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Atualizado em 2 DE maio DE 2013 ás 19:08

Ensino médico ligado intimamente a irmandade da Bahia

Após a Carta-Régia, assinada pelo então príncipe-regente D. João, em 18 de fevereiro de 1808, e que instituiu a Escola de Cirurgia da Bahia, foi providenciada a sua instalação no Real Hospital Militar que ocupava desde 19 de janeiro de 1779 as dependências da enfermaria do extinto Noviciado do Colégio dos Meninos da Companhia de Jesus, também conhecido como Colégio dos Jesuítas.

POR CLÁUDIO ANTÔNIO DE FREITAS BANDEIRA*

O estabelecimento do ensino da ciência médica no Brasil deve-se à ideia do cirurgião-mor do Reino, o médico pernambucano José Correia Picanço, que seria posteriormente intitulado barão de Goiana. Após a Carta-Régia, assinada pelo então príncipe-regente D. João, em 18 de fevereiro de 1808, e que instituiu a Escola de Cirurgia da Bahia, foi providenciada a sua instalação no Real Hospital Militar que ocupava desde 19 de janeiro de 1779 as dependências da enfermaria do extinto Noviciado do Colégio dos Meninos da Companhia de Jesus, também conhecido como Colégio dos Jesuítas, chamado pelos padres de Colégio da Bahia, no Terreiro de Jesus. Sete anos depois, nova Carta-Régia, assinada no dia 29 de dezembro de 1815, determinou el-rei D. João VI que a Escola de Cirurgia fosse denominada de Academia Médico-Cirúrgica da Bahia e que seu curso  fosse ministrado no Hospital de Caridade São Cristóvão, na sede da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, de comum acordo com o Provedor, e data de então a profunda ligação da Irmandade da Misericórdia, até hoje, com o ensino da Medicina na Bahia.

O Real Hospital Militar foi transferido para o Convento dos Padres Agostinianos Descalços, no Largo da Palma, de onde, mais tarde, seria deslocado para a Ladeira dos Galés, em Pitangueiras. Após 17 anos, ato da regência do Império, exarado a 3 de outubro de 1832, determinou que o Colégio Médico-Cirúrgico passasse a se chamar Faculdade de Medicina da Bahia, e, no dia do décimo  aniversário da entrada do Exército Libertador na capital baiana, o 2 de julho de 1833, houve a mudança do Hospital de Caridade São Cristóvão, do prédio da Irmandade para o edifício da Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, onde permaneceria por 60 anos.

Foi depois transferido, em 1893, para o Hospital Santa Isabel, da Casa da Santa Misericórdia, no Largo de Nazaré. Assim, a Faculdade de Medicina da Bahia ocupou o Hospital da Santa Casa durante 139 anos, até 1956, quando todas as suas cátedras de clínicas médicas e cirúrgicas e serviços complementares foram levados para o então recém-construído Hospital das Clínicas (Hospital Universitário Professor Edgard Santos).  No local, contudo, já operava, desde 1952, a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, que até hoje funciona em anexo do Hospital Santa Isabel.

Escola Tropicalista Baiana – A partir da consolidação da Faculdade de Medicina, três grandes áreas do saber de então nortearam as pesquisas: o Eugenismo, o Higienismo e a Escola Tropicalista Baiana, a mais próxima do que hoje seria considerada a pioneira a fazer uso de uma metodologia científica. Tendo com uma de seus expoentes o médico Pirajá da Silva (ver perfil), a Escola Tropicalista Baiana, não se estabeleceu como uma unidade de ensino formal, mas como um grupo de médicos que atuavam na Bahia e se dedicavam à prática de uma medicina voltada para a pesquisa da etiologia das doenças tropicais que atingiam majoritariamente as populações pobres do país, principalmente os negros escravos. Este grupo de pesquisadores começou a ser formar a partir de 1860 e somente depois foi atribuída a denominação de Escola Tropicalista Baiana por Antônio Caldas Coni (1952). Promoveu uma revolução no estudo das doenças e, segundo alguns historiadores, se antecipou na adoção de protocolos que só se tornariam fundamentos a partir de Louis Pasteur.

O grupo “tropicalista” realiza as primeiras reuniões na residência de John Ligertwood Paterson, sempre quinzenalmente e à noite. Depois as reuniões passaram a ocorre na casa dos demais integrantes do grupo fundador – Otto Edward Henry Wucherer, de descendência luso-germânica, John Ligertwood Paterson, de origem escocesa e José Francisco da Silva Lima, português, e o baiano Manuel Augusto Pirajá da Silva, além destes o grupo contou com a assistência do cirurgião Manuel Maria Pires Caldas, o clínico Ludgero Ferreira e os professores da Faculdade de Medicina da Bahia Antônio José Alves (pai do poeta Castro Alves e professor de cirurgia) e Antônio Januário de Faria (professor de clínica médica).

Integravam ainda o grupo, dois médicos estrangeiros: Thomas Wright Hall, que trabalhava com a comunidade britânica, e Alexander Ligertwood Paterson, irmão de John Ligertwood Paterson. Na animadas reuniões as discussões científicas eram baseadas na anatomia patológica e no uso pioneiro de microscópio no Brasil. Posteriormente, estudantes que se tornariam renomados da Faculdade de Medicina da Bahia como Antônio Pacífico Pereira (1846-1922); seu irmão, Manuel Victorino Pereira (1853-1902) e Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906) uniriam- se à Escola Tropicalista Baiana, atraídos pela crítica à medicina ocidental tradicional e pelas pesquisas originais desenvolvidas pelo grupo.

A prática e ensino dessa medicina eram exercidos no Hospital da Santa Casa da Misericórdia da Bahia, hoje Santa Izabel, e a divulgação dos estudos realizados pelo grupo era feita através do periódico Gazeta Médica da Bahia, lançado em julho de 1866, e cujo histórico abordaremos mais adiante.  Alguns historiadores acreditam que o surgimento da Escola Tropicalista Baiana tenha se dado por sugestão de John Ligertwood Paterson, a partir do encontro informal de 14 médicos instalados em Salvador, que se reuniram com o intuito de discutirem assuntos de interesse clínico e a literatura médica, tendo como base para os debates os casos típicos das doenças tropicais.

As investigações das patologias faziam uso dos instrumentos mais modernos da medicina europeia como novos métodos clínicos disponíveis, baseados em medidas e aplicados à fisiologia, à química na análise de corpos fluidos, e com o apoio teórico e prático das então novas disciplinas de parasitologia e da microscopia. Sem apoio oficial para o desenvolvimento de suas pesquisas, o grupo, contudo, conseguiu formar uma significativa força inovadora na Bahia e na medicina brasileira.  Este fato foi posteriormente reconhecido por alguns cientistas brasileiros mais tarde como Carlos Ribeiro Justiniano Chagas, parasitologista e discípulo de Oswaldo Cruz.  Em 13 de fevereiro de 1924, ao tomar posse como professor honorário na Faculdade de Medicina da Bahia, Chagas ressaltou em discurso a importância das influências recebidas da Escola Tropicalista Baiana nos seus estudos. Chagas tornou-se conhecido pela descoberta da doença produzida pelo trypanosoma cruzi, que foi designada em sua homenagem de Doença de Chagas.

*Cláudio Antônio de Freitas Bandeira é jornalista especializado em Jornalismo Cientifico e Tecnológico

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