Obra, pioneira no Brasil e dedicada ao Reitor Edgard Santos, foi organizada pelo professor Nelson Rossi, fundador do Laboratório de Fonética Experimental da UFBA
Sophia Morais* e Mariana Alcântara**
Há algumas décadas, pouco se conhecia sobre a realidade do português falado no Brasil, e principalmente, na Bahia. Porém, em 1960, o professor Nelson Rossi, foneticista e sociolinguista, trazido do Rio de Janeiro pelo então Reitor Edgard Santos, iniciou um grupo de pesquisa no campo da dialetologia – ciência que estuda os dialetos – tendo a geolinguística como método que traduziu este estudo em mapas. Juntamente, com oito ex-alunas, licenciadas pelo Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Nelson Rossi, iniciou a produção de um material que hoje – tanto pela informação colhida, quanto pelo método utilizado – é considerado pioneiro em todo o Brasil.
Trata-se do Atlas Prévio de Falares Baianos (APFB) que, 50 após sua publicação, em 1963, recebe uma edição revisitada e experimenta ares comemorativos. A celebração ocorre das 14h às 18h de hoje, dia 12 de Novembro, no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Campus de Ondina. A programação traz uma mesa-redonda com o tema “O sentido do Atlas Prévio dos Falares Baianos”, que conta com um depoimento do Professor da USP e Unicamp, Ataliba Teixeira de Castilho. Participam da mesa as professoras Carlota da Silveira e Dinah Isensee, ambas colaboradoras na construção do Atlas.
Em seguida, haverá a exposição “Quadros da História do Atlas Prévio dos Falares Baianos”, série de pôsteres que tem como objetivo desenhar os passos da construção desse que foi o primeiro atlas linguístico do Brasil. Na sequência, acontece o lançamento da segunda edição do APFB e um coquetel, que marcará o final da festividade.
Em entrevista à Agência de Notícias Ciência e Cultura as organizadoras do evento Jacyra Andrade, Suzana Alice e Carlota da Silveira falam um pouco sobre o Atlas, seu legado, influência e construção. Confiram abaixo.
Ciência e Cultura – O que é o Atlas Prévio dos Falares Baianos (APFB)?
Jacyra – O APFB é uma obra pioneira, que vai mostrar a variação linguísitca em todo o estado. Ele se circunscreve à Bahia e mostra as variantes linguísticas, assim como a diversidade de fala em 50 localidades.
Ciência e Cultura – Porquê celebrar o cinquentenário do Atlas?
Suzana – O Atlas Prévio dos Falares Baianos foi o primeiro atlas linguístico do brasil. Ele ensejou outros professores a fazerem outros atlas regionais. Então, ele tem um papel importante relevante nos estudo de Língua Portuguesa, porque ele não foi só o primeiro atlas, mas porque contribuiu pra difundir uma mentalidade de elaboração de Atlas. Hoje, nós já temos vários atlas publicados e estamos trabalhando com um atlas de caráter nacional. Então, nada mais justo que comemorar os 50 anos daquele que foi o primeiro e que motivou a criação de outros.
Ciência e Cultura – Qual o legado deixado pela obra?
Suzana – O legado, os resultados dos frutos deste atlas são muitos. Primeiro, passamos a conhecer melhor, e de maneira sistemática, o Estado da Bahia. E a partir daí foram gerados muitos trabalhos, consultando os dados reunidos pelo APFB e comparando com outros dados que foram apurados em outras áreas. Trata-se de um estudo pioneiro, feito a partir de dados recolhidos na própria localidade. Não se partiu de achismos, de “ouvi dizer”, “ah, fulano disse”, não, o grupo foi exatamente para aqueles locais, recolher aquelas informações.
Ciência e Cultura – No livreto de divulgação do evento, a senhora (Carlota) diz que “toda obra pioneira, além do mérito de ser pioneira, carrega em si limitações”. Quais seriam estas limitações?
Carlota – São várias. Primeiro, não havia pessoal experiente pra fazer o trabalho. Então, foi um preparo violento. Outra coisa foi o adiantamento tecnológico, que nesse pionerismo não existia. Eram cabeça, mão e pernas pra andar. E também, claro, a gente não tinha como se apoiar ou de onde partir. Era uma coisa que tinha que ser grandemente criativa. Sabiamos a teoria, tínhamos conhecimentos de outras obras, mas sobre o Brasil e, muito menos sobre a Bahia, não existia nada. Então, era botar a mão na massa, leitura, trabalho, diposição, vontade e muita seriedade pra fazer esta obra pioneira. Não tinha espelho, foi realmente a cabeça de Nelson Rossi e a de seus colaboradores que deu vida à obra.
Ciência e Cultura – Porquê, mesmo após 50 anos, o APFB permanece tão atual?
Jacyra – O Atlas espelha uma época, a língua pode ter mudado, mas ele é testemunha de uma época. Tudo que é testemunho, de certa forma, é atual. Hoje, você vai lá no passado pra saber como era este passado. E o Atlas é testemunho de como se falava 50 anos atrás, um testemunho fidedigno. Acho que é atual por isso, pela fidedignidade e pela forma como foi feito. As pessoas foram lá, ouvir, anotar, analisar aquela fala. E hoje podemos dizer que em em ‘tal lugar’ se dizia ‘tal coisa’, havia essa forma de falar. Forma que pode ter se mantido durante estes 50 anos ou pode ter se modificado, ter desaparecido. Alguns vocábulos saem e são substituídos por outros, mas o testemunho passado fica. Eu acho que é aí reside a importância, a atualidade do APFB.
Ciência e Cultura – Um citação famosa do Nelson Rossi é “fazer cada coisa como se dela dependesse a salvação do mundo”. O que ele queria dizer com este lema e como isto influênciou na construção do livro?
Suzana – O que Nelson queria dizer era que se deve trabalhar com a seriedade possível, com o respeito devido e produzir aquilo que se está propondo da melhor maneira possível. Eu gosto de dizer que, de vez em quando, o melhor que a gente faz é o pior do mundo. O que importa é que você faça o melhor que você pode. Então, o princípio de Nelson Rossi era este. Carlota viveu mais de perto este princípio.
Carlota – Era seriedade, dar tudo que você podia dar. Então, não havia distância, má vontade, desinteresse. E é engraçado porque ao mesmo tempo em que Nelson dizia “fazer cada coisa como se dela dependesse a salvação do mundo”, ele tinha outro lema para esse grupo que viajava: “se largue e se vire”. Faça tudo muito bem, mas procure fazer mesmo! Se é pra andar de barco, ande de barco! Se é pra andar de cavalo, vá de cavalo! Mas vá, chegue lá! Tinha aquele ímpeto de coragem que ele passava pra gente, e isso era muito bom.
* Estudante do 1º semestre de Comunicação com Habilitação em Jornalismo na Faculdade de Comunicação da Ufba
** Jornalista e Editora da Agência de Notícias Ciência e Cultura