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Atualizado em 6 DE setembro DE 2015 ás 12:34

Centro de ciências em escola pública desperta a paixão de estudantes

Estudantes da Escola Municipal Irmã Elisa Maria (Emiem) foram premiados no Encontro de Jovens Cientistas em Salvador, Bahia. De estrutura modesta, a Emiem atende cerca de 300 alunos do bairro de Nova Brasília, que vão da educação infantil ao quinto ano do ensino fundamental

POR MARIANA SEBASTIÃO
marianasebastiao@gmail.com

“Foi a maior realização da minha vida!”. Assim diz Mariene Marques, 11 anos, sobre o resultado da apresentação do seu trabalho “A luneta de Galileu” no Encontro de Jovens Cientistas em Salvador, Bahia. Ela e outros 11 estudantes podem agora se orgulhar de serem chamados de jovens cientistas. Eles participaram de um centro de ciências implantado na Escola Municipal Irmã Elisa Maria (Emiem) pela sua professora Rosimere Lira, e que transformou uma sala de aula comum num espaço de realização de atividades de iniciação científica: pesquisa teórica, produção de experimentos e preparação para ida a feiras nacionais de ciências.

De estrutura modesta, a Emiem atende cerca de 300 alunos do bairro de Nova Brasília. Nove professoras dão conta das turmas dos turnos matutino e vespertino, que vão da educação infantil ao quinto ano do ensino fundamental. Referência no quadro de escolas da rede pública pelo esforço do seu grupo de docentes, a instituição levou o segundo lugar no I Prêmio Melhor Escola Pública do Ano, promovido pelo Ministério Público do Estado da Bahia em 2013.

A iniciativa encabeçada por Rosimere, pedagoga, durou todo o ano letivo de 2014, e reunia os estudantes aos sábados pela manhã na sua sala de aula, que neste dia se transformava num centro de pesquisa. De acordo com a professora, a ideia de criar este espaço dentro da escola surge de um inconformismo com a situação do ensino de ciências no Brasil e na Bahia nos últimos anos: “Eu e mais duas irmãs somos educadoras e partilhamos uma preocupação com a situação caótica dos conhecimentos sobre ciências no nosso país. A nossa inquietude nos levou à ideia de criar centros de ciências onde estudantes pudessem trabalhar as suas vocações científicas e despertar o interesse pela ciência”, explica.

Atualmente o Brasil ocupa a 59ª posição em conhecimentos de ciências de alunos na faixa etária dos 15 anos, num ranking de 65 países. A última avaliação foi de 2012, e é feita a cada três anos pelo Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), uma prova aplicada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mais da metade dos estudantes brasileiros está no nível 1 da classificação do exame de ciências, que considera que são capazes de aplicar o que sabem apenas a poucas situações do cotidiano. China, Cingapura e Japão lideram o ranking de países com as melhores avaliações na área.

De acordo com Bárbara Pinheiro, professora da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e doutora em ensino de ciências, o modo como a ciência se apresenta hoje nas escolas é descolado da realidade, o que gera desinteresse dos alunos pelos assuntos, pois não veem significado real no que estão aprendendo. Além disso, segundo Bárbara, há uma sobrecarga curricular nas disciplinas científicas em sala de aula: “em geral, muito se ensina sobre ciências e pouco de aprende nas escolas”, explica.

História, atividade e parceria – A primeira experiência de Rosimere Lira com um centro de ciências aconteceu em 2005 quando era colaboradora num grupo de pesquisa na Ufba. Lá havia um centro implantado que atendia estudantes de escolas vizinhas ao local. Em 2014, dois anos depois de se tornar professora efetiva da rede municipal e viver a realidade da educação pública, Rosimere Lira decidiu fazer a tentativa de trazer a ideia para dentro da escola. Para isso, estendeu os esforços para além da classe de ciências e do seu regime de 40 horas em sala de aula, e com o aval da instituição para utilização do espaço, implantou o centro de ciências da Escola Municipal Irmã Elisa Maria.

Os 15 integrantes do centro de ciências da Emiem foram selecionados através de um questionário aberto, no qual respondiam às perguntas “Qual profissão você quer seguir?” e “Qual contribuição dará à sociedade com a sua profissão?”. A ideia era trabalhar com as vocações científicas dos estudantes. Dentre tantos alunos, escolher apenas 15 tinha uma intenção: “Parece um baixo número, mas não é. As pesquisas são individuais, e a essência está em escutar os estudantes e fazer com que cada um desenvolva a pesquisa a partir de um interesse particular sobre o assunto”, explica Rosimere.

Depois de cinco dias de aula durante a semana, aos sábados pela manhã era dia de Centro. A sala de aula se transformava num espaço de leitura, escrita e conversas com a professora. Primeiro, uma atividade de humanização, como a leitura e discussão de uma frase, ou de um trecho de um filme, para estimular o senso crítico. Depois, continuidade à atividades da pesquisa: estudar os referenciais teóricos, definir a metodologia do trabalho, organizar a sua execução e experimentar os resultados, todo o processo que envolve uma pesquisa científica.

A atividade realizada em cada dia deveria ser registrada em um diário de pesquisa pessoal. Toda a dinâmica caminhou para a construção de um experimento ou de um jogo dentro da temática escolhida por cada estudante. Na lista de assuntos escolhidos passavam temáticas de biologia, nutrição, astronomia, medicina e artes plásticas.

Rosimere continua o trabalho com os estudantes e mantém viva a ideologia de um melhor ensino de ciências para o país. Foto: Maykelly Souza

Estudantes ensaiam a apresentação do experimento “Troca-troca de cores” no centro de ciências. Foto: Rosimere Lira

As escolhas refletiam experiências pessoais dos próprios estudantes, como explica Rosimere: “Uma das estudantes, por ter um problema grande de miopia, trouxe o interesse de entender melhor este problema. Então, resolvemos construir um experimento que explicasse o motivo pelo qual pessoas com miopia e hipermetropia tinham dificuldade de enxergar, demonstrando como a imagem se formava para estas pessoas”.

Para orientar cada estudante na respectiva área escolhida, Rosimere contou com o apoio de colaboradores de diversos campos do conhecimento, professores e estudantes da Ufba, alguns que compunham a equipe do primeiro centro de ciências, que funcionava na universidade. A parceria entre universidade e escola se consolidou, e além das orientações dos trabalhos com especialistas, os estudantes tiveram a oportunidade de participar de oficinas de geologia, de educação ambiental e de produção de vídeos de ciências.

Premiação – Dos 15 estudantes que iniciaram as atividades no centro de ciências da Emiem, 12 concluíram os seus trabalhos e cumpriram mais um tópico do que deve conter na agenda de um cientista: a divulgação do resultado da pesquisa. A professora inscreveu os estudantes no Encontro de Jovens Cientistas, um evento nacional organizado pela Ufba, sediado anualmente em Salvador e voltado para alunos da educação básica que desenvolvem trabalhos de iniciação científica em suas escolas.

A preparação envolveu ensaios das apresentações dos jogos e experimentos para todos do centro de ciências e para uma banca de orientadores. Para Rosimere foi um dos momentos mais ricos da rotina do centro de ciências: “Esse é o momento em que todos tomam conhecimento das pesquisas um do outro. Como orientadora, consigo identificar até onde cada um deles foi, como conseguiu organizar o trabalho, quais dificuldades enfrentou e ultrapassou… para os outros colegas é um momento de criar um vínculo de cumplicidade, um torce pelo outro, eles criam uma tensão como se estivessem no lugar do colega e torcem para que aquele colega avance”, explica.

Participar pela primeira vez de um evento científico foi significativo para o jovem cientista João Vitor, de 11 anos, que além de conhecer trabalhos de outros estudantes da sua idade, divulgou o resultado do seu trabalho sobre energia solar para mais de 500 pessoas: “O que eu mais gostei foi que eu aprendi muito com as pessoas que visitaram meu experimento, fazer esse trabalho me fez acreditar que quero ser engenheiro elétrico quando crescer”, afirmou.

O reconhecimento do esforço da professora e dos jovens cientistas veio com a premiação de quatro trabalhos no Prêmio Jovem na Ciência, promovido pelo evento. “Gostei muito de apresentar meu trabalho, me diverti muito com as pessoas, teve um senhor que quis comprar o jogo por R$ 100,00!” afirmou impressionada Fabíola Miranda, de 11 anos.

A partir da sua pesquisa, Fabíola construiu o jogo de tabuleiro “Bate bate coração”, que ensina brincando como funciona o sistema cardiovascular, e estimula uma reflexão sobre a influência das gorduras insaturadas na saúde. O jogo de Fabíola é voltado para crianças de 10 anos, e foi organizado de acordo com as orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) da área. “Achei incrível, porque eu fiz uma coisa que nunca pensei em fazer, um jogo! E ficou lindo!”, concluiu contente sobre a experiência.

Fabíola (esq.) construiu o jogo “Bate bate coração” no centro de ciências e foi premiada no Encontro de Jovens Cientistas. Foto: Maykelly Souza

Fabíola (esq.) construiu o jogo “Bate bate coração” no centro de ciências e foi premiada no Encontro de Jovens Cientistas. Foto: Maykelly Souza

Os premiados foram convidados pela comissão organizadora do Encontro de Jovens Cientistas para escrever e publicar artigos na Revista Jovens Cientistas, contando a experiência de construção do trabalho. A publicação é a única de divulgação científica no Estado da Bahia voltada exclusivamente para estudantes e professores da educação básica. O convite foi aceito e os artigos foram publicados na quarta edição do veículo.

Desafios e superação – “O fato de ser professora desses alunos no dia a dia me fez perceber como as atividades no centro de ciências estimularam uma relação mais profunda deles com os conteúdos das aulas. Todos os resultados que adquirimos com as atividades mostram como é rico um trabalho deste tipo na escola”, afirma Rosimere. De acordo com a professora, o potencial dos alunos vai se alargando cada vez mais com a orientação individual que recebem durante a produção do trabalho, e um elo de confiança entre estudante e orientador vai se tornando mais forte. O resultado é a construção de materiais que talvez os alunos não imaginassem poder realizar algum dia.

Bárbara Pinheiro afirma que para dar conta do seu papel social, o professor de ciências precisa ter autonomia para desenvolver atividades que estejam além da forma expositiva dos conteúdos. Segundo a pesquisadora, também é necessário dar destaque aos conteúdos realmente necessários ao desenvolvimento dos estudantes como seres humanos: “O professor de ciências tem um papel social relevante de fazer com que as novas gerações se apropriem do conhecimento científico de modo a dar continuidade à sua história e compreender cada vez mais a relação homem-natureza”, diz.

No entanto, não são poucos os desafios para concretizar a proposta. Segundo a professora, do ponto de vista financeiro, as escolas municipais ainda precisam de reforço para entrar neste tipo de empreitada: “Graças à parceria com a universidade, pudemos utilizar materiais que já eram utilizados pelo centro de ciências antigo, e isso nos isentou de custos que poderíamos ter e não seria possível arcar”, explica

Além disso, O regime de 40 horas em sala de aula não permite que ainda mais professores possam desenvolver outras atividades em turnos alternativos. No caso de Rosimere Lira, a solução encontrada foi abrir mão do descanso de direito aos sábados. Por ora, Rosimere mantém viva a ideologia da busca de um ensino de ciências de qualidade para o Brasil, e investe seus esforços para tornar isso possível. O trabalho continua, e os estudantes, agora em fases mais profundas de seus trabalhos, são acompanhados pela professora todos os sábados até a universidade, para orientações mais específicas com especialistas.

O desejo da professora é que outros professores possam desenvolver ações semelhantes de iniciação científica, agora de modo formal e incluído na carga horária semanal: “Desenvolver este tipo de trabalho dá certo dentro da escola, o que precisamos é que seja mais vivo e dinâmico, que esteja presente no dia a dia dos alunos e dos professores. Os resultados serão ainda maiores se essa iniciativa de educação científica puder ser feita com uma regularidade semanal, dentro do cronograma dos professores”, conclui.

Rosimere continua o trabalho com os estudantes e mantém viva a ideologia de um melhor ensino de ciências para o país. Foto: Maykelly Souza

Rosimere continua o trabalho com os estudantes e mantém viva a ideologia de um melhor ensino de ciências para o país. Foto: Maykelly Souza

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