Apesar do crescente debate em torno da acessibilidade, no âmbito das produções culturais esses recursos ainda são negligenciados. Para especialistas, esse problema é gerado devido a falta de conhecimento e de interesse da maioria da população. As pessoas com deficiência ainda sofrem com preconceito e nas produções artísticas e eventos culturais essa realidade não está sendo diferente das outras áreas.
POR REBECA ALMEIDA*
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A percepção da arte está muito além do nível sensorial. Esta é uma máxima de certa forma clichê quando se tenta explicar o conceito de arte. No entanto, este princípio parece ser facilmente esquecido quando busca-se relacionar arte e acessibilidade. Têm-se a falsa noção que não é possível criar obras de valor artístico ou promover eventos culturais que sejam acessíveis ao mesmo tempo.
Isso acontece, segundo a professora e coordenadora do Grupo de Pesquisa e Extensão Acessibilidade e Arte da UNEB (GA&A), Sandra Rosa, devido a falta de conhecimento dos produtores culturais de saber quem é a pessoa para a qual está sendo direcionado o material artístico”. Ela afirma que a solução está na mudança de olhar da sociedade para com a pessoa com deficiência, deixando de vê-los como “incapazes”. Segundo Rosa, a partir disso teremos um outro olhar para a produção de materiais acessíveis.
“Se para a produção de um filme busca-se o melhor diretor de fotografia, o melhor roteirista e etc, para a audiodescrição deveria-se buscar o melhor audiodescritor também, que dê conta da arte que está sendo produzida [...]. As pessoas com deficiência querem isso e não apenas um “recursozinho” de acessibilidade”, reforça.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que 6,2% da população brasileira têm algum tipo de deficiência. Já a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) considerou quatro tipos de deficiências: auditiva, visual, física e intelectual. Mas a sociedade ainda é muito preconceituosa em relação a essa população.
“É muito difícil sair com ela, a gente não têm carro e fica dependendo de ônibus adaptado”. Esse é o depoimento da mãe de Franciane Miranda que têm deficiência motora. De acordo com Franciane, a última vez que foi ao cinema foi no mês de julho deste ano e só foi ao teatro apenas uma vez na infância. Além disso, todas as vezes em que saiu de casa foi acompanhada pela mãe ou pelo noivo, precisando do auxílio deles até para se comunicar. Casos como o de Franciane comprovam que o preconceito e as dificuldades geram afastamento das pessoas com deficiência das produções de arte e cultura.
Para o pesquisador e produtor do documentário Cidade Cega, Carlos Ferreira, o preconceito se intensifica devido a uma falha existente na educação de pessoas sem deficiências, que não são ensinadas a lidar com diferenças entre os indivíduos. Para ele a acessibilidade está diretamente relacionada com a inclusão. “Eu trabalho com um público que é cego porque eu acredito que os cegos têm a capacidade de “ver” de outras formas. Nós estamos acostumados a usar sobretudo a visão, mas nós temos outros quatro sentidos”.
Legislação - A Lei Brasileira de Inclusão (LBI) é último documento lançado que trata da inclusão das pessoas com deficiência na sociedade brasileira e entrou em vigor no dia dois de janeiro de 2016. Apesar da Constituição Federal tratar todo cidadão como igual perante a Lei, garantindo às pessoas com deficiência direitos básicos como qualquer outra, a LBI ou Estatuto da pessoa com Deficiência trata desses direitos de forma mais aprofundada.
Segundo a professora Sandra Rosa, a LBI “não trata diretamente do termo “acessibilidade cultural”, mas sim dos elementos que são necessário para que a Arte e a Cultura, de maneira geral, estejam acessíveis”.
Além disso, nos últimos 10 anos, os projetos aprovados pelo Ministério da Cultura para captar recursos por meio da Lei Rouanet tiveram de cumprir algum tipo de requisito que contemplasse a acessibilidade como a garantia de espaço reservado para pessoas com deficiência para assistirem a espetáculos e uso de Língua Brasileira de Sinais (Libras), por exemplo.
Mas para Carlos Ferreira, que também atua como produtor cultural, o problema está além da esfera legislativa. “Cobra-se que o artista/produtor que escreva um edital pensando na acessibilidade, mas na esfera maior das políticas públicas não há acessibilidade”. Segundo ele, existe uma distância muito grande entre a Lei escrita e o que é cumprido. Especificamente sobre a Lei Rouanet ele afirma: “Nós temos uma falha que está na pós-aprovação de um projeto”. Ele conta ainda que os projetos devem seguir critérios de acessibilidade para serem aprovados, mas após isso não existe uma fiscalização eficiente para saber se os eventos são realmente acessíveis ou se cumprem o que foi prometido.
A raiz da questão – O fator econômico costuma ser o principal empecilho para a produção de eventos acessíveis. No entanto, falta compreensão da questão histórica por trás do problema. Segundo Sandra Rosa, as gratuidades e outras compensações são uma espécie de “reparação”.
“Esse indivíduo [com deficiência] demora para acessar a escola, demora muito mais para concluir, pelas dificuldades – não dele, mas do mundo, que não é acessível. Demora para se profissionalizar, quando consegue. E se não consegue se profissionalizar também não consegue trabalhar e, no fim das contas, como vai pagar o ingresso?”, explica.
Franciane Miranda confirma a tese. Ela conta que conseguiu concluir o ensino médio, apesar das muitas dificuldades enfrentadas por ela e pela família. Chegou a passar no vestibular mas não deu continuidade nos estudos por conta das dificuldades financeiras. Atualmente ela busca um trabalho e pensa em voltar a estudar no futuro.
Para a fonoaudióloga e pesquisadora na área de inclusão social,Samantha Souza Pureza, o problema “não é falta de legislação específica ou de tecnologia capaz de atender as demandas desse público específico, mas de não se ter interesse em investir capital nisso”. Além disso, os projetos voltados para esse público em geral têm duração curta, baseado sobretudo na verba disponibilizada. “Quando acaba o dinheiro, acaba o projeto”, lamenta.
*Estudante de Jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter da Agência de Notícias em CT&I- Ciência e Cultura da UFBA