Em 2010, um notável crescimento na produção científica colocou o Brasil como “país do futuro”. Hoje, incertezas e preocupações assombram as expectativas para o futuro do país
AMANDA DULTRA; GIOVANNA HEMERLY e MARCELA VILAR*
amandadultra@hotmail.com; gihe296@gmail.com; marcelavilarms@gmail.com
Após as decisões políticas tomadas pelo atual governo diante da crise, como a fusão do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) com o Ministério das Comunicaçõese o contingenciamento do recurso público com a PEC 55, que congela por 20 anos os gastos públicos, o futuro da ciência nacional se encontra em uma situação de dúvida e instabilidade. Segundo a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência(SBPC), o valor do repasse de recursos de 2017 é o menor em 12 anos. De 5 bilhões caiu para 2,8 bilhões, representando uma redução de 44% dos repasses.
Apesar do risco de estagnação decorrente de baixo investimento, a área científica brasileira, em 2010, ano em que o Brasil passou por um notável crescimento na produção científica, o país teve investimento de US$ 23 bilhões, mais do que Espanha e Itália investiram na época. O dado foi levantado pelo Relatório da UNESCO de 2010, no qual o país foi destaque entre os países da América Latina em desenvolvimento científico.
Para a professora da Faculdade de comunicação da UFBA (Facom) e ex-editora-chefe da Revista Pesquisa Fapesp (uma das maiores revistas de divulgação científica do país), Mariluce Moura, o problema maior da crise, não está somente na falta de recursos, mas principalmente na forma como está sendo feito o gerenciamento do dinheiro público, o que tem interrompido o avanço científico e, por consequência, o desenvolvimento nacional. “Além de uma crise de escassez de recursos, existe o problema político de definição de prioridades para o uso dos recursos. Cada vez que você interrompe uma pesquisa, você interrompe o curso de desenvolvimento da ciência, e assim a capacidade de desenvolvimento de um país”, atesta.
Mas agora, além de correr o risco de estagnar, o Brasil também poderá ficar para trás na concorrência científica mundial. “Se o Brasil conseguiu em 2010 dar um salto na sua produção científica, um salto notável entre os maiores produtores de tecnologia, o que está em risco com tudo isso é uma volta, um recuo muito significativo desse lugar que o país ocupa no ranking internacional, na sua capacidade de produzir conhecimento científico”, afirma Moura.
A diminuição de bolsas – De acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) o corte de 20% em seu orçamento, era destinado às bolsas de iniciação científica. Dessa forma, o número de estudantes contemplados caiu de 33,7 mil para 26,1 mil. “Considerando o contexto orçamentário atual, foi necessária a adequação da concessão de bolsas da Agência ao novo cenário”, explica o Conselho em nota publicada no site.
Para o professor da Facom e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas (Póscom) também bolsista do CNPq há seis anos, Giovandro Ferreira, as bolsas não estão numerosas como antes. “Há claramente uma diminuição. Hoje, a entrada de novos bolsistas é feita se alguém desiste e essa renovação faz com que você produza mais para conseguir manter a bolsa”, constata.
A redução dos investimentos afetou quatro programas: o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC), o Programa de Iniciação Científica para o Ensino Médio (PIBIC-EM), o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação (PIBITI) e o Programa Institucional de Iniciação Científica nas Ações Afirmativas (PIBIC-Af).
A falta de financiamento – Segundo Ferreira, outro problema causado pela diminuição da verba é que algumas pesquisas, que precisam de um financiamento maior, não conseguem recursos adicionais. Ou, em alguns casos, os projetos são aprovados no edital, mas não recebem o dinheiro. “Isso implica, muitas vezes, em abortar a pesquisa. Já tive colegas com essa dificuldade: [a pesquisa] foi aprovada no edital, mas o dinheiro não veio”, afirma o pesquisador.
Esses foram os casos dos pesquisadores André Lemos e Graciela Natansohn, ambos professores titulares da Faculdade de Comunicação da UFBA e do Póscom. Em 2015, suas pesquisas foram aprovadas no edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), mas até hoje não receberam o financiamento da instituição. “Já se passaram dois anos e ninguém recebeu um centavo, de todos os pesquisadores que ganharam esse edital. Não foi publicado nem o Termo de Outorga”, critica Natansohn. O Termo de Outorga e Aceitação de Auxílios é o documento em que a agência declara que vai conceder o investimento para a iniciação da pesquisa.
A Pró-Reitoria de Pesquisa, Criação e Inovação da UFBA (PROPCI) reivindicou a verba da Fundação, mas a Fapesb respondeu que não tinha fundos para custear os projetos. Sem financiamento, a pesquisadora teve que interromper seus estudos. “Tive que parar porque precisava do dinheiro e a pesquisa tinha um componente de campo muito importante”, explica Natansohn.
Em consequência dos cortes feitos pelo governo, a Fapesb arrecada uma dívida de aproximadamente R$70 milhões e 80% dos conveniados estão sem seu apoio financeiro. Segundo dados da própria instituição, dos 813 projetos dependentes, 652 estão com pagamentos em atraso e 539 não receberam nenhuma parcela da quantia prevista.
Potencial do Brasil – De acordo com Mariluce Moura, o país ainda tem capacidade para se tornar uma potência científica, mas o desconhecimento da população a respeito do impacto da ciência como fator de desenvolvimento nacional ainda é um obstáculo a ser superado. “Esses arranjos e desarranjos, essas reformas do ministério mostram que o Brasil ainda não concebeu a questão da ciência e da tecnologia à importância e à dimensão central do desenvolvimento do país que ela efetivamente tem. É uma questão de reconhecimento político e social que a ciência deve ocupar no processo e nas estratégias de desenvolvimento do país”.
Ela também compara a atual situação do Brasil com a de um paciente que ainda tem chances de se recuperar, mas está correndo risco de sofrer uma parada respiratória por falta de nutrientes adequados.
Para o doutorando Adalton dos Anjos Fonseca da UFBA existe uma questão problemática: “A crise econômica tem atingido toda a comunidade acadêmica na medida em que temos menos recursos para a realização de pesquisas. Cada vez mais os editais têm sido mais escassos e precisamos de recursos para a realização de determinadas etapas da pesquisa e participação em eventos e congressos”.
Isso tudo, infelizmente, resulta na infame “fuga de cérebros”. Também conhecido como fuga de capital humano, fuga de cérebros é um fenômeno no qual há o êxodo de mão-de-obra qualificada de seu país de origem devido a vários fatores, sejam eles de natureza de conflitos étnicos ou civis, ou mesmo pelo indivíduo não encontrar oportunidade para aplicar as suas aptidões – como é o caso do Brasil.
Segundo a Moura, para superar a crise, será preciso Inteligência política, com articulação pensada a partir dos interesses da nação brasileira. Além disso, ela considera fundamental a proximidade entre o universo acadêmico e o industrial para que a troca entre conhecimento científico e produção tecnológica beneficia toda sociedade. “Tem determinadas descobertas que são mais apropriadas e disseminadas no âmbito do setor produtivo, no âmbito da empresa”. Entretanto ela enfatiza que apesar de haver a necessidade do investimento da iniciativa privada, a obrigação do Estado para encontrar soluções para a crise no setor científico não deve ser esquecida.
* Estudantes de jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia e repórteres da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura