Relatório da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) aponta aumento das áreas desmatadas no território brasileiro. O volume de áreas devastadas do bioma é o maior em 10 anos.
POR LARISSA SILVA*
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A Bahia foi o estado brasileiro que mais desmatou florestas de Mata Atlântica no período entre 2015 e 2016. O dado é do Atlas da Mata Atlântica, estudo da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que verifica as taxas de desmatamento no bioma desde 1985. Segundo o último relatório, divulgado em 2017, foram desmatados em terras baianas 12.288 hectares do bioma entre 2015 e 2016, quase o triplo do número registrado no período anterior, que indicou quase quatro mil hectares devastados.
O estado foi o único a apresentar uma piora significativa em relação à análise anterior e contribuiu com quase a metade do desmatamento analisado no período (42%). “Isso parece representar que a Bahia vem tendo menos sucesso que os demais estados em gerir esse importante patrimônio natural”, analisa o doutor em Ciências Biológicas e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Pedro Rocha.
Ele aponta que duas mudanças podem ter contribuído para o aumento do desmatamento: o decreto estadual que dispensa o licenciamento ambiental para atividades agrossilvopastoris e a implementação da obrigatoriedade do Cadastro Estadual Florestal de Imóveis Rurais (CEFIR), que ampliou a chance de regularização ambiental de desflorestamentos realizados após julho de 2008, prazo maior do que o estabelecido pelo Código Florestal.
Problema nacional - Contrariando o ritmo de queda que havia sido identificado nos últimos anos, foi registrado um aumento nos índices de desmatamento de Mata Atlântica em todo o território brasileiro. Foram 29.075 hectares desmatados no ano passado, número equivalente a pouco mais de 29 mil campos de futebol, contra os 18.433 hectares de 2014, o que representa um aumento de quase 60%.
Depois da Bahia, estão no ranking Minas Gerais, Paraná e Piauí, respectivamente. Juntos, os quatro foram responsáveis por 90% da destruição total do bioma no período analisado. Segundo a análise de Marcia Hirota e Mario Mantovani, integrantes da Fundação SOS Mata Atlântica, no artigo Desmatamento da Mata Atlântica representa volta para o passado, “não é por acaso que os quatro estados campeões de desmatamento são conhecidos por sua produção agropecuária”.
O doutor em Ecologia e Evolução e professor do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (IBIO-UFBA), Ricardo Dobrovolski, também destaca a expansão agrícola como a principal causa da devastação dessas áreas e principal responsável pelas emissões de gases do efeito estufa, motivadores das mudanças climáticas.
Apesar desse cenário, a legislação brasileira pode ser considerada avançada. Para Rocha, o problema são as constantes alterações pelas quais as leis têm passado nos últimos anos, que reduzem o rigor na proteção e na restauração ambiental. Em 2012, o Código Florestal brasileiro foi reformulado. Na época, as alterações dividiram opiniões de ambientalistas e ruralistas. Agora, cinco anos depois da modificação, quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade, movidas pelo Ministério Público Federal (MPF), questionam 58 dos 84 artigos do novo Código e aguardam para serem incluídas na agenda de julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF).
Rocha defende que muitas mudanças do Código estão ligadas à alteração dos valores mínimos de áreas ou faixas a serem preservadas, tornando-as inferiores às necessidades de conservação da biodiversidade e dos serviços prestados pelos ecossistemas. Assim, relembra o artigo 225 da Constituição Federal, que institui o direito das presentes e futuras gerações ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever do poder público e da coletividade em garanti-lo.
Biodiversidade na berlinda - Para Dobrovolski, os efeitos da destruição da vegetação natural resultam em uma parte significativa da crise ambiental da atualidade, que inclui a poluição e a perda da biodiversidade. A lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais indica que 85% das espécies ameaçadas de extinção estão nesse risco por causa da perda de habitat.
Dobrovolski participou de um estudo internacional que investigou a crise de extinção de algumas espécies de primatas, cuja principal conclusão foi que as espécies ameaçadas no Brasil seguem o padrão da destruição de habitats. “A maior parte das espécies ameaçadas estão na Mata Atlântica”, constatou o especialista. Dentre elas, cita o mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia) e o muriqui (Brachyteles arachnoides).
Listas do Ministério do Meio Ambiente indicam que 3.286 espécies de plantas e animais estão em diferentes níveis de risco de extinção no Brasil. Segundo Rocha, além das questões éticas, o desaparecimento de espécies é problemático pela perda no fornecimento de serviços ambientais realizados por elas como controle do clima, de pragas e polinização de cultivos. “Embora espécies se extinguam por processos naturais, a taxa de extinção atual está levando o planeta a uma situação de crise de biodiversidade vista poucas vezes na história do planeta”, alerta.
Saindo da crise - Dobrovolski aponta como uma saída para a atual situação da Mata Atlântica a consolidação de uma sociedade informada. “A sociedade tem de exigir a restauração e coibir o desmatamento”, acrescenta. Além disso, ele destaca ações que não podem ser realizadas no âmbito civil, como a adequação do Código Florestal e o desenvolvimento científico. “A ciência tem um papel de destaque de mostrar o caminho. Precisamos agora fazer a ponte entre a academia e a sociedade”, pondera.
Já Rocha ressalta que as áreas naturais do país estão concentradas em propriedades privadas e a fiscalização e coibição efetiva de desmatamento podem reduzir as áreas devastadas. Por outro lado, em locais onde as regiões de perda florestal estão espalhadas por todo o bioma (como é o caso da Bahia), uma estratégia complementar deve ser o incentivo à conservação.
Estratégias de monitoramento têm sido eficazes no processo de identificação de locais degradados. Exemplo disso é o Projeto Olho no Verde, iniciativa de organizações ambientais e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que acompanha via satélite as principais áreas restantes de Mata Atlântica no Rio de Janeiro e aciona os órgãos de fiscalização, quando necessário.
Na Amazônia, a partir de ações como o monitoramento por satélite e do estabelecimento de cortes financeiros para produtores que desmataram, houve uma queda nas taxas de degradação ambiental. “Esse método de combate ao desmatamento precisa ser levado para outros biomas”, sustenta Dobrovolski.
Para saber mais:
A Sexta Extinção: Uma História Não Natural, Elizabeth Kolbert, 2014.
A Lei da Água, André D’Elia, 2015, 1h18min
*Estudante do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura
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