Enquanto o Brasil dá os primeiros passos no Direito Autoral, os países desenvolvidos dão continuidade à busca (iniciada muito antes do despertar brasileiro para a questão das patentes) por mercados na área industrial. As relações entre o sistema de propriedade intelectual brasileiro e a economia mundial são avaliadas pelo Mestre em Direito Privado e Econômico pela Universidade Federal da Bahia, em cuja Faculdade de Direito leciona as disciplinas Direito Civil, Direito Autoral e Propriedade Industrial, Rodrigo Moraes, sócio e um dos diretores da Associação Brasileira de Direito Autoral.
POR LUANA ASSIZ*
luanassiz@gmail.com
Luana Assiz – Se avaliarmos os dados sobre depósitos de patentes, verificaremos que o Brasil não segue a tendência de crescimento de grande parte das economias emergentes (como China, Índia e Coréia do Sul). Para se ter uma ideia, apesar de o Brasil ter ficado em 24ª posição no ranking mundial da Organização Mundial de Propriedade Intelectual sobre as patentes de 2010 e a Turquia ter sido o 25º colocado, entre 2005 e 2010, as patentes da Turquia aumentaram 22,7%, enquanto o Brasil teve um crescimento médio anual de 12,8%. Por que o Brasil não avança no depósito de patentes?
Rodrigo Moraes - A lei atual de patentes no Brasil (nº 9.279/96) foi assinada há mais de quinze anos, quando não havia patenteabilidade no país na área de saúde, o que prejudicava indústrias poderosas farmacêuticas nos Estados Unidos. O Brasil assinou essa lei por uma demanda externa e sob pressão. O nome é Lei de Propriedade Intelectual, mas era para ser Código de Propriedade Industrial, porque trata também de matérias penais. Mas, de acordo com a Constituição Federal, um código não pode ser votado em regime de urgência e o nome foi alterado na época para votar em regime de urgência – a urgência imposta pelos Estados Unidos.
De 1996 até agora, o Brasil pouco avançou, por falta de conhecimento da sociedade. No curso de Direito da UFBA, a disciplina Direito Autoral e Propriedade Industrial é optativa. A área de patente está dentro de uma matéria maior que é Direito Empresarial, em que é abordada em uma aula apenas, de maneira superficial. Os concursos públicos cobram patentes, mas também de maneira muito superficial. Já temos mais de 1100 faculdades de Direito no Brasil e pouquíssimas têm núcleos de pesquisas nessa área. A sociedade precisa entender que a propriedade mais valiosa não é a tangível, e sim, a intelectual. O Brasil não é menos criativo ou inovador. Podemos ter grandes invenções, mas não há investimento nisso e quando há pessoas inventivas, o desconhecimento faz com que o inventor deixe de ir no Instituto Nacional de Propriedade Industrial fazer esse depósito.
Essa matéria (Direito Autoral e Propriedade Industrial) é interdisciplinar, não deve ser tratada apenas nos cursos de Direito. É um absurdo uma Faculdade de Engenharia, por exemplo, não ter essa matéria. Formamos engenheiros que já ouviram falar de patentes, mas não têm conhecimento nisso. Nos Estados Unidos, o universitário já tem a cultura da patente. Se ele tem uma invenção, ele pensa em fazer o pedido de patentes para tentar auferir royalties no período de exploração concedido. No Brasil, estamos engatinhando. Poucas empresas têm essa cultura de pesquisa e fomento à inovação.
LA – Isso tem a ver com a falta de cultura do empreendedorismo? As pessoas são educadas e estimuladas a saírem da faculdade e buscarem um bom emprego e não a terem o seu próprio negocio ou desenvolverem ideias próprias em suas áreas de atuação…
RM - Exatamente. Hoje, há uma visão muito voltada para o concurso público. Eu me formei em 1999 na UFBA e, nessa época, meus colegas queriam ser advogados. As pessoas buscam hoje uma estabilidade, então há uma passividade. Veja a biografia de Steve Jobs, que nem chegou a se formar, ou Bill Gates, que abandonou a faculdade, ou mesmo o fundador do Facebook, que criou a rede na faculdade. Há um desperdício do Brasil em relação a grandes talentos. O professor detecta o aluno muito bom, mas não o incentiva. Esse aluno deveria ser premiado, receber uma bolsa. Nos Estados Unidos, há essa cultura. Eles investem nos melhores alunos.
LA – Existe um movimento (iniciado no fim de 2010 por organizações não governamentais do Brasil e de outros 26 países) que luta pelo fim do pipeline. Eles tentam apressar o julgamento no Supremo Tribunal Federal de uma ação direta de inconstitucionalidade sobre patentes de drogas. Entre os argumentos está o de que o pipeline fere o princípio da isonomia: patentes aprovadas por esse sistema não tiveram de ser analisadas como os demais medicamentos.
RM - Quando houve aprovação da lei de patentes, em 1996, muitas empresas, sobretudo na área de fármacos, receberam a concessão de um prazo, porque seus produtos já haviam caído em domínio público, em tese, porque um dos requisitos da patenteabilidade é a novidade e se isso foi mostrado ao público, perde-se a novidade e não há porque patentear. Como o Brasil não aceitava isso ate 96, esse pipeline foi uma chance dada às empresas que já haviam depositado aqui esse pedido de patentes e pelo que eu venho acompanhando, as empresas farmacêuticas vêm perdendo todas as disputas jurídicas.
LA – Essa discussão em torno do sistema pipeline existe por causa dos custos que isso traz para o país. Num período de 19 meses, o Brasil gastou R$ 123 milhões a mais na compra da versão patenteada de apenas quatro medicamentos distribuídos no sistema público de saúde. Esse é o valor que o governo economizaria se comprasse as mesmas drogas em países onde elas são vendidas na versão genérica. Em setembro do ano passado, Dilma fez um discurso na ONU em que defendia a quebra de patentes para doenças crônicas, para ampliar o acesso à saúde. Como você avalia isso?
RM - Esse é um assunto muito polêmico. O primeiro medicamento que sofreu licenciamento compulsório de patente no Brasil foi o Efavirenz, em 2007, na época do ministro Humberto Costa, atual líder do PT no Senado. Nesse momento, se espalhou por aí que o Brasil sofreria sanções e os Estados Unidos retaliariam o país, mas não houve nada disso. Os países ricos já respeitam o Brasil, que é uma economia forte – uma das 10 maiores do mundo – e tem um mercado consumidor enorme. Não há porque os farmacêuticos brigarem com um comprador do tamanho do governo federal brasileiro, que compra remédio para o pais inteiro. Mas é preciso avaliar essa questão com equilíbrio. Não se pode quebrar patentes indiscriminadamente. A patente é um monopólio temporário que o estado concede a quem traz uma inovação, desenvolvendo um produto que gera avanço na tecnologia. A produção de um medicamento envolve muito investimento e todo investidor quer ter um retorno, então, a partir do momento em que ele investe e a pessoa se recusa a pagar por aquele valor, isso poderia gerar um desaquecimento do mercado.
Os municípios e os estados têm um percentual mínimo definido por lei para gastar com saúde, mas a União não tem valor fixo em percentual – foi votada agora a regulamentação da emenda 29 (que prevê que a União invista na saúde 10% da arrecadação de impostos), mas, por enquanto, isso não existe. Se a própria União não se compromete tanto assim com saúde, quem arca é a indústria farmacêutica? Claro que, na balança com Direito Patentário, o Direito à Saúde prevalece, porque está acima do lucro, mas, as duas legislações estão previstas na Constituição Federal.
O Brasil é muito bem visto na área de tratamento para a AIDS, cujos medicamentos são distribuídos pelo SUS. Mas não sei até quando a União vai conseguir sustentar isso, sem recorrer ao subterfúgio de que se está caro e não se consegue pagar para a manutenção do sistema, a saída é fazer licenciamento compulsório. Não podemos adotar uma visão maniqueísta de que a indústria é o lobo mau e o estado é bonzinho. Existem argumentos bons para os dois lados.
LA – Em setembro de 2011, Obama assinou nova lei das patentes, cujo objetivo é ajudar a tirar o país da crise econômica. A ideia é criar um processo mais rápido de aprovação de patentes, convertendo as novas ideias em empregos. Dessa política é resultado de uma preocupação dos Estados Unidos em relação ao crescimento de países emergentes? Seria um caminho a ser pensado no Brasil?
RM - Barack Obama está sendo pressionado (inclusive sob ameaça de corte de recursos para sua campanha) por grandes grupos antagônicos: a indústria de cinema e indústria fonográfica versus Google e Youtube. Existe um projeto de lei polêmico, nos Estados Unidos, o Sopa (Stop Online Pirataria), que pretende combater a prática na internet. Isso porque existem sites que geram lucros absurdos com uma prática ilegal. O criador do megaupload, por exemplo, é um multimilionário, que fez sua fortuna disponibilizando um site para pessoas fazerem uploads de obras. Youtube e Google ganham dinheiro como? Eles lucram com obras protegidas pelo direito autoral. O Youtube já paga direito autoral ao Ecad, mas é algo recente. E Obama está nessa berlinda.
LA – Você visualiza uma solução para esse conflito?
RM - A internet precisa ser regulamentada de alguma maneira, não é terra de ninguém. Há problemas como a possibilidade de difamar uma pessoa…
LA – E o problema do plágio. Imagino que os professores sofram bastante com isso…
RM – Professor sobre e comete plagio. Tenho ações no meu escritório contra professores com mestrado, doutorado, que publicaram trinta páginas sem fazer uma nota de rodapé. Falta uma consciência das pessoas em relação à área da propriedade intelectual. O Brasil exporta grandes compositores (Tom Jobim, João Gilberto, Dorival Caymmi, João Bosco, Ivan Lins). Mas a área de cultura não precisa de tanto investimento quanto a área de pesquisa em fármacos, por exemplo. Acabou a história do gênio aloucado que inventa dentro do gabinete. É preciso ter investimento.
LA – Falta essa visão nas empresas?
RM - Não há esse diálogo entre universidades e empresas. No Brasil, as universidades se acham acima do bem e do mal e não querem se comunicar com a sociedade. Ficam isolados nos gabinetes escrevendo artigos que não têm relevância nenhuma. O Instituto Nacional de Propriedade Industrial demora muito para conferir uma patente – o trâmite pode levar dez anos. Esses prazos precisam ser reduzidos. O Brasil chegou atrasado nessa área de propriedade intelectual, mas já está demonstrando mais firmeza.
*Luana Assiz é jornalista (Facom-UFBA) e especialista em Jornalismo Científico e Tecnológico pela mesma faculdade.