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Atualizado em 15 DE junho DE 2015 ás 18:25

Casa de Oswaldo Cruz recebe acervo de José Reis

A doação, feita pela família à Casa de Oswaldo Cruz (COC) /Fiocruz, é composta por aproximadamente 9,5 mil itens, incluindo os documentos arquivístico, museológico e bibliográfico, abrangendo várias áreas do conhecimento

HAENDEL GOMES*
haendel@fiocruz.br

Médico, virologista, patologista pelo Instituto Oswaldo Cruz (IOC), jornalista e escritor, José Reis desenvolveu importante papel na divulgação científica e na construção da ciência brasileira. Em reconhecimento, o CNPq concede anualmente, desde 1978, o Prêmio José Reis a cientistas, jornalistas e instituições que se destacam em suas atividades de divulgação científica. O acervo doado pela família à Casa de Oswaldo Cruz (COC) /Fiocruz é composto por aproximadamente 9,5 mil itens, incluindo os acervos arquivístico, museológico e bibliográfico, abrangendo várias áreas do conhecimento.

Pesquisadora do Núcleo de Estudos da Divulgação Científica do Museu da Vida, Luisa Massarani comemora a aquisição. “A COC abriu com chave de ouro esta nova linha de acervos: José Reis foi um dos grandes divulgadores da ciência no Brasil e, certamente, um ícone na área”, disse a coordenadora do projeto em andamento para o tratamento, estudo e a disponibilização desse patrimônio ao público.

O projeto abrange o processamento técnico, incluindo a higienização, catalogação, classificação, indexação e inclusão na base de dados bibliográficos e do acervo arquivístico da COC. Prevê o estudo do conjunto, buscando gerar produtos como artigos acadêmicos, livros e capítulos de livros, bem como a disponibilização, de acesso gratuito na Internet, para que outros pesquisadores e interessados possam obter o seu conteúdo. A iniciativa conta com apoio do CNPq e do Departamento de Popularização e Difusão da C&T do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Foto divulgação / Casa de Oswaldo Cruz (COC)

José Reis se destacou pela fundação e consolidação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, em 1948. Um ano depois ajudou a criar a revista Ciência e Cultura, da SBPC, tornando-se seu editor. A trajetória do cientista é marcada pela diversificação. Publicou livros infanto-juvenis, para adultos, novelas de rádios e artigos de Divulgação Científica para a Folha da Manhã (grupo Folha), na década de 1940. Na Folha de S. Paulo, onde manteve uma coluna por seis décadas, foi diretor de redação de 1962 a 1968 e estimulou a criação do suplemento infantil do jornal, veiculando temas de ciência.

O diretor da COC, Paulo Elian, também comemorou a chegada do acervo. “Estamos diante de um momento singular para a Casa e a Fiocruz, pois reafirma nosso papel na pesquisa em divulgação científica e amplia nossa atuação na preservação e difusão do patrimônio da ciência brasileira. Estamos bastante felizes com esta aquisição que vai alavancar o ingresso de outros acervos”, afirmou.

Trajetória do Acervo – Em 2003, o acervo – ainda pouco conhecido – foi doado à Universidade de São Paulo (USP) para integrar o Núcleo José Reis de Divulgação Científica, na Escola de Comunicação e Artes (ECA). No entanto, até hoje não havia sido organizado, nem permitido o acesso a pesquisadores e outros interessados. Há cerca de dois anos o conjunto foi retirado da ECA e passado à Faculdade de Oceanografia; desde novembro de 2013 ocupava uma sala do Instituto de Farmácia da USP.

Os problemas para a guarda do acervo preocuparam a família, que iniciou a tramitação para doá-lo à Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, processo que tomou forma há um ano e meio. A doação à COC teve a concordância da própria Universidade de São Paulo.

Obra que consumiu seis anos de dedicação do cientista e divulgador, “Tratado de doenças das aves” foi escrita em parceria com Paulo Nóbrega, na década de 1930. O livro é fruto de sua experiência no Instituto Biológico de São Paulo, criado em 1927 com a reforma da Secretaria da Agricultura. A nova instituição dedicava-se à defesa sanitária da agricultura, especificamente ao estudo das doenças e das pragas que atacavam as lavouras paulistas e a criação de animais. O Instituto vinha sendo organizado por Arthur Neiva e Henrique da Rocha Lima, cientistas que colaboraram com Oswaldo Cruz, em Manguinhos.

Além de veicular informações do cientista, “o acervo é precioso sob o ponto de vista do resgate da história da ciência brasileira e da divulgação científica em nosso país”, afirmou Luisa Massarani.

Pesquisador como o avô atuando no Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Ricardo Reis ressaltou a importância do conjunto que será disponibilizado pela COC. “Como botânico, eu acharia incrível poder consultar não somente as publicações de Lineu[Carl], por exemplo, ou de Von Martius [Carl Friedrich Philipp], Saint Hilare [Augustin François César Prouvençal de] etc., mas também poder penetrar em suas bibliotecas como um todo, entender que outros livros eles liam, que outras influências tiveram para gestar suas brilhantes teorias e produzir tão nobres conhecimentos”, destacou citando cientistas de seu campo de pesquisa.

“Creio que a forma como a Luisa [Massarani] está organizando o acervo e prevendo sua disponibilização para a sociedade irá permitir exatamente essa experiência no ramo da divulgação científica, ou seja, as pessoas terão a oportunidade de penetrar um pouco no pensamento e na emoção de José Reis. Fico buscando palavras, e não encontro, para agradecer à Fiocruz, em especial à Luisa, por nos ajudarem a realizar este sonho de disponibilizar o acervo do vovô para o público em geral”, concluiu emocionado Ricardo.

De cientista a divulgador da ciência – A preocupação de José Reis com a divulgação científica surge desde o início da carreira como pesquisador. No Instituto Biológico de São Paulo, era bacteriologista encarregado de estudar uma doença que atacava as galinhas. Ele percebeu que os criadores precisavam tomar conhecimento de sua pesquisa a fim de obter resultados práticos. Dedicado ao ensino, ele fazia palestras e estimulava a organização de feiras de ciência e a entrega de prêmios a crianças que manifestassem vocação científica.

Foto divulgação / Casa de Oswaldo Cruz (COC)

“Ao fim de pouco tempo, eu estava escrevendo artigos em revistas agrícolas, como Chácaras e Quintais. Ainda para facilitar a comunicação do Instituto [Biológico de São Paulo] com sua clientela, preparei numerosos folhetos, em linguagem simples, sobre os diversos problemas que afetavam a criação de galinhas”, José Reis contou à socióloga e pesquisadora Alzira Alves de Abreu, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas. O problema havia sido apresentado pelo alemão radicado no Brasil, o médico e ornitólogo Hermann von Ihering, com quem o brasileiro trabalhou.

Em 1964, José Reis recebeu o Prêmio John R. Reitemeyer, concedido pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) e União Panamericana de Imprensa, por seus trabalhos em Jornalismo Científico. Em 1975, foi contemplado com o Prêmio Kalinga, da Unesco, pelas atividades na área de divulgação científica.

A honraria foi concedida também aos britânicos Bertrand Russell (1957), filósofo e matemático ganhador do Prêmio Nobel de Literatura (1950), e a Arthur C. Clarke (1961), autor de “The Sentinel”, que inspirou o filme “2001: uma odisseia no espaço”, do cineasta Stanley Kubrick, e à antropóloga norte-americana Margret Mead (1970). Ela foi a primeira mulher a receber o Kalinga.  O prêmio também foi entregue a outros brasileiros. Os físicos Ênio Candotti, ex-presidente da SBPC, foi contemplado em 1998, e Ernst Hamburger, em 2000. Cinco anos depois Jeter Jorge Bertoletti, professor da Universidade Católica do Rio Grande do Sul, recebeu a premiação da Unesco.

Sobre o cientista – Nascido a 12 junho de 1907, José Reis foi protagonista na construção da ciência brasileira. Formado em medicina, cursou patologia no IOC (1928-1929), obtendo a medalha de ouro de melhor aluno. Na década de 1930, esteve no Rockefeller Institute, em Nova York (EUA), onde se especializou em virologia. Reis desenvolveu diversos trabalhos sobre doenças de aves (ornipatologia), ganhando projeção internacional. Foi diretor-geral do Departamento do Serviço Público de São Paulo e professor da USP e da Universidade Mackenzie. Em decorrência uma crise de pneumonia, morreu em 16 de maio de 2002; tinha 94 anos. Até ser internado, mantinha a coluna semanal no jornal Folha de S. Paulo, onde escrevia artigos sobre diversos ramos da ciência.

*É jornalista assessor de imprensa da Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

Um comentário a Casa de Oswaldo Cruz recebe acervo de José Reis

  1. Bom dia
    Estou deveras contente por vocês receberem esse acervo de José Reis. Eu o conheci, conversávamos muito, mas pela janela de sua casa. Somente quando ficou doente, podia entrar em sua residência e conversar com ele e sua esposa. Depois ela faleceu, mas continuamos batendo longos papos.Temos aqui, no Instituto Biológico, um grande acervo de José Reis, doado por ele. Quando ele faleceu, o Prof. Osmir e Glória do Núcleo José Reis de Divulgação Científica pediram que eu guardasse os livros da Biblioteca de José Reis e mais alguns documentos e, assim foi feito. Quando Osmir arrumou uma sala no Núcleo, levou os documentos para lá. Mas, após a morte do Prof. Pavan, e posteriormente de Glória, o Núcleo José Reis ficou órfão. O primo de José Reis, Fernando Reis estava escrevendo um livro “Os 100 perfis de amigos de José Reis”. Ele vinha muito aqui, cedi várias fotos e documentos para ele, inclusive uma cópia de seu curriculo. Fique até muito sentida por ele não fazer um agradecimento ao Centro de Memória do IB. Falei até com ele sobre isso e ele me disse que o faria. Estava muito doente quando deixou comigo uma boneco de seu livro para eu ler. Ficou comigo muito tempo e ele não mais apareceu. Soube pelo seu neto, que esteve aqui no IB, que ele havia falecido. Dei para Ricardo Reis esse livro. Soube por ele que iria ceder o acervo do Núcleo para vocês. Foi ótimo. Temos que dividir a história. Um grande abraço e parabéns.
    Atenciosamente, Márcia M. Rebouças
    Pesquisadora Científica, aposentada, mas voluntária do Museu/Centro de Memória do Instituto Biológico

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