Assim como Flor, filha de Bela Gil, as crianças brasileiras deveriam ter o direito a uma alimentação com menos industrializados, livre de agrotóxicos e, principalmente, sem transgênicos
VALDÍRIA SANTOS DE SOUZA FERNANDES*
valdiriasouza@gmail.com
Com o aparecimento de várias alergias, doenças raras, provocadas por alimentação inadequada carentes de nutrientes, industrializados cheios de aditivos químicos, etc, emergiu na sociedade brasileira uma preocupação por uma alimentação saudável, natural, com menos gorduras hidrogenadas e trans, menos sódio, menos leite e menos produtos ultraprocessados. E para engrossar esse discurso eis que a apresentadora, Bela Gil, em seu programa no canal GNT. “Bela Cozinha” dá destaque também para uma alimentação livre de produtos oriundos do reino animal, popularizando o veganismo.
Muitas críticas e memes surgiram a respeito da sua culinária natural (o mais famoso e compartilhado foi o churrasco de melancia), mas no ultimo dia 21 de maio a apresentadora foi alvo de “piadas” por ter postado em sua página de rede social, o lanche saudável de sua filha Flor. Nada justifica aquelas piadas e, apesar da apresentadora ter respondido às criticas com uma foto de sua filha com um adesivo com o símbolo dos agrotóxicos e de transgênicos com a legenda “lutando pelo direito de comer comida sem veneno”, eis que ainda existem críticas em sites de redes sociais com os dizeres “Avisem a Bela Gil que eu não dou chumbinho ao meu filho”, acusando a apresentadora de ser elitista e não ter uma alimentação compatível com a realidade brasileira.
Lembro que na minha época de adolescente até os 15 anos de idade (1996), não tinha dinheiro para comprar lanche na cantina da escola, que tinha basicamente salgadinhos, bolos e refrigerantes. A nossa comida, comida de família pobre, com 10 filhos, do interior da Bahia (Ilhéus), era aquela que a Bela Gil manda diariamente na lancheira de sua filha, e nós tínhamos vergonha de falar o que comíamos, pois era, na época, comida de pobre.
Minha mãe nos dava quase sempre banana da terra, batata doce, aipim, inhame, fruta-pão, abóbora cozida com casca (essa era do quintal), sem contar com a vitamina de abacate (o abacate também era do quintal), a farofa de ovo de quintal (galinha criada lá em casa) e o cuscuz, que era quase todos os dias. Lanche para escola? Às vezes nem sabia o que era isso. Mas quando tinha, era essa a marmita, uma ou outra dessas raízes.
Quando fiz 15 anos comecei a trabalhar, e para ser “igual” aos meus colegas de escola, passei a comer coxinha e outros salgadinhos na cantina, assim como meus outros irmãos e irmãs. Infelizmente não fui das mais fortes, a gordura e o refrigerante me deram ótimas dores de barriga, dores de cabeça e anos depois fui diagnosticada com gastrite. Quando vim para Salvador, com 19 anos, em 2000, além da gastrite, o nível de açúcar estava muito alto, o que me deixou atenta para não ficar diabética, como meu pai, que convive com a doença há mais de 15 anos.
Hoje, depois de muitos problemas com má alimentação, anemias constantes, colesterol alto, refluxos, dores de estômagos e prisões de ventre crônicas, em que médicos e nutricionistas me passavam remédios paliativos que não resolviam os problemas, apenas amenizavam, volto para a cozinha para fazer o que minha mãe me ensinava, cozinhar.
É mais caro sim comer natural hoje, ainda mais em uma capital, mas não é preferível gastar com alimentação, ao invés degastar com médico no futuro? Além de adotar comidas naturais, optei por orgânicos quando encontro, e sem TRANSGÊNICOS, que são sim VENENO, proibido em vários países da Europa e liberado aqui no Brasil.
Não é do caruru, da maniçoba ou da feijoada que Bela Gil fala, mesmo que ela opte por uma alimentação vegana. Venenos apontados pela apresentadora, também são os agrotóxicos (presentes na nossa mesa diariamente através das frutas, legumes e hortaliças que consumimos), os industrializados, os ultraprocessados (sopas de saquinho, biscoitos recheados, salgadinhos de pacote, hambúrguer, refrigerantes, macarrão instantâneo, etc) que possuem açúcar e farinha refinados, estabilizantes, corantes, conservantes, alto teor de sódio responsáveis por doenças do rim, hipertensão, diabetes, alergias, além de muitas outras.
Os Transgênicos ou Organismos Geneticamente Modificados (OGMs), recentemente foram pauta na Câmara dos Deputados no Projeto de Lei 4148/08, onde extingue a rotulagem obrigatória de alimentos com ingredientes transgênicos, têm motivado muitos estudos em todo mundo, para descobrir a relação da alimentação com esses OGMs ao aparecimento de doenças como o câncer ou alergias, ou até mesmo a contaminação do solo e da água, em todo caso, países europeus como Itália, Alemanha, Irlanda, França, Áustria, Hungria, Grécia, Bulgária e Luxemburgo já proibiram o plantio desses produtos.
No Brasil, apesar de ter sido liberado legalmente em 2005, a partir da aprovação da Lei de Biossegurança (11.105 de 24/03/2005), a soja transgênica já entrava no país ilegalmente pela Argentina “soja Maradona”, desde 1996. Hoje, o país produz entre soja e milho, são 17 tipos de transgênicos liberados. Atualmente, segundo o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), cerca de 92,4% da soja e 81,4% do milho do país são de origem transgênica.
Os transgênicos não consomem menos agrotóxicos, como a Monsanto nos fez crer, muito pelo contrário, segundo um dossiê da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), de 2000 a 2012, o aumento em toneladas de agrotóxicos compradas no Brasil foi 162,32% e o setor agrícola brasileiro comprou, no ano de 2012, 823 mil toneladas de agrotóxicos. Desse total, uma boa parte é proibida em outros países. (Portal Namu: Brasil liderança no uso de agrotóxicos).
Existe possibilidade de fugir dessa alimentação? Sim. As hortas e feiras orgânicas estão se espalhando pelo país, propondo uma relação de sustentabilidade e economia solidária. Diversas ONGS, além de apoiar iniciativas como a do Movimento dos Sem Terra, que cultiva hortaliças e verduras sem uso de agrotóxico, têm criado seus próprios projetos de hortas comunitárias, tais como a ONG Cidade Sem Fome, na zona leste de São Paulo, mas é possível encontrar produtos sendo vendidos em feiras com preços acessíveis. Nosso papel também é de fiscalizar e ficar atentos para não colocarmos veneno na nossa mesa, diminuindo sempre que possível o uso de industrializados e boicotando de vez soja, milho e seus derivados.
No mundo ideal todos teriam uma casa com quintal cheio de plantas, assim como o que minha família teve um dia e uma comida saudável preparada em casa, mas com a correria do dia a dia para o trabalho, faculdade e tantos outros compromissos, necessários nessa vida de “cidade grande”, falta tempo para prepararmos nosso próprio alimento, falta quintal para plantarmos nossa alimentação, consequentemente sobram patologias.
* Graduada em Teatro pela Escola de Teatro da UFBA , estudante de Comunicação da Facom-UFBA, autodidata em alimentação natural, orgânica e sem transgênico, cozinheira que divide a cozinha com seu esposo.
Valdíria, bom dia!
Comecei a leitura de sua postagem com a sensação de que você foi equilibrada e sensata na questão dos alimentos não industrializados constantes de uma dieta saudável para crianças. A tentação do consumo de muito alimento industrializado, com diferentes níveis de processamento, é grande nas escolas, tanto pela tendência de copiar os amigos, como pela facilidade de aquisição (a renda familiar melhorou e muitos destes alimentos ficaram mais baratos). Então, concordo que se deve estimular as crianças a consumir frutas e alimentos preparados em casa, tanto pelo seu valor nutricional como para evitar gastrenterites e outros agravos à saúde, a curto, médio e longo prazos.
Mas não posso concordar com a ideia de que os transgênicos sejam um veneno. Primeiro porque as autoridades de avaliação de risco de OGMs pelo mundo afora (CTNBio brasileira, as três agências americanas, a autoridade canadense, a australiana, a japonesa, a EFSA e muitas outras) aprovaram o consumo de todas as variedades de soja e milho transgênicos que foram submetidas às suas análises. Assim, embora os governos de alguns países proíbam o plantio, essencialmente nenhum proíbe o consumo (com a rara exceção do Peru e de mais dois ou três). Mesmo o Peru acaba consumindo todo tipo de alimento contendo transgênico, porque importa alimentos e grãos de muitos países e, como você sabe, os exportadores de alimentos e grãos adotaram, todos eles, a biotecnologia agrícola. Você pode consultar o banco de dados do Center for Environmental Risk Assessment e te envio o link das aprovações da agência europeia, a EFSA (http://cera-gmc.org/GmCropDatabaseResult/results?countries%5B%5D=15&from=&to=&save=Search) .
Em segundo lugar, há uma vasta quantidade de artigos científicos que mostra que estes produtos no mercado são seguros, enquanto um número muito pequeno de publicações, com metodologia científica muito questionável, mostra o contrário. Em terceiro lugar, mais de um bilhão de seres humanos e igual número de animais de produção e companhia são alimentados todo ano, na última década, com alimentos transgênicos. Sem absolutamente qualquer relato de dano à saúde dos homens e pouco relatos, muito mal elaborados, de possíveis inflamações de estômago de porco derivadas do consumo de ração GM.
Com estas informações quero apenas deixar claro que sua posição pode não estar alinhada com a ciência, mas com um ativismo anti-transgênico, que tem um forte viés econômico.
Ao final, acho que precisamos manter a mente muito aberta: um alimento saudável é derivado de boas práticas agrícolas e de pecuária, passa pelas boas práticas no armazenamento e processamento e termina com boas atitudes na alimentação, sem excessos, modismos ou carências óbvias. Isso tem alguma relação com alimento processado? Claro, mas também se aplica a tudo que vem do campo e até de nossas plantações caseiras. Como em outras áreas da vida, equilíbrio é tudo.
Muito interessante o site. Mas meu problema são essas dores. Quando sofri uma crise de lombalgia, o médico me indicou desse colchão terapêutico . Alguém aqui conhece? Disseram que diminui até insonia.