Pela facilidade de acesso e baixo custo, os anticoncepcionais são muito usados para evitar que fêmeas entrem no cio. Porém, apenas uma dose do medicamento já pode acarretar em graves doenças como o câncer de mama e infecções uterinas, além de complicações no parto
POR MARCELA VILAR*
marcelavilarms@gmail.com
Para aqueles que desejam evitar o cio, diminuir a atração dos machos e impedir que suas cadelas e gatas tenham filhotes, o uso de anticoncepcionais parece ser a solução perfeita. De maneira prática e barata, a “vacina anti-cio” pode ser encontrada facilmente em petshops e na internet, em sua fórmula injetável ou oral, a partir de apenas três reais.
Entretanto, o que muitos não sabem são as altas chances do animal adquirir infecções uterinas e até o câncer de mama. Segundo a médica veterinária e doutora em Patologia Experimental, Daniela Larangeira, os animais que usaram pelo menos uma vez têm 90% de probabilidade de desenvolver o câncer, se comparado aos que nunca tomaram. A médica completa que quanto mais aplicações forem feitas, maiores serão as chances de aquisição da doença.
O perigo – Um estudo realizado pelo Hospital Veterinário da Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 2013, analisou 193 prontuários de cadelas e gatas entre 2010 e 2011. A pesquisa mostrou que a piometra, que se caracteriza como uma grave infecção uterina, foi encontrada em mais de 50% das pacientes. O uso de anticoncepcionais foi fator relevante para o diagnóstico.
Além disso, foi investigado a relação dos partos de cadelas e gatas com o uso do medicamento. Todas que usaram anticoncepcionais durante a gestação apresentaram complicações no parto, como prolapsos (quando o aparelho reprodutivo é projetado pela vagina) e torções uterinas (anormalidade do trato reprodutivo).
Em mais de 80% desses casos, tiveram de ser realizados partos anormais (distocias). Esse evento ocorre quando há falha em iniciar o parto no momento correto ou quando há problemas na própria expulsão dos fetos, uma vez que o parto já tenha se iniciado.
Anticoncepcional não é aborto – Apesar da crença de muitos, o anticoncepcional não tem caráter abortivo, mas preventivo. Ele consegue impedir que as cadelas e gatas entrem no cio, porém, uma vez que já estejam em período de gestação, o uso da medicação não irá interrompê-la e sim impedir que os filhotes nasçam.
“Como o índice de progesterona fica muito alto, a gata ou a cadela não consegue ter a cria por não ter contração suficiente. Desse modo, os filhotes morrem dentro do próprio útero. Isso gera a piometra, podendo haver um grande risco de óbito”, explica Daniela, que também faz parte da equipe do Laboratório de Infectologia Veterinária (LIVE) da UFBA.
A médica afirma que desconhece clínicas e veterinários que prescrevam anticoncepcionais e que a venda desse produto no Brasil já deveria ser proibida. Entretanto, é possível encontrar petshops e até clínicas veterinárias em Salvador que vendem sem nenhuma restrição, aconselhamento ou prescrição médica. Seu valor está em torno de três e seis reais por mililitro.
“Não quis castrar minha cadela porque ainda quero que ela tenha filhotes, então apliquei o anticoncepcional. Na época, achei que a melhor opção para ela não entrar no cio”, relata Giovanna Hemerly, estudante da Faculdade de Jornalismo da UFBA, que aplicou duas doses da medicação. Segundo Giovanna, o vendedor não a informou sobre o risco de câncer de mama e a cadela apresentou alterações no pêlo após a primeira aplicação, que foi feita em 2014.
Apesar do animal não ter apresentado nenhum sintoma até agora, a estudante admite que se arrepende. “Se eu soubesse que poderia dar câncer eu não teria aplicado”, completa. Na maioria dos casos, o câncer se manifesta dois a três anos após a aplicação da primeira dose da vacina.
Já outro estudante da UFBA, do Bacharelado Interdisciplinar de Humanidades, Diogo Torres, optou pela castração para impedir que sua cadela tenha cria.
A castração – Uma alternativa mais segura e recomendada pelos veterinários para aqueles que não desejam que seus animais tenham filhotes é a castração. O procedimento é chamado de ovariosalpingohisterectomia (OSH), no qual tanto o útero quanto o ovário das fêmeas são retirados.
De acordo com um artigo publicado pela veterinária, especializada em Clínica Médica e Cirúrgica de Felinos, Ana Cláudia Andrade, a castração previne não só os filhotes indesejados, mas reduz o risco de desordens reprodutivas e neoplasias mamárias (crescimento anormal das células da mama). Além disso, se as cadelas forem castradas antes do seu primeiro cio, o risco de desenvolvimento de neoplasia mamária é de 0,5%. Para gatas, o índice é ainda mais baixo: 0,06%.
Para os machos, a castração também traz benefícios: pode prevenir contra o câncer de próstata. A retirada dos testículos (orquiectomia) reduz a circulação de testosterona e, portanto, diminui a atividade produtiva da próstata. Além disso, pode reduzir os comportamentos sexuais, agressivos e de marcação de território, atitudes resultantes da ação do hormônio.
Consequências nos felinos – Especificamente nas gatas, o uso de anticoncepcional pode gerar a hiperplasia mamária, que se caracteriza pelo aumento exacerbado das glândulas da mama. Ao contrário do câncer, que por ser uma doença crônica demora mais tempo para se desenvolver, a hiperplasia pode se manifestar com apenas 15 dias após a primeira injeção hormonal.
O inchaço ocorre pelo acúmulo de sangue nas glândulas mamárias. O aumento das células da mama pode implicar no aparecimento de feridas, úlceras, necroses e até infecções secundárias. Nos últimos seis meses, o Hospital veterinário da UFBA recebeu três pacientes com a doença e uma delas foi a óbito.
*Estudante do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura