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Atualizado em 29 DE setembro DE 2018 ás 00:10

Vamos falar sobre vulnerabilidade?

O Setembro Amarelo chega ao fim na próxima segunda, mas a necessidade de acolhimento e combate ao suicídio continua. Na UFBA, o projeto PsiU reconhece a segregação social como causadora de sofrimento e propõe a escuta e o diálogo como principal forma de tratamento

POR L. COSTA*
costa.larissa164@gmail.com

Há cinquenta e cinco anos Sylvia Plath lançava ao público o mistério sobre sua personagem Esther, no livro “A Redoma de Vidro”: sairá ou não Esther da redoma que a sufoca? Essa, é claro, era uma metáfora para a depressão e a alienação que levaram a personagem à tentativas de suicídio. Anos depois, dedicamos nossos meses de setembro a pensar a questão delicada que é a decisão de alguém de tirar a própria vida.

Ilustração: Ingrid Costa / Universidade Federal de Goiás (reprodução)

Esther encontrava-se deslocada de sua realidade, sofrendo intensamente por isso. Além da literatura, a Psicologia compreende hoje que as relações sociais e os sofrimentos que as desigualdades podem causar estão também na raiz dos índices de suicídio. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que 800 mil pessoas se suicidam a cada ano. No mundo, essa é a segunda causa de morte na faixa etária dos 15 aos 29 anos. No Brasil, o suicídio é a terceira causa de morte entre os jovens, atrás dos homicídios e acidentes de trânsito, segundo o Mapa da Violência de 2014.

“O suicídio é uma resposta a um sofrimento, que conduz um sujeito a atentar contra a própria vida, no esforço de ver seu sofrimento erradicado. Atribuir um ‘sofrimento desmedido’ sempre a uma questão emocional ou a quadros de depressão seria reduzir a capacidade dos aspectos sociais e de relações humanas em causarem sofrimento”, esclarece o psicólogo sanitarista, mestre em Saúde Coletiva e conselheiro do Conselho Regional de Psicologia da Bahia, Renan Rocha .

Para entender melhor essa questão, o médico psiquiatra e psicanalista, Marcelo Veras, explica que o desejo suicida pode surgir da necessidade de ajuda. “O que mais temos é o apelo ao outro. São tentativas de suicídio mais por fuga, para sair daquele momento de desespero. Basta, às vezes, ter alguém do outro lado para que essa pessoa passe a sentir que não está sozinho”, reforça.

Sentindo a necessidade de uma ambiente de escuta que proporcionasse um atendimento rápido, Veras fundou e coordena o PsiU – Programa de Saúde Mental e Bem Estar na UFBA. A abertura da universidade a um novo público, que até então era segregado desse espaço, trouxe novas questões de saúde mental. O PsiU surgiu em novembro de 2016, com a proposta de oferecer ajuda através da escuta. “Nós temos um equipamento sofisticadíssimo que é a orelha. A gente colocou no centro da nossa experiência a escuta”. Segundo Marcelo, o PsiU já auxiliou mais de 400 pessoas e conta com 24 profissionais especializados.

Geralmente o suicídio não possui somente uma causa em específico, mas sim um conjunto de fatores / Imagem: Giovanna Hemerly

Grupos e fatores de risco – A necessidade que surgiu na UFBA de um atendimento especializado passa pelo que se chama de grupos de vulnerabilidade. Como explica o psiquiatra Veras, esses grupos se referem a vulnerabilidades sociais, geradas por experiências de segregação. Essa experiência, inclusive, pode ser repetida dentro da própria universidade, um espaço que deveria ser voltado para o acolhimento.

Para explicar essa vulnerabilidade é necessário recorrer a psicanálise. O ideário suicida parte da imagem que fazemos de nós mesmos, o narcisismo. Nós, enquanto atores sociais, queremos projetar uma boa imagem. Mas quando o resto do mundo desenha uma imagem negativa nossa, isso afeta a própria relação que estabelecemos conosco. Essa imposição de um discurso altera como nos enxergamos.

Esse entendimento não exclui os fatores biológicos como causa de um suicídio, como doenças psíquicas. Mas, como explica Renan Rocha, “o que ganhará maior destaque na análise de possíveis ‘vulnerabilidades’ a diferentes sujeitos será, muito mais, a compreensão sobre as relações sociais e os sofrimentos decorrentes de suas disparidades cotidianas”. Pensando, por exemplo, na comunidade da UFBA, que desde a implementação das cotas, se diversificou e trouxe novas questões sociais para dentro da universidade. Questões como racismo, machismo, LGBTfobia são entendidas como causadoras de sofrimento psíquico.

Imagem: Giovanna Hemerly

A cartilha da OMS, que orienta para a prevenção ao suicídio lista alguns fatores de risco, como: status socioeconômico, sentimento de baixa autoestima e questões de orientação sexual. Além disso, o estudo “Suicídio no Brasil, de 2000 a 2012”, realizado em 2014, pelas  pesquisadoras Daiane Machado e Darci dos Santos, do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA (ISC/UFBA), concluiu que grupos indígenas, pessoas com menor escolaridade, homens e idosos acima de 60 anos eram os grupos mais associados à mortes por suicídio.

Mas… como falar sobre suicídio? - Iniciada em 2014, a campanha do Setembro Amarelo tem como um dos seus meios a comunicação, divulgando dados sobre mortes causadas por suicídios, centros de apoio e a oferta de atendimento especializado acessível. Mas nem sempre houve tanta adesão da campanha. Na imprensa se acreditava que noticiar casos de suicídio poderia levar a outros casos em sequência. Esse fenômeno é conhecido como Efeito Werther, em referência ao livro de Goethe, no qual um jovem desiludido com um amor platônico se suicida no final.

Prestar atenção à queixas relacionadas a tristeza, exaustão emocional e isolamento são importantes para a prevenção do suicídio / Imagem: Giovanna Hemerly

Para o psicólogo e psiquiatra, Marcelo Veras, é bom que a imprensa se preocupe em informar sobre o suicídio, mas este não é um assunto que se noticia “sem um certo véu, um certo pudor”. O guia “Prevenção do Suicídio: um manual para profissionais da mídia” para imprensa da OMS e a “Cartilha para combater o suicídio” da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) trazem instruções semelhantes quanto à cobertura de casos isolados ou de celebridades: não mostrar fotos do corpo; evitar divulgar o local nem o método utilizado; levar sempre em consideração o impacto do suicídio sobre familiares e amigos. O objetivo é evitar sugestões ao suicídio.

Renan Rocha, por sua vez, frisa o aspecto educativo que a ação da imprensa pode ter. “[Uma boa forma da mídia auxiliar] trazer à tona aspectos coletivos de sofrimento psíquico; apontar para as pessoas que existem profissionais qualificados e instituições prontas para auxiliar; ofertar conhecimento de qualidade e em diálogo com diferentes campos de saber”.

Onde procurar ajuda?

Para ser atendido pelo PsiU basta ir até a Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Assistência Estudantil (PROAE). Além disso, o Serviço Médico Universitário Rubens Brasil Soares (SMURB) também oferece consultas com psicólogos, porém é necessária marcação prévia. Fora da universidade, o Núcleo de Estudo e Prevenção ao Suicídio (NEPS), do Centro de Informações Antiveneno da Bahia (Ciave), assim como o SMURB, também oferece o serviço médico por meio de marcação de consultas.

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Referências utilizadas:

MACHADO, D.B; SANTOS, D.N. Suicídio no Brasil, de 2000 a 2012. Jornal Brasileiro de Psiquiatria. Nº 64, volume 1, p. 45-54. Universidade Federal da Bahia (UFBA), Instituto de Saúde Coletiva (ISC), 2015.

LIMA, R. Os suicídios e a universidade produtivista. Revista Espaço Acadêmico, n 149, p.78-86, outubro, 2013.

*Estudante do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA

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