de espécies novas, ou híbridas, resistentes a pragas naturais.
“Há um modo de produzir alimentos sem deixar a terra fraca, de forma equilibrada, e olhe que tudo isso aqui tem venda no mercado”, contou Alves, que é pai de quatro filhos, concluiu o ensino médio em 2011, e enche o peito de orgulho ao falar que desde a época de seu pai – há cerca 40 anos – a Fazenda Área Ecológica não experimenta qualquer tipo de agrotóxico na sua plantação de frutas, hortaliças, verduras, para fins de uso medicinal e também em culturas voltadas para ração animal.
“A terra fraca”, a que Alves se refere, tem uma relação direta com o intenso processo de plantio de monoculturas na região, a exemplo do feijão, que historicamente vem degradando o solo a partir da prática do desmatamento desmedido, ocasionando assim a perda da vegetação natural, erosão do solo e a redução drástica da caatinga; também o pastoreio excessivo e irrigação mal conduzida têm patrocinado a perda da qualidade da terra.
Subvenção do MCT&I
Merece destaque um artigo de autoria dos professores-pesquisadores Rogério Bezerra da Silva e Renato Dagnino, ambos do Grupo de Análise de Políticas de Inovação (Gari) do Departamento de Política Científica e Tecnológica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Tendo como premissa a problemática CT&I, PIS, PCT e investimentos, todos espelhados na plataforma orçamentária do MCT&I, os dois comprovam por meio de comparativos que entre os anos de 2007 e 2010 houve uma inequívoca opção do Governo Federal pelo setor privado em detrimento da C&T para a Tecnologia Social.
Partindo do entendimento, segundo o qual a Tecnologia Social pode desempenhar um papel estratégico para a construção de uma sociedade melhor, os pesquisadores analisam os gastos do MCT (hoje MCTI) em dois programas de seu Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação (PACTI).
Eles concluem que “o MCT gastou com subvenção econômica à empresa (deu dinheiro às empresas para fazerem pesquisa, sem que precisassem reembolsar o governo) R$ 1,6 bilhão entre 2007 e 2010. Ao passo que foram gastos, no mesmo período, somente R$ 327 milhões com pesquisas de alguma forma ligadas à inclusão”. “(…) há uma tendência de crescimento dos recursos para subvenção econômica e de estagnação daqueles destinados à inclusão’’. Intitulado “Tecnologia Social: Aquela Voltada para Inclusão”, o artigo foi publicado na Revista Eletrônica de Jornalismo Científico ComCiência, do Labjor-SBPC da mesma Unicamp, em setembro de 2011. (Confira no o conteúdo do artigo).
Mobilização e convivência
Em meio à necessária visibilidade pública do debate acerca de alternativas para o semiárido é possível estabelecer liames entre as tradicionais “políticas de combate à seca” – que infelizmente ainda persistem no centro das decisões de Estado e também de governo, embora atualmente em menor intensidade – e os “modelos de salvação” que, em última análise, estão fundamentados em percepções desse mesmo Estado e governo em relação à CT&I voltadas para a região.
Coordenador executivo do CAA, Mário Augusto Jacó advoga que “o fracasso do modelo de construção de agudas, represas, barreiras e outros tipos de reservatórios e as chamadas ‘frentes de trabalho’ promoveram de um lado a concentração da terra e dos recursos naturais e do outro o controle político sobre as famílias. Não podemos dissociar que esse tipo de política oficial, de compreensão política de então, era também a compreensão de ciência e tecnologia que se tinha para o nosso semiárido”.
A reportagem concluiu que a compreensão política de convivência com o semiárido, a partir de um novo olhar de centenas de entidades da sociedade civil de 11 estados (ONGs, setores da igreja, parte do movimento sindical, agências de cooperação internacional), só está sendo possível porque se escolheu a população sertaneja para ser protagonista de todo o processo. “Somos uma rede que criou o Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semiárido e o vetor desse processo todo é a cisterna. Partimos do entendimento de que devíamos criar nossas tecnologias, tecnologias sociais, e que elas fossem geridas e depois apropriadas pela própria comunidade”, destacou Jacó.
O dirigente executivo do CAA destaca o recente envolvimento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) com o semiárido. “É interessante percebermos que só há pouco tempo a Embrapa percebeu a possibilidade de convivência com o semiárido. Há uma demanda na região que sempre exigiu e ainda exige respostas imediatas e que não estão no centro da dinâmica da produção científica dos centros de pesquisa, como política específica. Acho que se essas Tecnologias Sociais, e suas replicações, fossem adotadas como política pública a realidade seria outra”, desabafou.
O próximo passo do Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semiárido, após a construção de cisternas para consumo humano, é construção de cisternas para produção. Identificado como o “água II”, esta nova fase contempla a replicação de outras tecnologias, como barragens subterrâneas, criação de animais.
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* Raimundo Santana é jornalista e especialista em Jornalismo Científico e Tecnológico.