Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 10 DE julho DE 2013 ás 17:15

Insetos peritos

Em Salvador, o Laboratório de Bionomia, Biogeografia e Sistemática de Insetos da UFBA atua em conjunto com a Polícia Técnica para saber mais sobre esses insetos legistas.

POR EDVAN LESSA*
lessaedvan@gmail.com

Há algo de podre no Imbuí. Neste bairro de Salvador, precisamente na zona militar, pesquisadores e peritos se reúnem em torno de cadáveres. O espaço não é nada comparado à fazenda onde se estudam corpos em decomposição, no Tennesse (EUA). E os especialistas tampouco estão interessados nos mortos. Mas sim, nos insetos que os colonizam.

Insetos e artrópodes são os seres vivos com maior abundância em todo o mundo – cerca de 10 quintilhões. Talvez, esta discrepante quantidade em relação aos outros seres vivos explique como eles chegam tão rápido a um cadáver. Muitas vezes, antes mesmo de um perito identificar o corpo, alguns necrófagos (que se alimentam de matéria orgânica em decomposição) já estão desempenhando seu papel de acelerar a putrefação.

Engana-se, entretanto, quem pensa que a função de um inseto é apenas “encher a barriga” e sair de fininho. A Entomologia Forense, ciência que lida com esses seres para fins legais, provou o quanto podem ser promissores para desvendar crimes. Não é de se estranhar que, nestes casos, o corpo seja um objeto trivial, enquanto os insetos, protagonistas das investigações.

Diversas ordens de insetos colonizam o corpo em estágios diferenciados de decomposição e cada uma delas pode trazer informações específicas. Segundo a pesquisadora do Laboratório de Bionomia, Biogeografia e Sistemática de Insetos (BIOSIS), do Instituto de Biologia da UFBA, vestígios de DNA humano, por exemplo, podem ser encontrados dentro do aparelho digestivo de larvas de moscas em um intervalo de cinco a sete dias depois que eles se alimentam.

Os insetos Diptera – ordem caracterizada pelo tamanho reduzido das asas posteriores e proeminência das asas dianteiras – podem indicar ainda se o corpo foi movido de lugar e se há presença de substâncias químicas. Por exemplo, o professor Arício Xavier Linhares, do Instituto de Biologia da Unicamp, descobriu há três anos que o tamanho das larvas nas quais havia presença de algum tipo de droga poderia interferir na própria avaliação do intervalo post-mortem, já que esses insetos não cresciam tanto, o que gerava uma estimativa equivocada do seu tempo de vida.

Mosca da Familia Calliphoridae, Espécie Chrysomya albceps. Imagem: Divulgação/Equipe BIOSIS.

Mosca da Familia Calliphoridae, Espécie Chrysomya albceps. Imagem: Divulgação/Equipe BIOSIS.

Dentre os principais insetos e artrópodes de interesse forense estão moscas varejeiras, formigas, besouros e ácaros, que podem ajudar a desvendar assassinatos, suicídios, abusos físicos, dentre outros eventos. O fato de algumas espécies serem endêmicas de uma região também é outro indicador para a resolução de um caso.

PRAXE – Nos experimentos – que em Salvador são feitos no Imbuí -, os pesquisadores trabalham com suínos mortos, coletando os insetos que aparecem durante a decomposição. O período de estudo em campo pode levar meses. “[Aqui] a gente tem se limitado ao que é usual”, responde Favízia, quando perguntada sobre o motivo de usar suínos para estudo. Trata-se de uma praxe entre especialistas porque os suínos são onívoros, ou seja, se alimentam de animais e vegetais, seguindo uma dieta mais ou menos parecida com a nossa. Além disso, a disposição interna e o peso dos órgãos se assemelham com o de um humano.

Na prática, o trabalho de um entomólogo forense é bastante sistemático. Quando chega a uma cena de crime, é seu dever recolher uma boa quantidade de insetos, que no laboratório serão submetidos a uma dieta artificial. Para preservar os bichinhos (e isso inclui a sua reprodução), eles são mantidos em estufas com diferentes temperaturas e acompanhados por semanas, até mesmo meses.

Dentre os alimentos com os quais são nutridos, estão carne e sêmen. Mas a dieta varia se o objetivo do experimento for a criação dos insetos ou a sua reprodução. No BIOSIS, diante da dificuldade de fazer com que moscas se reproduzissem, Favízia Freitas misturou comida enlatada para cães e suplemento polivitamínico – uma dieta eficaz e totalmente nova, de acordo com ela.

PARCERIAS – No Departamento de Polícia Técnica do Estado Bahia (DPT-BA) existe um coordenação de Entomologia Forense, a única do país numa instituição pericial. Liderada pelo perito e professor da Escola Bahiana de Medicina de Salvador, Torricelli Thé, a equipe conta com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado da Bahia (Fapesb) e da Secretaria de Segurança Pública (SSP) desde 2007.

Apesar de nenhum crime ter sido solucionado especificamente graças aos insetos, o DPT-BA é reconhecido em outros estados e é parceiro do BIOSIS.“Realizamos um trabalho mais voltado à pesquisa e já publicamos dois livros”, conta o Torricelli.

INSETOS DE SALVADOR – Na tela de um monitor à frente da mesa de Favízia, no BIOSIS, um de seus bolsistas exibe um catálogo com imagens de Dipteras. Trata-se do banco de fotos com insetos de interesse forense da cidade de Salvador. A pesquisadora conta que já existem cerca de 50 imagens. A ideia é disponibilizar o acervo online e em forma de catálogo, físico.

Para produzir as imagens de alta resolução, foi utilizada uma câmera fotográfica acoplada a um  microscópio. Características que dificilmente seriam possíveis de observar a olho nu, estarão acessíveis à comunidade de pesquisadores e profissionais da entomologia forense.  “É um catálogo bem estruturado com alguns insetos desde a sua fase larval.”, completa Freitas.

*Edvan Lessa é estudante de Jornalismo da Facom-UFBA e bolsista da Agência de Notícias Ciência e Cultura.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *