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Atualizado em 23 DE abril DE 2014 ás 17:34

Interesse por cursos na área de Ciências diminui entre jovens

Procura por carreiras de Química, Física, Biologia e Matemática nas universidades reduz. Número de vagas não ocupadas aumenta nos últimos anos

MATHEUS VIANNA*

Os cursos de Ciências Exatas e Biológicas estão sofrendo um processo de esvaziamento nas universidades. Além de uma queda na concorrência desses vestibulares, existe uma diminuição no número de matriculados, situação que se agrava nos cursos de licenciaturas. Segundo dados da administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA), o número de alunos inscritos em disciplinas também diminuiu entre o primeiro e segundo semestres de 2013 em praticamente todos os cursos da área, tendo as maiores quedas nos cursos de Matemática e de Física, que obtiveram 19 e 26 alunos a menos, respectivamente.

“Esses cursos não são os únicos, existindo até situações piores. No curso de Estatística, no semestre 2013.1, foram oferecidas 60 vagas e tivemos oito alunos matriculados, sendo que esse número vem decrescendo” afirma o Pró-Reitor de Ensino de Graduação da UFBA, o professor Ricardo Miranda.

Os dados mais recentes do Serviço de Seleção, Orientação e Avaliação (SSOA) apontam a baixa procura dos estudantes para esses cursos. Uma queda média de quarenta candidatos inscritos nesta área entre os vestibulares de 2012 e 2013, o último antes da entrada da UFBA no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), exemplifica o esvaziamento dos cursos, principalmente nos cursos de formação de professores, as Licenciaturas. No vestibular de 2013 ocorreu uma queda de 86 inscritos no curso noturno de Licenciatura de Química, contrastando com o aumento de 1152 inscritos em Medicina.

De acordo com o professor Ricardo Miranda, a ação mais efetiva em curto prazo que foi realizada na universidade é a entrada da Ufba no Sisu, proporcionando uma maior democratização no acesso a esses cursos. De acordo com ele, os primeiros números, obtidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), são animadores. “A média de alunos matriculados nas universidades que ingressaram pelo Sisu está entre 30% e 40% e, no entanto, a UFBA, em seu primeiro ano, teve uma média de 61%, superando a média nacional”. Tendo como exemplo o curso de Estatística, o número de matriculados saltou de oito para vinte e seis.

Entretanto, o número de vagas ociosas ainda é grande. No ultimo semestre de 2013, o Instituto de Biologia (Ibio) registrou um número de 14 vagas sem candidatos matriculados no turno diurno e 30 vagas no noturno. “É cedo para analisar com precisão o Sisu, mas acredito que esse maior número de estudantes inscritos vai ajudar com esse problema das vagas não preenchidas na universidade” analisa o Pró-Reitor da Ufba. Ele ainda completa que uma ação paliativa para essas vagas é o oferecimento delas, no meio do ano, para portadores de diploma de nível superior e transferências internas e externas.

PESQUISAS – Em entrevista, o professor Carlos Vogt, coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp e ex-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), comentou sobre a pesquisa que teve como tema a percepção pública da ciência entre jovens, feita pelo Labjor em parceria com o Observatório Ibero-americano de Ciência, Tecnologia e Sociedade (Rycit/Cyted). “Na pesquisa realizada constatamos que apenas 2,7% dos estudantes ibero-americanos pensam em seguir uma carreira nas áreas de ciências exatas e naturais como: química, física, biologia e matemática”, declara o professor.

Ainda segundo o inquérito, mais de 78% dos estudantes acham tais disciplinas nas escolas “muito chatas” e 60% dizem não conseguir acompanhar os assuntos trabalhados, sendo as disciplinas difíceis. De acordo com Carlos Vogt, esses dados desanimadores devem ser encarados como potenciais a serem trabalhados por políticas públicas. “A formação de professores de ciências competentes para a educação básica é ponto chave neste processo”, afirma. “É preciso que nossos jovens recebam uma educação científica de qualidade e entendam que a ciência está presente nos mais diversos aspectos de nossas vidas”, completa.

Os resultados de pesquisa de educação como o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), que avalia 65 países nas áreas de Leitura, Matemática e Ciências, e do recente levantamento da Pearson, empresa que fabrica sistemas de aprendizado em nível global, indicam a fragilidade da área de Ciências na educação brasileira. Pela avaliação de Ciências do Pisa de 2012 o Brasil se manteve no mesmo patamar de 2009, com resultado menor do que a média da pesquisa. O país se manteve abaixo de países como Costa Rica, México, Chile e Uruguai, sendo que 61% dos estudantes tiveram desempenho no nível um, enquanto que apenas 0,3% alcançaram os níveis cinco e seis, máximo da pesquisa.

O recente levantamento da Pearson, empresa que fabrica sistemas de aprendizado, entrevistou alunos de quarenta países e o Brasil ficou em penúltimo lugar. O estudo analisou que além de um investimento na área, os países precisam desenvolver uma cultura de aprendizado, de valorização dos professores e da educação como um todo. Como exemplo bem sucedido, alguns países asiáticos tem a educação como lugar de destaque na sociedade, identificado pelo ranking do levantamento, onde dos cinco melhores países, quatro são da região.

CIÊNCIA NA BAHIA – Em junho deste ano, o Instituto Datafolha realizou uma pesquisa em Salvador, encomendada pela Academia de Ciências da Bahia, sobre a percepção pública da ciência. Foram entrevistados 404 pessoas, todas a partir dos 16 anos. Os resultados dessa pesquisa demonstram a falta de informação sobre ciência dos soteropolitanos.

De acordo com o Datafolha, 62% dos entrevistados são pouco ou nada informados sobre Ciência e Tecnologia e menos de 10% assistem ou leem notícias sobre o tema, sendo essa prática restrita a pessoas com nível superior e com renda maior de cinco salários mínimos. Já 24% dos entrevistados participam ou participaram de atividades ligadas à ciência, sendo 31% dessas atividades relacionadas à escola ou à universidade.

Foto: Júlia Lins

Quando o assunto é escola e ciência, a professora Rejâne Lira, do Instituto de Biologia da UFBA, é uma das pioneiras na Bahia sobre iniciação de jovens do ensino médio e fundamental na área. Ela é responsável pela organização do Encontro de Jovens Cientistas, projeto elaborado para trazer alunos de escolas públicas e particulares para o âmbito universitário. O evento foi criado em 2005 e realizou sua quarta edição no mês de outubro de 2013.

De acordo com a professora, os estudantes possuem interesse em ciências, mas no momento da inscrição para o vestibular optam por outras profissões. Segundo ela, o fator determinante para a escolha da futura carreira está ainda ligado à remuneração da mesma. “Tenho exemplos de estudantes ótimos em química e física que em vez de seguir carreira nestas áreas, escolheram outras completamente diferentes”, diz.

O baixo interesse pelo campo da ciência também é constatado por um estudo realizado por três pesquisadores da Pós-Graduação de Ensino de Ciências da UnB intitulada ”A escolha pela carreira docente: os casos dos cursos de licenciaturas em Ciências Naturais e Educação de Campo”.  Essa pesquisa traz informações relativas ao motivo de escolha  e a satisfação com o curso de Licenciatura em Ciências Naturais da universidade. Os dados apontam que 33% dos entrevistados afirmam que escolheram pela facilidade de entrada, 13% pela maior empregabilidade e 3% pela identificação com a proposta do curso. Sobre a satisfação do curso, metade dos entrevistados afirmou não estar satisfeito.

LICENCIATURAS – A situação das licenciaturas nessa área é alarmante. Cursos esvaziados têm como possível causa a desvalorização do profissional de educação no país, principalmente na rede pública. Programas federais como o (PIBID) e o Mais Educação têm como principais objetivos atrair estudantes para o exercício da docência e melhorar sua formação. Entretanto, alunos que participam do programa muitas vezes não seguem na carreira.

Para Bárbara Rosemar, professora de Biologia da rede pública de ensino na cidade de Salvador, a prática escolar está fora do contexto da sociedade. “O método de falar e escrever está esgotada. Há necessidade de levar os estudantes a pensar sobre algo, ter hipóteses, testar e, além de tudo, discutir o que tal assunto modifica ou influencia a vida daquele estudante”, afirma a professora.

Foto: Júlia Lins

A professora, que ensina no Colégio Estadual Alfredo Magalhães, no Rio Vermelho, analisa que essa mudança passaria por cursos e especializações dos professores, mas a baixa remuneração da carreira prejudica. “Com os baixos salários, os professores precisam ministrar aulas de manhã, à tarde e a noite, para ter uma remuneração que possa dar conta de uma vida digna”, lamenta. “Não existe tempo para cursos de especializações e fazer um real planejamento voltado para aquela determinada comunidade”, completa.

No colégio, a professora Bárbara desenvolve o projeto de um Centro Avançado em Ciências, existente desde 2006, onde alunos do sétimo ao nono ano são selecionados para desenvolverem atividades no centro, por três dias no turno da tarde. “Cada aluno se aprofunda no tema que mais gosta e nós viajamos para vários encontros, além de participarmos do Encontro de Jovens Cientistas”, comenta o aluno Alex Cardoso, 16, que continua no Centro mesmo estando no terceiro ano do ensino médio, por causa da bolsa de Iniciação Científica oferecida pela Ufba.

*Graduando do curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia e bolsista da Agência de Notícias Ciência e Cultura da Ufba

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