Ângela Batista Reis

POR REBECA ALMEIDA*
rasrebeca@gmail.com

A Agência de Notícias conversou com a mestre em Ciência da Computação e coordenadora dos cursos de TI da faculdade Devry Brasil | Ruy Barbosa, Ângela Batista Reis. Reis é formada em Tecnologia de Processamento de Dados e mentora do grupo As meninas da TI, parceiro do OxenTI Menina – finalista da etapa nacional do campeonato Technovation Challenge, maior competição de tecnologia e empreendedorismo para meninas. Na entrevista ela conta um pouco sobre sua própria trajetória e fala sobre a presença feminina nas áreas de computação.

Agência de Notícias: Como começou a se interessar pela área de TI?

Ângela Reis: Eu fazia graduação em Engenharia, quando começaram as graduações na área de Computação senti necessidade de aprender mais sobre tecnologia. Eu sempre tive interesse pela área de exatas por influência do meu pai, que queria um filho engenheiro. Mas meu único irmão decidiu pela área de Humanas. No entanto, quando entrei na graduação na área de TI, minha família não acreditava que o curso fosse relevante. Confesso que nem eu mesma acreditava.

Agência de Notícias: A baixa presença de mulheres na área TI é uma dificuldade para as que buscam ingressar na mesma?

Ângela Reis: Não acho que a baixa presença das mulheres na área seja problema, o que falta na verdade são referências femininas. E isso é uma questão de visibilidade do trabalho da mulher. Em qualquer área é difícil que uma mulher tenha visibilidade, mas na área de exatas sempre é mais complicado. Na verdade, no início dos cursos de graduação em TI, as mulheres eram maioria, esse cenário foi mudando com o tempo. Naquela época a sociedade ainda se estruturava na mulher como centro do suporte familiar, o que muitas vezes se tornava incompatível com a carga de trabalho e de estudo da área de TI. Não havia internet, nem laptops, nem mesmo material de estudo acessível, então, o trabalho e os estudos tinham que ser nos Centros de Processamento de Dados (CPDs), que implicava a dedicação excessiva. Era difícil naquela época a família entender a carga horária de trabalho da mulher, eu mesma já passei pela conversão da moeda brasileira duas vezes, trabalhando como analista de sistemas do Estado, cada conversão passávamos três dias “internados” nos CPDs. Essa era uma rotina comum.

Agência de Notícias: Para a senhora, por que as garotas parecem se interessar menos pela área?

Ângela Reis: Dois motivos são claros para mim: primeiro, falta de referencial feminino na área, algo com que as meninas possam se espelhar e projetar suas carreiras. É mais fácil as meninas se identificarem com Gisele Bundchen, assim como os garotos se identificam com os jogadores de futebol. Portanto, é importante que o trabalho e o sucesso de muitas mulheres na área de TI sejam divulgados para que as meninas construam uma identidade feminina com a profissão e com uma carreira de sucesso. O segundo motivo ainda é o preconceito familiar. É preciso que os pais entendam que a área de TI é um caminho profissional para as filhas e que a relação da TI com o universo masculino seja desmistificado. Por isso, o projeto “ As Meninas da TI”, começa já envolvendo os pais e é importante que a família entenda a importância da iniciativa para a construção da dignidade de família como um todo.

Agência de Notícias: Que tipo de iniciativas podem ser feitas para reverter essa diferença de gênero?

Ângela Reis: Ajudaria muito se os conceitos de raciocínio lógico e programação fossem incorporados nos currículos do ensino fundamental e médio, desenvolver essas habilidades cognitivas nas crianças e adolescentes seria um salto significativo para o desenvolvimento tecnológico do Brasil. Alguns países já trabalham os currículos escolares com essa perspectiva. Enquanto isso não acontece, podemos pensar nas ações de empoderamento feminino nas comunidades, nas escolas, divulgação do trabalho da mulher nessa área. Existem muitas ações de mulheres que estão na liderança de projetos importantes que envolvem tecnologia. Acho que é também uma responsabilidade dos Institutos de Ensino Superior (IES) que ofertam os cursos de tecnologia, criar espaços e eventos junto às escolas de ensino médio, junto às comunidades.

Em resumo, precisamos movimentar mais a comunidade e mostrar o quanto a área pode se beneficiar com a inserção das mulheres. Sendo bem sincera, eu particularmente não vejo mais como desassociar a TI de qualquer outra área, a tecnologia tem entranhado tanto nos demais setores que o entendimento de TI caminha para obrigatoriedade. Costumo dizer às meninas do Projeto que antes, para termos um diferencial competitivo, precisávamos saber uma língua estrangeira, mas hoje precisamos saber uma linguagem de programação. A lógica computacional é conhecimento necessário para essa nova era, que já começou, onde a velocidade e a dinâmica com que as mudanças ocorrem só é possível ser acompanhada se tivermos certo domínio sobre questões que envolvem tecnologia nas nossas demandas diárias.

Agência de Notícias: Como surgiu a ideia do Meninas da TI?

Ângela Reis: O Projeto surgiu das minhas próprias inquietudes pessoais. São 24 anos de profissão sempre cercada da presença masculina. Então eu pude (ou tive que) vivenciar a experiência de trabalhar em ambientes onde a mulher é minoria e, como toda minoria, tem pouco espaço de manifestação. Isso sempre me incomodou bastante.

Vejo que a área de TI hoje não é uma referência de melhores salários, mas, sem dúvida, é referência na demanda de profissionais e hoje se torna uma excelente porta de entrada para o mercado de trabalho. Nesse contexto social atual, apesar de tantas mudanças, ainda me incomoda muito a relação de dependência financeira que as mulheres enfrentam dentro das famílias, seja pelos pais, irmãos ou pelos maridos.

Não tenho a menor dúvida que a tecnologia pode ser uma  porta de entrada para as mulheres desenvolverem seus talentos e construir um perfil profissional que tem potencial para mudar o cenário da TI, porque elas têm muitas habilidades que se somariam às questões de inovação e tecnologia e, não tenho dúvida, que ao atravessarem essa porta de entrada vão mostrar uma motivação pessoal, sustentada na necessidade de autonomia financeira e aumento de auto estima. É isso que o projeto pretende, abrir os olhos dessas mulheres para que elas possam ser felizes como pessoas e profissionais.

Agência de Notícias: Como surgiu e como tem sido a parceria entre o Meninas da TI e o grupo OxenTI menina?

Ângela Reis: Essa parceria surge mesmo de uma sinergia entre os propósitos, sustentada pela proatividade de Brenda [uma das fundadoras do OxenTI Menina], aluna do curso de Sistemas de Informação da Devry. Ela fez a ponte entre os dois projetos e o resultado tem sido muito produtivo. O treinamento para o TechNovation, uma competição internacional só para meninas na criação de aplicativos, desenvolvido pelas meninas do OxenTI, posicionou Salvador e a Bahia no cenário nacional. Eas foram as pioneiras no Estado e, trazer isso para o “ Meninas da TI”, na minha opinião, faz parte de ser empreendedor e visionário, tudo muito alinhado com o nosso propósito. Não só o OxenTI, mas várias outras organizações têm agregado essa sinergia. Outra pessoa importante nesse contexto é Geisa Santos que trouxe o Pyladies para junto do projeto. O mais bacana do OxenTI como parceiro é que as “meninas” são muito próximas em idade e experiência de vida, isso faz com que nossas meninas fiquem estimuladas a participar, além de estarem aprendendo a usar a tecnologia para solucionar os problemas que cercam suas comunidades. Isso é fantástico.

Agência de Notícias: Com tem sido atuar como coordenadora acadêmica dos cursos de TI da faculdade DEVRY| Ruy Barbosa?

Ângela Reis: A coordenação acadêmica é um grande desafio porque nos coloca a responsabilidade da formação profissional de pessoas jovens, na construção de um planejamento acadêmico que possa garantir a essa turma jovem uma projeção de futuro profissional. Isso é muito desafiador porque a velocidade com que a tecnologia avança implica um mundo que não conseguimos visualizar, mas precisamos projetar. Definir quais habilidades que precisam ser desenvolvidas e que farão dos nossos egressos profissionais diferenciados e competitivos, esse é o trabalho que envolve todo o corpo docente dos cursos de TI da Devry. Não é um trabalho solitário, precisa ser colaborativo e ter o engajamento de docentes e a credibilidade dos discentes. O bacana do meu trabalho é que podemos construir essa relação entre o grupo. Esse tem sido nosso diferencial e nosso fator motivacional.

*Estudante do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura