Câmera escondida e uso de dados na apuração foram debatidos em evento promovido pela Faculdade de Comunicação (Facom - UFBA) e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji)
POR REBECA ALMEIDA*
rasrebeca@gmail.com
Utilizada especialmente no jornalismo investigativo, a câmera escondida ou oculta é uma técnica pela qual um jornalista pode obter imagens de ações ilícitas praticadas por terceiros. Quase como em filmes do 007, neste tipo de abordagem o repórter faz uso de aparelhos de filmagem escondidos pelo corpo com o objetivo de obter imagens, vídeos ou áudios flagrando ações criminosas. Esta possibilidade, no entanto, “deve ser usada apenas como último recurso e quando o ‘alvo’ está cometendo um crime”, ressaltou o jornalista Alexandre Lyrio, durante debate sobre Jornalismo Investigativo, realizado no início deste mês na Faculdade de Comunicação da UFBA. Lyrio é repórter do caderno “Mais”, do Correio, e mantém o blog Moqueca de Fatos, no site do jornal.
O uso de câmeras ocultas (COs) por jornalistas sempre gera controvérsias entre os limites éticos, o interesse público e a invasão da vida privada. O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, em seu Art. 11, prevê que imagens obtidas dessa forma só devem ser divulgadas “em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração”.
Foi baseado no interesse público que Lyrio utilizou COs para apurar o recebimento de propina por servidores públicos nos cartórios de Salvador, em 2009. Também foi a partir deste recurso que foi descoberta a fábrica de cachaça no Subúrbio Ferroviário da cidade de Salvador que submetia funcionárias a condições precárias de trabalho, no final do ano passado. Lyrio conta que em ambos os casos foi preciso criar uma nova personalidade e atuar como tal para checar os fatos. Ele afirma que “para usar a câmera escondida é preciso ter uma história ‘bem amarrada’ pois você sempre pode ser descoberto”. Além disso, o profissional ressalta: “nunca se deve utilizar aquelas canetas com câmera, porque essas já estão batidas e todo mundo já conhece”, brinca.
Menos adrenalina e mais pressão - A investigação com COs é uma abordagem quase cinematográfica, muito próxima de um trabalho de espionagem. Mas ela não é a única forma de fazer jornalismo investigativo. Outra técnica utilizada é a análise e cruzamento de dados. Este tema foi abordado pelo jornalista André Uzeda, mestre em Comunicação e Cultura pela Facom e editor de texto na Rede Aratu de Televisão, filial Salvador. Para ele, a importância dos dados se revela quando estes, ao serem cruzados tornam-se capazes de “contar uma história”. Ele afirma que é possível descobrir atividades potencialmente ilícitas por parte do poder público apenas cruzando dados abertos, disponíveis na rede para qualquer pessoa. Além disso, outra forma de apurar fatos por meio digital acontece quando informações muito específicas são “vazadas” na rede. Mas nesse caso, para Uzeda, o jornalista nem tem trabalho, basta acessar os arquivos vazados.
Do ponto de vista legislativo, todas as instituições públicas têm obrigação de disponibilizar dados internos de forma aberta, por meio digital. Isto está previsto na Lei de Acesso à Informação (Lei n. 12.527/11). Devido a essa lei, para o jornalista Pablo Reis, hoje em dia “é possível fazer bom jornalismo por conta própria”, sem estar diretamente vinculado a veículos de comunicação. No entanto, “para fazer valer a lei, [ainda] é preciso encher o saco do poder público”, lamenta. Apesar da lei tornar obrigatória a disponibilização dos dados para quem quiser usar, na prática ela serve apenas para pressionar as instituições à disponibilizar informações quando solicitadas.
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O debate sobre as duas técnicas de jornalismo investigativo: a câmera escondida e o uso de dados na apuração aconteceu na última quarta-feira, 02, no auditório da Faculdade de Comunicação (Facom). Foi promovido pela Facom em parceria com a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji). Faz parte de uma série promovida pela Abraji para se aproximar da região Nordeste.
*Estudante de jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA