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Atualizado em 16 DE maio DE 2016 ás 19:59

Amor, não sexo

É possível alguém passar a vida inteira sem sentir atração sexual e viver bem com isso? Sim. E isso é normal. Essas pessoas são denominadas assexuais, ou seja, não se interessam pela prática do sexo. A assexualidade é compreendida por muitos como mais uma orientação sexual, assim como a heterossexualidade, a homossexualidade e a bissexualidade

LUCAS BRANDÃO**
lucasllcb@gmail.com

A maioria das pessoas nem sequer imagina como seria o mundo sem sexo. Mas muita gente prefere viver assim e isso é normal. Trata-se da assexualidade, que pode ser entendida como uma orientação sexual caracterizada pela falta de interesse em sexo. Os assexuais podem passar toda sua existência sem sentir atração sexual por alguém e viverem bem como qualquer outra pessoa.

Assim como a heterossexualidade, a homossexualidade e todas as outras possibilidades de manifestação da sexualidade, ser assexual não é uma questão de escolha. Está relacionada à identidade de cada um. “A sexualidade humana não é uma questão de opção individual, ela é inerente à nossa condição. É preciso compreender a assexualidade como uma expressão da diversidade sexual humana”, defende Violeta Campos Ribeiro, graduada em psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e especialista em psicoterapia com foco em sexualidade.

“[Sexo] é como uma agressão comigo”

Bárbara*, estudante de engenharia

Das poucas pesquisas sobre o tema, algumas apontam 1% da população mundial como assexual. É importante o uso do termo ‘assexual’ (como homossexual e heterossexual) e não ‘assexuado’, que remete à reprodução sem sexo. No Brasil, um relatório de 2008, realizado em diversas regiões pelo Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex), da Universidade de São Paulo (USP), aponta que 7,7% das mulheres e 2,5% dos homens não sentem necessidade da prática sexual e não sofrem com isso.

A assexualidade nada tem a ver com algum distúrbio ou com o celibato. Isso não significa dizer que são assexuais porque não encontraram quem “fizesse direito”. Para os assexuais, amor e sexo são distintos e desassociados. Apesar de serem capazes de manter relações sexuais, eles não se sentem confortáveis com a experiência. Em um relacionamento, apreciam a simples companhia do parceiro. Porém, não são todos que querem ter uma relação amorosa.

Bárbara*, estudante de engenharia mecânica da UFBA, 21 anos, é assexual romântica, isto é, não sente interesse por sexo, mas pode se apaixonar afetivamente. Ela revela sentir-se incomodada com o contato sexual: “É como uma agressão comigo”. A pressão da família também a agustia. “As pessoas entendem mais a homossexualidade e acham que ser ‘ace’ é uma doença”, comenta.

“A maioria se apaixona e deseja uma parceria amorosa como qualquer outra pessoa. [Nesses casos] O desinteresse é somente pelo sexo. A diferença é que a atração romântica está desvinculada da atração sexual”, explica a doutora em Educação, Elisabete Regina de Oliveira. A pesquisadora tornou-se referência no Brasil sobre o tema depois de passar quatro anos acompanhando a vida de 40 assexuais para sua tese de doutorado.

A assexualidade não é uma falha sexual, como problemas hormonais, por exemplo, e não é causada por traumas psicológicos. “As pessoas assexuais não têm histórico passado de desejo. Sempre sentiram desinteresse por sexo ao longo da vida e se sentem bem dessa forma”, esclarece Elisabete.

Com a popularização da Internet, surgiram comunidades com milhares de pessoas que se identificam como assexuais, possibilitando a visibilidade do tema. Neste cenário, a Rede de Educação e Visibilidade Assexual (AVEN), fórum virtual criado nos Estados Unidos, teve papel importante no autoconhecimento das pessoas assexuais e na troca de informações sobre o assunto.

Subclassificações – De acordo com a AVEN, e outras comunidades, existem diferenças na forma como a assexualidade se manifesta entre os indivíduos. Essa multiplicidade possibilitou o surgimento de subclassificações ligadas a assexualidade. “Estas classificações dizem respeito aos sentimentos de afeto que indivíduos assexuais podem sentir por alguém, diferentes da amizade ou da admiração. O afeto ou interesse romântico também pode se dirigir a pessoas do sexo oposto, do mesmo sexo ou para ambos, mesmo que não haja contatos sexuais”, explica Violeta.

Ilustração: Kelven Igor

Para os românticos, ainda existem outras especificações: os heterorromânticos, que interessam-se romanticamente por pessoas do sexo oposto; os homorromânticos, traem-se por pessoas do mesmo sexo; birromânticos, interessam-se por ambos os sexos; e panromânticos, para os quais o interesse romântico não se restringe a ideia binária de gênero.

Apesar de essas subclassificações serem adotadas por várias comunidades, elas não são aceitas por todos e também não são as únicas. A sexualidade humana é fluida e individual. Por isso, os Demissexuais e os Gray-as costumam se caracterizar como assexuais mesmo que sintam, em situações específicas, atração sexual. Cada uma dessas subclassificações pode se relacionar com outras para caracterizar a identidade de um indivíduo.

O prazer – A maioria dos assexuais não sente atração sexual, mas isso não quer dizer que não possa sentir desejo sexual. A atração está ligada a um outro corpo, o desejo por uma pessoa. Já o desejo sexual se caracteriza pelo estímulo fisiológico. É a chamada libido, a vontade de sentir prazer. Por isso, muitos assexuais se masturbam normalmente.

Um assexual também pode sentir prazer carnal, mas, geralmente, não é algo que procure. Anderson Mansano, baiano de 19 anos, identifica-se como Gray-pansexual, ou seja, pode sentir atração sexual em momentos específicos por qualquer gênero. Ele explica com uma metáfora a questão do prazer: “O corpo humano sente prazer em várias coisas. Quando tiramos um sapato apertado nós sentimos um prazer. Só porque é bom tirar um sapato apertado não quer dizer que eu quero buscar sempre tirar um sapato apertado”.

“Se pode existir sexo sem amor, por que não pode existir amor sem sexo?”

Elisabete de Oliveira, doutora em Educação

Joanna Cruz, membro da comunidade Assexuais, no Facebook, descreve-se como assexual panromântica e conta já ter experimentado a relação sexual. Ela relata ter feito sexo apenas para agradar seu parceiro à época. “Durante o ato eu me senti indiferente. Meu corpo respondeu normalmente, mas mentalmente seria o mesmo que ver a grama crescer”, relata a fluminense de 19 anos.

Joanna reprova a atitude de alguns sexuais em querer forçar os assexuais a suprirem suas vontades. Por isso, propõe um relacionamento aberto a seus parceiros. “Eu tento abrir o relacionamento, mas quando estamos nos tornando sérios eles não aceitam. Geralmente os sexuais não sabem separar a atração romântica da sexual”.

A doutora Elisabete conta que alguns assexuais se relacionam com parceiros sexuais e optam por praticar o sexo apenas para manter o relacionamento. Ela questiona a valorização do ato em detrimento do sentimento amoroso. “É preciso lembrar que ninguém contesta que o sexo possa acontecer sem amor.  Isso prova que são fenômenos distintos, separados. Se pode existir sexo sem amor, por que não pode existir amor sem sexo?  Os assexuais estão aí para provar que pode existir, sim”. A psicóloga Violeta concorda: “Da mesma forma que é possível realizar atividades sexuais sem amar a parceria, é possível amar a parceria e não querer realizar atividades sexuais”.

Preconceito – Na escola, como em outros ambientes da sociedade, muitos assexuais sofrem com o isolamento e o preconceito e são vistos como ‘estranhos’ por não demonstrarem interesse em sexo. “[Eles] Sofrem a pressão social de não se identificar com as sexualidades reconhecidas socialmente, sendo vistos muitas vezes como pessoas doentes, estranhas, esquisitas. Às vezes são percebidos como homossexuais enrustidos, mesmo quando não são”, comenta Elisabete.

Khalyl Ribeiro também participa da mesma comunidade que Joanna. Descobriu a assexualidade aos 15 anos e logo se identificou com o termo. Hoje, aos 22, ele lembra da época de colégio. “A todo momento aqueles colegas de turma falando em beijo, namoro e eu preocupado realmente só com o que eu ia almoçar”. Khalyl é tocantinense e tornou-se militante da causa, mas lamenta-se da escassa participação de outros assexuais na luta.

O ambiente escolar também não foi fácil para Joanna. Ela sofreu com a discriminação por não demonstrar interesse sexual. “Eram comentários maldosos. Lembro que houveram apostas pra saber quem conseguia me levar pra cama”.

Bandeira da comunidade assexual

Símbolos – Antes do surgimento dessas comunidades muitos assexuais sentiam-se sozinhos. Alguns achavam que algo estava errado consigo. Com as possibilidades advindas da Internet as pessoas perceberam que não eram as únicas que não curtiam o sexo. A partir daí, foi possível para a comunidade assexual se organizar e lutar por visibilidade e respeito.

Alguns símbolos foram adotados para representar a causa. Foi criada uma bandeira assexual, onde cada cor possui um significado. A cor roxa remete as comunidades assexuais. A branca representa a atração sexual. A faixa cinza é a transição entre sentir atração sexual e não sentir (aqui se encaixam os Demissexuais e Gray-as). O preto simboliza a assexualidade em si.

Outro símbolo importante é o bolo de chocolate. É um modo divertido de comparar o sexo com o bolo. Mas a comida em geral também é valorizada em detrimento da prática sexual.

O ás do baralho de cartas também representa os assexuais. Na língua inglesa, a palavra ‘ace’ (que significa ás) se assemelha com a pronúncia do início da palavra ‘asexual’ (assexual), o que possibilitou a relação. O ás de espadas geralmente representa os arromânticos e o de copas simboliza os românticos. Porém, o ás de espadas é mais utilizado de forma universal para designar os assexuais, assim como a expressão ‘ace’.

Para saber mais:

Superinteressante – Eles não pensam naquilo

TAB/UOL – E a vida sem sexo, como vai?

Comunidade Assexual A2

*Nome fictício.

**Graduando do curso de Comunicação Social – Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba e estagiário da Agência de Notícias em CT & I – Ciência e Cultura.

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