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Atualizado em 14 DE março DE 2018 ás 19:48

Abdias Nascimento e o genocídio do negro brasileiro

Militantes e pesquisadores se reuniram para discutir e denunciar a matança dos jovens negros no Brasil e firmarem a resistência da população negra contra o massacre racial

POR NÁDIA CONCEIÇÃO*
nadconceicao@gmail.com

Genocídio - De acordo com a definição dos dicionários, genocídio é definido como o “extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade, grupo étnico, racial ou religioso”. E é justamente a matança de inúmeros jovens brasileiros pelo estado, seja diretamente, através do braço da polícia, seja pela ausência e ineficiência de políticas de públicas de promoção da igualdade e de acesso da população às estruturas básicas para manutenção da dignidade humana, que Abdias Nascimento tanto combateu em suas obras, em vida e, ainda hoje, é uma referência para os brasileiros, seja ele negro ou não, e para o mundo.

Tendo sido reconhecido pelo estado em 2016, o genocídio sempre esteve presente na obra de Abdias Nascimento, sendo que para ecoar ainda mais sua voz, ele escreveu, há 41 anos, o livro “O genocídio do negro Brasileiro – Processo de um racismo mascarado”. Em agosto de 2016, as altas taxas de homicídios de jovens negros colocou o Estado brasileiro na cadeira de réus, após o Fórum Permanente pela Igualdade Racial (FOPIR) protocolar uma denúncia em relatorias do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).

Mesa homenageou os 104 anos de nascimento de Abdias Nascimento / Foto: Nádia Conceição

A denúncia teve como base o relatório final da Comissão Parlamentar e Inquérito (CPI) do Assassinato de Jovens, do Senado, onde afirma que um jovem negro é assassinado no Brasil a cada 23 minutos, sendo que, das vítimas de homicídio, 53% são jovens, 77% são negros e 93% são do sexo masculino. O documento, entre outras coisas, afirma que o país vive uma realidade cruel e inegável: o Estado brasileiro, direta ou indiretamente, provoca o genocídio da população jovem e negra”.

O evento – Para afirmar a importância do legado que Abdias Nascimento nos deixou, esta data tão histórica, 14 de março, ano em que ele completaria 104 anos, o Fórum Social Mundial 2108 (FSM 2018), homenageou com a realização de um eixo temático “Vidas Negras Importam”. Trata-se de um conjunto de atividades que mistura arte, poesia e ativismo social e tem como temas centrais o genocídio da população negra e o legado de Abdias Nascimento.

Na manhã de hoje, a mesa Abdias Nascimento: o genocídio do negro brasileiro, realizada no Teatro Martim Gonçalves – Escola de Teatro da UFBA, contou inicialmente com a performance poético-musical de Nelson Maca, que possibilitou uma espécie de reflexão poética acerca do tema. Em seguida tomaram a palavras os palestrantes: a docente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Marluce Macêdo; o professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Samuel Vida; a representante do Quilombo Rio dos Macacos, Olinda Santos e do escritor e o idealizador do Sarau da Onça, Sandro Sussuarana. A coordenação foi realizada pela professora do Instituto de Química da UFBA, Bárbara Carine Pinheiro.

Sobre o autor - Abdias do Nascimento foi artista plástico, escritor, poeta, dramaturgo, ativista do movimento negro brasileiro, deputado federal, senador. Nasceu na cidade de Franca, em São Paulo, em 14 de março de 1914.  Na década de 30 iniciou seu ativismo político na Frente Negra Brasileira ajudando a combater o preconceito racial nos estabelecimentos comerciais da cidade. Em 1938 organizou o Congresso Afro-Campineiro e em 1944 fundou o Teatro Experimental do Negro. Economista, pós-graduado pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros e pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro/ Ministério da Marinha. Recebeu dois títulos Doutor Honoris Causa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pela Universidade Federal da Bahia e professor benemérito da Universidade do Estado de Nova York. Publicou diversos livros, dentre eles: “Sortilégio”, “Dramas Para Negros e Prólogo Para Brancos”, “O Negro Revoltado”, e outros.

A obra - De acordo com a professora Marluce Macedo, estudiosa da obra escrita do Abdias, o livro “O genocídio do negro Brasileiro – Processo de um racismo mascarado” aponta os aspectos influenciadores do racismo na perpetuação do genocídio, pois o autor apresenta críticas importantes a elementos que ajudaram na consolidação do racismo, como o mito da igualdade racial, reforçado nas obras de Gilberto Freyre, a responsabilidade das igrejas na disseminação da falsa ideia do senhor benevolente, a habilidade de tornar os processos negros mais brancos, o lugar em que a mulher negra é posta e, sobretudo, no uso do branqueamento como uma estratégia de genocídio dos negros.

Mesa discutiu genocídio através da obra de Abdias Nascimento / Foto: Nádia Conceição

Dessa forma, Macedo acredita que mesmo hoje, 41 anos após seu lançamento, a obra é atual, sendo assim “é necessário estabelecer um diálogo com Abdias nos dias atuais, pois suas obras mostram a gênese do genocídio no Brasil e é, portanto, uma importante memória da população negra brasileira”.

A obra de Abdias, para o pesquisador Samuel Vida, é a mais importante sobre o tema, pois sua abordagem “recupera a dimensão completa da destruição de um povo e que vai além da morte física. Além nós mostrar que o combate ao genocídio assume um papel estratégico e que deve ser incorporado pelos movimentos sociais negros”. O que, segundo ele, devemos tratar como um desafio contemporâneo que provoque e exige uma reorientação.

Moura alerta ainda que a obra de Abdias, assim como outros autores negros têm sido vitimadas pelo epistemicídio, pois não estão nas universidades nem em outros espaços importantes de formação dos negros. “Tenho visto o quanto a nossa obra é silenciada e colocada de lado. Mesmo os militantes ignoram o conjunto de obras de autores negros. Portanto, temos que ter autonomia e autorização de voz, precisamos ter mais negros como referência do debate racial qualificado”, afirma a pesquisadora que sustenta o caráter multidisciplinar da produção de Abdias Nascimento.

Relatos de experiência - A mesa também contou com a representante do Quilombo Rio dos Macacos, Olinda Santos, que apresentou sua indignação com a situação atual da população do quilombo. Segundo ela, a perseguição feita pela Marinha do Brasil só avança. Santos denuncia a proibição do acesso a água, um recurso essencial para a qualidade de vida. “Eles nos tiraram a terra, proíbem as mulheres de terem filhos, praticam a violência contra as mulheres, nos deixam amedrontados e agora estão impedindo de usarmos a água, o ganha pão de muitas familias, que pescam e plantam. Mais não vamos desistir. Somos quilombolas da cabeça aos pés. Somos povo negro, resistente e persistente!”, desabafa.

O escritor Sandro Sussuarana também trouxe a luta de resistência das comunidades, mais desempenhada através da poesia e da literatura. Segundo ele a sua poesia é feita para incomodar. Segundo ele a poesia é um lugar de fala sem medo. “Eu acho bom sabermos que temos sarau, mas é triste saber que ele existe porque estamos morrendo”.

Para ele é preciso resistir e lutar para mudar a cruel realidade dos negros no Brasil. “Para morrer estamos no topo, mas para brilhar estamos lá embaixo, isso é triste, é cruel”.

O Fórum Social Mundial acontece até a próximo sábado, 17. Esta mesa está dentro do eixo temático “Vidas Negras Importam”. Nele ocorrerá um conjunto de atividades mistura arte, poesia e ativismo social e terá como temas centrais o genocídio da população negra e o legado de Abdias Nascimento. Amanhã, 15, a atividade será na Sala Mestre King,  na sede da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), no Pelourinho, com o palco do Slam Abdias, com premiação do Troféu IPEAFRO Sankofa. Entre as atrações estão: DJ Bieta, Coletivo Boca Quente, Sarau da Onça, poeta Giovane Sobrevivente, Maestrina Elem e Banda Meninos da Rocinha do Pelô.  No dia 16 de março, será exibido o filme “Abdias Nascimento Memória Negra”, do cineasta baiano Antonio Olavo, na Sala Walter da Silveira, Barris. Além de recitação poética com Milsoul Santos e artistas locais, além de conversa com o diretor do filme, o professor Kabengele Munanga e a viúva de Abdias Nascimento e autora da biografia, Elisa Larkin Nascimento.

*Jornalista, produtora cultural e editora-chefe da Agência de Notícias em CT&I- Ciência e Cultura UFBA

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