Surgimento das domésticas livres na conjuntura emancipacionista no final do século XIX, nas cidades de Recife e Salvador, e suas experiências e lutas é o grande tema da tese de doutorado de Maciel Henrique Carneiro da Silva
MATHEUS VIANNA*
O trabalho Domésticas criadas entre textos e práticas sociais: Recife e Salvador (1870-1910), de autoria de Maciel Henrique Carneiro da Silva, defendido recentemente no Programa de Pós-Graduação em História da UFBA, traz o debate de uma possível formação da classe dos trabalhadores domésticos no Brasil pós-escravidão. Para sua argumentação e reconstrução da vida dessas pessoas, o autor utiliza a literatura de ficção, de processos criminais e cíveis, de anúncios de jornais e de documentação oficial.
Para explicar o recorte temporal, o autor cita que o ano de 1870 foi a ano da promulgação da Lei do Ventre Livre, que estabelecia a liberdade dos filhos das escravas após os 21 anos. Já o ano de 1910 foi tomado como limite, pois marcou uma época de mudanças urbanas e sanitárias nas principais capitais do país. Voltando-se para o recorte espacial, Maciel analisa que para uma correta comparação histórica, os espaços comparados precisam de dinâmicas e formações sociais similares, como nas capitais nordestinas Recife e Salvador.
Um dos principais confrontos teóricos apresentados na tese é a visão de servilismo e harmonia com os patrões, apresentado nos livros dos escritores e memorialistas baianos e pernambucanos, e os relatos de experiências de confronto encontrados durante a pesquisa. Além do servilismo, os livros apresentam todo um pensamento paternalista e escravista, apesar dos poucos avanços formais após a abolição da escravatura. Entretanto, os próprios avanços formais dificultaram um pouco a constituição de uma classe de trabalhadores domésticos, na medida em que destituíram de características específicas os diferentes trabalhos domésticos, nomeando todos de “criados de servir”.
De acordo com o pesquisador, a principal prática paternalista da sociedade que complicava o estabelecimento e reconhecimento das domésticas enquanto classe é a criação da mãe-preta como símbolo de “docilidade e integração nacional”, citando seu texto. Esse mito, construído a partir das mucamas de criação do período escravista, serviu para criar uma ideia de “harmonia social entre dependentes negros generosos e brancos compassivos e brandos”, forçando o trabalhador doméstico livre a ter uma relação afetiva com seus patrões.
Diante do problema da relação sentimental obrigatória entre contratados e patrões, o autor do trabalho finaliza apresentando uma fala de uma das lideranças políticas das trabalhadoras domésticas no Brasil, Lenira Maria de Carvalho: “Dentro de uma família tem todos os problemas, tem problema afetivo, tem problema de tudo, mas não tem o problema de classe. Quem leva o problema de classe é a empregada doméstica”. A partir dessa fala, Lenira apresenta essa relação afetiva como um problema na disputa de classes no ambiente doméstico, que só se estabeleceria a classe das domésticas quando essas se sentissem distintas do núcleo familiar.
* Graduando do curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia e estagiário da Agência de Notícias Ciências e Cultura da Ufba