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Atualizado em 8 DE abril DE 2016 ás 10:40

Francisco Kelmo

Francisco Kelmo é professor titular do Instituto de Biologia da Ufba (IBIO) e pesquisador do Grupo de Estudos em Ecologia Marinha e Costeira, tendo como área de atuação a zoologia (Fauna bentônica associada a recifes de corais). A pesquisa consiste na análise e observação dos recifes de corais e sua população animal, na região do litoral norte da Bahia, verificando o seu comportamento após ações de fenômenos naturais e ações humanas. Além disso, a equipe de pesquisadores realiza diversas atividades de conscientização ecológica com os moradores da região estudada

ARTUR FERREIRA DE MELLO E MELLO*
arturmmello96@gmail.com

Ciência e Cultura – Como surgiu o interesse para pesquisar os recifes de corais?

Francisco Kelmo – O interesse em pesquisar os recifes de corais começou no ano de 1995, quando eu ainda era recém-formado, e neste projeto eu fiz o meu mestrado, doutorado, meus dois pós-doutorados e carrego-o até hoje. Então, é um projeto que já tem 20 anos de existência e ele começou apenas com o registro da biodiversidade dos recifes de corais do litoral norte, que é uma área que ninguém ainda tinha estudado nada, sob o ponto de vista biológico. Nós começamos com este estudo da quantificação dessa biodiversidade de animais marinhos e, com o tempo, a gente foi observando as transformações que vinham acontecendo neste ambiente e acompanhando os eventos El Ñino que aconteceram desde 97 até hoje. A pesquisa então é este acompanhamento e, através dele, nós procuramos desenvolver algumas estratégias de conservação, preservação, de educação ambiental, de conscientização da população, para que haja um uso adequado deste recurso natural.

Ciência e Cultura – A ação do El Ñino de 4 em 4 anos, atrapalha a pesquisa?

Francisco Kelmo – O evento do El Ñino não atrapalha. Na verdade, nós queremos entender exatamente o mecanismo como ele causa estresse aos animais na praia. Então, para isso, nós temos que ir todos os anos fazer o monitoramento, independente de ser ou não o ano do El Ñino. Porque nós precisamos comparar como é o comportamento do ambiente sem o El Ñino e se esse ambiente, a reprodução, o crescimento e a vitalidade destes organismos são afetados durante o evento e o quanto são afetados. Então o El Ñino não nos atrapalha, ele faz parte do nosso estudo. E, além do El Ñino, tem os outros agentes que também afetam a vida marinha, como a intervenção humana, por exemplo, através condomínio que estão sendo construídos cada vez mais no litoral norte. Também existe a presença do homem na praia, onde ele vai nas pedras e muitas vezes retira os organismos, tem a pesca e a exploração. Tudo isso é observado por nós e depois juntamos todos esses dados na criação de um grande banco de dados que nos permita entender a transformação pela qual esses recifes de corais vêm passando durante estes anos.

Ciência e Cultura – Como é evidenciado o estresse, no aspecto biológico, dos animais após passarem por estes fenômenos?

Francisco Kelmo – Funciona mais ou menos como um senso feito com a população, nós vamos ao local, verificamos quem são os organismos presentes e quanto tem de cada espécie. Porque a maioria dos organismos marinhos não possui sangue, o sangue deles é a água do mar. Então, qualquer coisa de errado com a água do mar, eles sofrem com isso. A primeira e uma das principais respostas, pelas quais a gente consegue verificar se o ambiente está ou não favorável para um determinado organismo é a reprodução. Então se você vai fazer uma avaliação e tem uma quantidade x de organismos e quando você volta tem um quantidade igual a x+1, significa que aquelas populações estão aumentando de tamanho, ou seja, o ambiente está permitindo que elas cresçam. Quando o inverso ocorre, significa que alguma coisa ocorreu que impediu aquela população crescer de tamanho, então, nós investigamos o que pode ter ocorrido. Nesses casos pode ter sido um efeito de temperatura, da radiação, da poluição, do El Ñino, da pesca ou até um efeito da remoção de organismos para colocar em armário, porque tudo isso acontece no nosso litoral e são coisas que não podemos controlar.

Ciência e Cultura – Durante todos estes anos de pesquisa, o senhor já constatou alguma extinção de determinada espécie?

Francisco Kelmo – Extinção não. Durante o El Ñino de 1997-98, uma espécie de coral teve sua população diminuída drasticamente, a ponto de nós encontramos pouquíssimas colônias durante o mergulho, e essas colônias estavam branqueadas, que é uma espécie de sinal de estresse que os corais demonstram. Quando eles estão normais e saudáveis, a coloração deles é azul, esverdeado, marrom e outros. Mas quando as condições se tornam desfavoráveis, eles perdem a coloração, apresentando uma mancha branca ou eles ficam todos brancos. Então isso é um indicativo do estresse, porque naturalmente ele faz simbiose com uma microalga e ali eles trabalham juntos. Quando o ambiente se torna ruim, essa relação se quebra e a alga vai embora e com isso o coral perde no mínimo 50% da sua fonte de energia e começa a entrar em um estágio de estresse, como se tivesse entrado em uma dieta forçada, então ele passa a crescer menos e se reproduzir menos também, podendo chegar até ao óbito. Então durante o El Ñino de 97-98, uma espécie de corais chamada de porites astreoides, essa espécie teve um redução muito grande na sua quantidade, mas não houve uma extinção. Claro que a cada evento El Ñino algumas espécies sofrem uma pequena redução, mas elas logo reagem e se recuperam. O El Ñino deste ano nós ainda vamos fazer as coletas dos dados no mês de Maio e iremos comparar com os resultados dos anos anteriores, mas nós esperamos sim, baseado nos estudos dos outros anos, uma redução na abundância destes organismos no local.

Ciência e Cultura – Quais as medidas realizadas para diminuir os impactos da ação humana nos corais?

Francisco Kelmo – Nós não podemos proibir ninguém de ir para a praia, mas o grupo ao longo destes anos tem procurado desenvolver ações de educação e conscientização ambiental. Fizemos uma cartilha de como andar nos recifes de corais, já organizamos oficinas de conscientização nas escolas da região, com os filhos dos moradores locais e também mantemos o contato com os pescadores da região, para tentar evitar uma depredação maior dos recifes locais. Um ponto que tentamos passar para os nativos da região, é que se os recifes de corais morrerem, o turismo também vai morrer, pois a beleza natural da região vai embora, levando os turistas embora. Então é nesse ponto que tentamos conscientizar a população da importância da preservação da natureza local.

Ciência e Cultura - Como é a metodologia usada para chegar ao senso avaliativo da região?

Francisco Kelmo – Eu e meus estudantes vamos para o local para fazer a avaliação. Nós usamos métodos quantitativos e de amostragens, para validar nossos estudos através dos testes estatísticos. Nós hoje trabalhamos com fotoquadrados, nós fotografamos a área, projetamos no computador e usamos um sistema de análise e de contagem, então nós não recolhemos os animais do local, não queremos contribuir com a redução das espécies através da pesquisa. Neste tempo de pesquisa nós também medimos a temperatura, a salinidade, o ph do mar, ou seja, todos os fatores físicos e químicos que nos ajudam a explicar a situação em que os organismos se encontram.

Ciência e Cultura - Porque a pesquisa passou a incluir os estudos com os peixes teleósteos?

Francisco Kelmo – Os peixes teleósteos são os peixes que nós comemos. Nós expandimos os estudos até eles, por ter o valor econômico envolvido, além de ser um grupo que tem uma exploração comercial muito grande é, também, o principal produto explorado pelos pescadores da região. Então esses grupos acabam se deslocando para águas mais profundas, levando os pescadores com eles, então é importante que a gente acompanhe e monitore essa ação. Outro fator que nos fez monitorar estes animais é a desfaunização que tem ocorrido no planeta e os recursos pesqueiros estão no topo da ameaça. Então nós decidimos incluir o estudo dos peixes no senso, porque eles servem de alimentos e são os mais explorados.

Ciência e Cultura - Qual a contribuição da pesquisa?

Francisco Kelmo – A contribuição dessa pesquisa é mostrar que os distúrbios naturais interferem no nosso dia a dia, mas não necessariamente são ruins, muitas vezes são ações tomadas pela natureza para o controle do tamanho das populações. Outra contribuição deste trabalho é a formação dos alunos envolvidos no projeto, através deste projeto eu tenho a oportunidade de levar os estudantes para praticar biologia de verdade, eles têm a chance de ver como as coisas ocorrem na natureza e não apenas nos livros.

*Estudante de graduação em Comunicação Social – Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba

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