A fim de chamar a atenção para a saúde mental, esse mês foi nomeado como janeiro branco, tendo sido aprovado como lei por diversas prefeituras municipais no Brasil, além de todo o estados de Pernambuco e São Paulo. Especializado em saúde mental coletiva e psicanálise clínica, o enfermeiro Eduardo Nascimento, que hoje trabalha no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) da cidade de Mata de São João, Região Metropolitana de Salvador, revela o que é um transtorno mental, como se diagnostica e quais os tipos de tratamento
POR MARCELA VILAR*
marcelavilarms@gmail.com
Ciência e Cultura: O que seria um transtorno mental? É possível classificá-los?
Eduardo Nascimento: Para começar a falar de saúde mental precisamos falar da reforma psiquiátrica, que é a luta por um tratamento justo e humanizado aos portadores de transtorno mental, havendo todo um conjunto de cuidado extra, que é o acompanhamento familiar, evolução contínua de tratamento e a reinserção social. Dessa forma, podemos sintetizar um transtorno mental como toda anormalidade, seja por pensamentos, ações e características corporais que evidencia um transtorno mental que precisa de tratamento. Tudo que foge de uma padrão já estabelecido de normalidade deve ser acompanhado para que consigamos realmente identificar ali um transtorno. Claro que cada um tem sua característica individual, não é preciso seguir regras e estar inserido num padrão social de normalidade. Mas só a partir da análise profissional que se indicará esse possível transtorno.
Ciência e Cultura: Como é feito o diagnóstico?
Eduardo Nascimento: Normalmente fazemos a análise e a evolução do tratamento por meio das oficinas terapêuticas, dos encontros de família e dos atendimentos individuais. Com isso, conseguimos informações do comportamento do paciente em casa, a nível social e como está a adaptação à medicação. Cabe também ao profissional que trabalha com saúde mental se colocar no perfil de humano, conseguir se doar para ouvir e entender o outro, não apenas vestir seu jaleco e esquecer que à sua frente existe um ser humano com imperfeições as quais devem ser respeitadas.
Ciência e Cultura: Existe um fator de desencadeamento do transtorno mental ou tem influência genética, como na depressão?
Eduardo Nascimento: Cabe a um profissional habilitado e que saiba entender o outro classificar e diagnosticar um transtorno mental. O acompanhamento da família é importante até mesmo para compreender como alguns transtornos se apresentaram. Muitas vezes, existe uma carga genética que pode se expressar a partir de um fator expressor. A partir daí, a pessoa começa a mostrar comportamentos e sintomas de um tipo de transtorno. A causa também pode ser por um acontecimento externo, como por exemplo por uma carga excessiva de estresse, que podem levar a uma depressão ou desencadear transtornos mentais, não necessariamente precisando de uma carga genética.
Ciência e Cultura: Como funciona o trabalho do CAPS e o trabalho desenvolvido com pacientes com transtornos mentais?
Eduardo Nascimento: O que difere os CAPS é o quantitativo populacional, as especificidades do tratamento e o fato de trabalharmos com território. Nós temos o CAPS AD, que trabalha com álcool e drogas e o CAPS IA, voltado para pacientes do público infantil e adolescente. Existem também os CAPS 1,2,3, em que a modalidade do tratamento varia de acordo com a quantidade de pessoas. Já o CAPS 3 é a única unidade que funciona 24 horas, ampliando atendimentos noturnos e que têm uma equipe de plantão que dá assistência para aqueles casos de muita crise, normalmente pacientes que têm surtos, que precisam de uma supervisão que a família não consegue dar
Ciência e Cultura: Como podemos classificar o lugar da Bahia no quesito atenção à pessoas que sofrem com doenças mentais?
Eduardo Nascimento: A saúde mental no Brasil obteve ganhos significativos. Houve um aumento do número de implantação de CAPS, da capacitação acerca do tema e a disponibilidade de alguma medicações de alto custo que são liberadas para o centro. Porém, não podemos nos acomodar e ainda há muito a melhorar com relação a assistência, corpo estrutural e benefícios oferecidos, quando comparado a outros países.
Temos que ser gratos pelo que temos, mas devemos estar sempre buscando essas melhorias para a saúde mental. Toda mudança que potencializa a reinserção social e a valorização individual é sempre muito bem vinda. De uns anos para cá, por exemplo, a saúde mental vem sendo muito discutida pelas mídias, que vem abordando o tema através da discussão, da importância de se aplicar políticas públicas e de humanizar os cuidados, e não de maneira caricata, como era feito. Porém, é preciso melhorar a quantidade e a qualidade das medicações que são oferecidas, a qualificação e remuneração profissional e as estruturas de algumas unidades que realmente não respondem às especificidades do cuidado. Tudo isso tem que ser revisto, analisado e melhorado para que se valorize a essência e identidade do indivíduo.
Ciência e Cultura: Qual a melhor forma de tratamento? Existe medicação?
Eduardo Nascimento: É importante lembrar que nem todo tratamento é medicamentoso. A gente consegue ter um suporte bem bacana com a psicoterapia e também com as rodas de conversa. Quando a pessoa precisa de um tratamento, a maioria não quer usar medicação. Mas até mesmo a escuta e o momento de fala conseguem trazer ganhos muito positivos na evolução do tratamento, quase em todos os casos. O suporte religioso também é importante, assim como as terapias alternativas. Mas, mais importante ainda é conscientizar o paciente e a família da importância da medicação, e da família entendê-lo como paciente e que necessita de um cuidado, de uma atenção maior. Isso deve ser levado a sério. Falo isso porque algumas pessoas acreditam que só a religião pode curar o paciente da doença. Não é assim que acontece. A gente precisa da medicação e da psicoterapia em alguns casos para que realmente tenhamos esse ganho.
Ciência e Cultura: Os antidepressivos podem criar dependência química? Você os recomenda a utilização de antidepressivos? Quais os benefícios e malefícios que eles trazem?
Eduardo Nascimento: os antidepressivos assim como qualquer outra medicação em abuso ou uso mais que indevido, sem orientação médica, pode sim criar dependência por isso a importância do acompanhamento médico. Os benefícios e malefícios vão muito pela avaliação médica, tudo depende do ganho que ele terá com o uso da medicação, toda medicação é analisada a necessidade do paciente.
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* Estudante de jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura