Professora do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia (Ufba) comenta a falta de infraestrutura para pesquisa na área de Audiodescrição. O recurso permite um melhor entendimento de filmes, programas de TV e peças de teatro por deficientes visuais a partir da descrição objetiva das imagens. A audiodescrição não se sobrepõe ao conteúdo sonoro principal do filme, trabalha em conjunto proporcionando um melhor entendimento da cena
Por Luana Amaral*
luamaral89@gmail.com
Ciência e Cultura – Como surgiu a ideia de formar um grupo de pesquisa sobre Audiodescrição ?
Eliana Franco - Na verdade, foi minha. Eu sou da área de tradução audiovisual: legenda, dublagem e voice over. E o que a gente tinha em termos de acessibilidade e interatividade audiovisual era legenda para surdos, que é a tal closed caption. Era o que tinha para atender o público com deficiência auditiva, não visual. E aí, em 2004, eu fui para um congresso de tradução audiovisual na Europa. Eu não sabia o que era audiodescrição. Na Europa já se falava sobre audiodescrição, um modo de tradução audiovisual voltado para a acessibilidade. Então fui fazer uma oficina, e adorei! Quando eu voltei para o Brasil, formei um grupo que primeiro se chamava Tram (Tradução e Mídia), e depois com a audiodescrição o nome ficou Tramad (Tradução Mídia e Audiodescrição).
Ciência e Cultura – Como é a rotina de produção do grupo, a escolha do material e dos narradores?
Eliana Franco – A primeira etapa de um trabalho de audiodescrição é elaborar o roteiro visual do produto, seja filme, peça ou dança. Esse é um trabalho minucioso e, de acordo com o volume do texto, dividimos o trabalho pelos membros do grupo e depois eu faço a revisão com outros membros do Tramad já mais experientes. Quanto à gravação, quem encomenda o trabalho é que define a voz para gravar. Eu sempre falo para quem pede um trabalho de audiodescrição que nós temos gente no grupo que pode gravar, e a gente sempre sugere uma voz masculina ou feminina, dependendo do enredo do filme. Ou é possível escolher outra pessoa para gravar. A gente deixa à vontade, a única coisa que eu faço questão é de dirigir a gravação.
Ciência e Cultura – Como é o processo de divulgação dos trabalhos para que o material chegue ao conhecimento do público-alvo, que são os deficientes visuais?
Eliana Franco - Quando é alguma coisa encomendada, a gente deixa a divulgação a cargo da produção, uma vez que é de interesse deles a divulgação do produto acessível. Mas essa é uma parte muito delicada do trabalho, porque a maioria do público com deficiência visual ainda não está acostumado a ter coisas oferecidas a eles e estão muito acostumados também com um discurso assistencialista, então é um problema. Quando o grupo se encarrega de divulgar os trabalhos com audiodescrição, a gente telefona, anuncia uma semana antes. Depois liga um dia antes, mas muitos não vão. Já perguntaram para mim, por exemplo, se ia ter um lanchinho. É difícil formar plateia. Mas tem gente muito entusiasmada também. Eu adorei quando a gente fez o espetáculo “Jeremias, o Profeta da Chuva” que foi na Sala do Coro do TCA. Foi lindo, teve muita gente. Foi muito legal, porque a gente faz pra eles. E quando a gente foi fazer o espetáculo de dança “Os 3 Audíveis”, em Santo Amaro, achei interessante o fato de não haver deficientes visuais na plateia, mas deficientes intelectuais. A literatura na área afirma que a audiodescrição também é boa para deficientes intelectuais. Nós nunca fizemos pensando neles|, mas isso me estimulou a começar uma pesquisa de recepção com o público com deficiência intelectual.
Ciência e Cultura – O grupo tem apoio de capital privado?
Eliana Franco – A gente não tem apoio financeiro de ninguém. Cobramos um valor simbólico pelos trabalhos. O objetivo do grupo não é ganhar dinheiro, mas eu gosto muito quando os alunos fazem alguma coisa e recebem algo. O reconhecimento é muito importante, seja através de um crédito, seja através de um pagamento simbólico. A pesquisa precisa servir à comunidade, eu não acredito na pesquisa que fica dentro da universidade, e eu acho que a acessibilidade audiovisual foi um meio que eu achei para isso.
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Trabalho do grupo de Audiodescrição Tramad: trecho do filme O Pagamento
Grupo Tramad - Coordenado pela professora Eliana Franco, surgiu em 2004 e foi o primeiro grupo universitário do Brasil em Audiodescrição. Conta com cerca de 20 integrantes e realiza a audiodescrição de filmes curta e longa-metragem, peças de teatro e espetáculos de dança. Atualmente, o grupo trabalha na audiodescrição do filme “Nosso Lar”, que participará da mostra do Cinema Brasileiro em Miami. Para mais informações sobre o grupo, veja: www.tramad.com.br.
*Estudande de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom