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Atualizado em 9 DE junho DE 2017 ás 16:40

André Betonnasi

“2017 será o ano das histórias em quadrinhos no Brasil”, é o que muitos estão dizendo baseado em dois acontecimentos que marcaram o cenário de HQs neste ano. O primeiro será a 10ª edição do Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), o mais importante evento do gênero da América Latina. O segundo é a inclusão da categoria História em Quadrinhos no prêmio Jabuti, principal prêmio literário do país. Tal inclusão aconteceu através de mobilização nas redes sociais e um abaixo assinado online que contou com mais de duas mil assinaturas. Tendo em vista esse crescente interesse pelas histórias em quadrinhos, a Agência de Notícias conversou com André Betonnasi, professor da Universidade do Estado da Bahia (UNEB) e pesquisador na área de Comunicação e Cultura, com ênfase nos aspectos narrativos das histórias em quadrinhos. Atualmente coordenador do curso de Design da UNEB, ele foi um dos fundadores da revista Tudo com Farinha e coordenou o Z! - Laboratório de Quadrinhos e Ilustrações da UNEB de 2009 a 2016. É doutor e mestre em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e graduado em Desenho Industrial - Programação Visual pela Uneb.

POR REBECA ALMEIDA*
rasrebeca@gmail.com

Ciência e Cultura: O que é uma “história em quadrinhos”?

André Betonnasi: Em linhas gerais eu gosto da definição do Scott McCloud em Desvendando os Quadrinhos, que mais ou menos diz que HQ’s são justaposição e sobreposição de imagens e textos sequenciais que servem para contar um história, uma narrativa. Para quem busca se aprofundar no conceito, sugiro que dê uma olhada nesse livro, pois acho que é por aí. Também tem o conceito do Will Eisner, no livro Quadrinhos e Arte Sequencial que é bem interessante e também estou de acordo com as ideias que aparecem lá.

Ciência e Cultura: Sobre o quadrinho como “linguagem”, porque tem havido um interesse maior em se estudar quadrinho atualmente?

André Betonnasi: A gente já têm uma tradição de pesquisa, de trabalho de quadrinhos no Brasil, que começa na década de 70 com o Waldomiro Vergueiro, com a professora Sônia Luyten, e outros. Já do ponto de vista mundial, na área acadêmica começa da década de 60. Principalmente pela tradição francesa. Até onde eu consegui levantar para as minhas pesquisas, no Brasil eles começam mais ou menos na década de 70, existem alguns pioneiros na USP, na ECA – Escola de Comunicações e Artes e também em alguns outros pontos também do país. O movimento na ECA é um movimento muito forte, tem a Jornada Internacional de Histórias em Quadrinhos, que acontece de dois em dois anos, onde se encontra pesquisadores de todo país e de outros países.

Existe um grupo de professores que iniciaram esse trabalho no Brasil e que ajudaram a quebrar o preconceito, a barreira da pesquisa acadêmica sobre os quadrinhos no Brasil. Só para você ter ideia, a ECA foi pioneira mas enfrentou vários obstáculos, no campo das artes e da comunicação, eles tiveram que lutar muito para poder convencer os pares, os colegas, que as histórias em quadrinhos têm o seu valor, digamos assim, de análise, de pesquisa.

Aqui [na UNEB], nós temos a Iniciação Científica que eu estou atualmente com três pesquisadores que irão trabalhar com Histórias em Quadrinhos. Nós temos um grupo de pesquisa de Design, arte e tecnologia. Temos também uma linha de pesquisa que trabalha com Cultura pop e dentro dessa linha de pesquisa e, dentro dele, um grupo que se dedica a pesquisar e trabalhar as histórias em quadrinhos. Eu já faço isso já há uns cinco anos. Desse grupo já temos um mestre, que fez mestrado na Facom, o Danilo Bittencourt. Temos uma aluna que está também fazendo mestrado na área de Sistemas de Informação, participa ativamente do nosso grupo, que se encontra de quinze em quinze dias. Então, uma iniciação científica, que na época que eu era estudante estava começando ainda na UNEB, na década de 90. Então hoje, nós temos a possibilidade de não só desenvolver pesquisas científicas de um modo geral, no nível da graduação, mas a possibilidade de pesquisar quadrinhos, então o estranhamento que alguns desses pioneiros enfrentaram no começo eu acho que ele já foi mais diluído. Isso do ponto de vista da pesquisa.

E aí claro, a questão de uma certa popularização dos quadrinhos pelo cinema, eu diria nos últimos anos, ajuda também a terem interessados em pesquisar quadrinhos. Por exemplo, esse aluno que defendeu ontem, ele é um consumidor de quadrinhos, mas ele aproveitou todo esse “boom” dos filmes baseados em quadrinhos, que é praticamente um gênero, se a gente parar pra pensar hoje em dia, assim como western já foi, assim como com os musicais… esse é um gênero que tá ainda muito ativo, toda hora aparece um filme novo, e aí, ele fez uma comparação muito interessante de um filme do final da década de 80 para um filme um pouco mais recente, que é o Sin City, que também conseguiu um público, uma crítica positiva.

Ciência e Cultura: Como o senhor percebe a relação entre a universidade e os quadrinhos?

André Betonnasi: Eu acho que tem melhorado da minha época pra cá. Porque, na época que tudo começou, foi um trabalho em sala de aula, na disciplina Psicologia da Comunicação, quem dava essa disciplina era a professora Isa Trigo, que atualmente é a coordenadora da Assessoria de Cultura da UNEB – ASCULT. Foi uma iniciativa pioneira dela, porque ela percebeu ao longo do semestre que alguns alunos ficavam desenhando, ficavam desenvolvendo trabalhos de quadrinhos, caricaturas. Então ela acabou organizando nessa perspectiva de a gente fazer inicialmente uma fanzine. A proposta para a gente, nós como alunos, era fazer um fanzine, como uma atividade inclusive da disciplina, mas ela levou isso mais adiante, conseguiu recursos junto à reitoria na época e tudo mais. Foi interessante porque nós aprendemos para trabalhar com editoração.

Ciência e Cultura: Em que ano?

André Betonnasi: Em 1994. Quando saiu a primeira Tudo com Farinha. Então, era uma época em que a gente tinha um apoio meio que “selvagem”, meio que informal, porque a gente tinha que correr atrás mesmo sem saber como conseguir. Depois, passado alguns anos, eu continuei trabalhando nos projetos, mestrado e doutorado na Facom, na UFBA, sobre quadrinhos, mangás. E voltei em 2009 como professor. Foi aí que surgiu o convite do professor Alan Sampaio para coordenar o Z! e eu percebi que já tinha uma estrutura, inclusive melhor, para que a gente pudesse desenvolver projetos aqui pela universidade. Todo o laboratório é financiado pelo departamento de Ciências Exatas. Então a estrutura física, não só a questão da sala, mas os equipamentos e etc e tal, nós temos o apoio total do Departamento de Ciências Exatas e da Terra (DCET-I). Também temos editais e monitores remunerados. Isso sem contar os colaboradores, os simpatizantes do Laboratório de Quadrinhos. Então eu penso que do ponto de vista da organização da estrutura, nós temos um apoio instituído pela universidade. Considerando a UNEB pioneira em dar esse apoio, desde lá da década de 90, eu posso resumir para você e dizer que melhorou.

Ciência e Cultura: Gostaria de saber como surgiu o Z! – Laboratório de Quadrinhos da UNEB? Qual a proposta dele?

André Betonnasi: O Laboratório surgiu em 2009 através de um projeto de extensão, foi coordenado pelo professor Alan Sampaio, só que um pouco depois ele teve que se afastar para fazer doutorado. Em 2009 eu estava entrando na UNEB como professor e ele me convidou para assumir a coordenação do Laboratório. Na década de 90 eu era um dos fundadores da revista Tudo Com Farinha. Isso gerou uma tradição. Então em 2009 nós seguimos com o Laboratório de Quadrinhos e Ilustrações da UNEB. Ao longo dos anos nós desenvolvemos várias atividades, um quadrinho chamado Z, workshops, palestras… Recentemente estamos com uma exposição aqui na biblioteca da UNEB, para homenagear os 23 anos da revista Tudo com Farinha e o cartunista Antônio Cedraz, talvez o mais conhecido da Bahia, e que sempre teve uma atuação constante nas ações de quadrinhos daqui da universidade. Na exposição há trabalhos antigos e alguns trabalhos recentes dos alunos que desenvolveram essa atividade com o professor Alan Sampaio. No momento o professor Alan está mais engajado com as atividades do laboratório, além de está desenvolvendo uma revista em quadrinhos, porque eu assumi recentemente a coordenação do curso de Design. Já temos a boneca, o trabalho foi desenvolvido com alunos e com outros colaboradores e até o final do ano, possivelmente, estaremos lançando essa publicação.

Ciência e Cultura: Qual o nome da revista?

André Betonnasi: MarteSSA. É um apanhado de ilustrações, quadrinhos, ensaios de textos… É um trabalho muito legal. O professor Alan está com uma proposta de fazer duas edições porque a quantidade de material que ele conseguiu desenvolver com essa turma foi uma quantidade considerável, então é possível ter duas edições dessa revista.

Ciência e Cultura: Como o senhor analisa essas adaptações dos quadrinhos para o cinema?

André Betonnasi: Olha, falando como fã, algumas são boas outras são… [risos]. Mas é normal, quando você tem um tipo de filme que acaba se tornando muito popular em termos de público, você começa a ter boas produções e produções realmente questionáveis. Mesmo assim é tudo válido, eu acho que isso inclusive ajuda a alimentar o público das histórias em quadrinhos. Então, as pessoas que consomem cinema não são necessariamente as pessoas que consomem quadrinho mas ao ter, digamos, o primeiro contato com o universo dos quadrinhos pelo cinema, é possível que essas pessoas procurem consumir quadrinhos também para poder ter um pouco mais de aprofundamento, detalhamento, daquele universo que elas tiveram acesso através de um filme.

Ciência e Cultura: O público de quadrinhos de Salvador tem aumentado?

André Betonnasi: Eu acho que sim. É um público que vem crescendo até porque a variedade de temas abordados está cada vez maior. Você têm não só o público infanto-juvenil, as pessoas pensam que o quadrinho está muito ligado ao público infanto-juvenil, ainda é um público muito representativo e importante, mas têm outros. E aí você percebe que em Salvador, com as grandes livrarias, isso começa a consolidar um público mais fiel. Eu sou de uma geração que ia numa banca de revista comprar as séries e colecionar de fato. Hoje em dia têm um modo de consumo que é diferente, que é um pouco mais seleto, que vai numa livraria que escolher um título como se estivesse escolhendo um livro. É um modo de consumo diferente e isso acaba repercutindo também no público de Salvador, a gente percebe uma movimentação bem diferenciada.

Ciência e Cultura: Têm tido mais mulheres lendo quadrinhos? E na sua visão, porque isso está acontecendo?

André Betonnasi: Olha, primeiro, são dois aspectos: autoria, eu acho que é um pouco também de uma reafirmação das mulheres que sempre tiveram interesse pelos quadrinhos, mas os quadrinhos sempre foram feitos para um clube muito “fechado”, digamos assim, muito delineado pelo público masculino. Por causa talvez dos quadrinhos de super heróis e tudo mais. Então as mulheres, de uns anos pra cá, começam a reivindicar esse espaço também, de autoria, de produção e tudo mais. Ao fazerem essa reivindicação, elas começam a trabalhar também com uma temática que é mais direcionada para o público feminino. E aí você começa a atrair também as consumidoras, as leitoras que não têm interesse em ler quadrinhos de super herói ou outros gêneros de quadrinhos e começam a perceber que ali você tem, digamos, um espaço. Você têm uma representação através da autoria, você têm autoras que falam do cotidiano das mulheres e de um modo geral elas se identificam e começam a consumir. Então eu vejo como um mercado ascendente. Sempre existiu a produção feminina mas é como se as mulheres não tivessem, há alguns anos atrás, um espaço dentro desse universo dos quadrinhos porque é sempre um universo muito dominado pelo público masculino.

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