Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 14 DE novembro DE 2018 ás 14:27

Diabetes: 95 anos após a descoberta da insulina

Em 2012, o diabetes foi causa direta de 1.5 milhões de mortes globalmente. Cerca de 80% dos casos da doença tipo 2 são preveníveis através da simples adoção de um estilo de vida saudável

POR ANA GENEROSO*
generoso.a.carolina@gmail.com

Desde o dia 14 de novembro de 1991 celebra-se o Dia Mundial do Diabetes. A data, escolhida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Federação Internacional do Diabetes (IDF), é uma homenagem a Sir Frederick Banting, premiado com um Nobel de Medicina, em 1923, como co-descobridor da insulina.

Retrato de Frederick Banting (1891-1941)/Imagem: Bettmann Archive

A insulina é um hormônio produzido no pâncreas responsável por regular o nível de glicemia do sangue, permitindo a entrada de glicose nas células para a produção de energia. Quando o corpo de uma pessoa não produz este hormônio, ou não o emprega adequadamente, a pessoa possui diabetes. A literatura médica registra duas variações principais da doença: tipo 1 e tipo 2. (mais detalhes no infográfico abaixo).

Imagem: Jefferson Hora

De 1980 aos dias de hoje, a população diabética mundial quadruplicou, atingindo 425 milhões de pessoas, o equivalente à população da América do Sul. A oitava edição do Atlas de Diabetes IDF, publicada em 2017, aponta tendências alarmantes. A principal delas: apesar do aumento de casos, a doença permanece subdiagnosticada, sobretudo em países de baixa e média renda, que concentram 70% dos casos mundiais. Estima-se que metade das pessoas com diabetes ainda não recebeu diagnóstico.

Em 2018, a Federação Internacional do Diabetes elegeu o tema “Diabetes Diz Respeito a Todas Famílias” (Diabetes Concerns Every Family) para promover o papel da família na educação, cuidado, prevenção e gerenciamento da doença. O debate realça o impacto emocional, psicológico e financeiro na família e círculo afetivo dos pacientes.

IDF no Brasil - A IDF incentiva e auxilia pesquisas através de seus representantes regionais: os IDF Young Leaders. O atual representante do Brasil é o médico Ronaldo Pineda Wieselberg, formado pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Diagnosticado em 1993, Wieselberg desde cedo ouviu que o diabetes não causaria constrangimentos em sua vida, contanto que o administrasse bem. Com o apoio da mãe e avó materna, Wieselberg aprendeu a conviver com a enfermidade.

Congresso da Federação Internacional de Diabetes em Abu Dhabi, dezembro de 2017/Imagem: Divulgação IDF

Jovem, se interessou pelos estudos e pesquisas científicas acerca do diabetes e novos tratamentos. Mas apenas 18 anos após o diagnóstico, surgiu a vontade de ajudar outros. “A motivação veio após a morte de uma ex-namorada, em 2011, devido a uma cetoacidose. Percebi que não adiantava eu cuidar apenas de mim, outras pessoas precisavam do mesmo cuidado”, afirmou o médico.

A cetoacidose é o acúmulo, na corrente sanguínea, de cetonas provenientes da queima prolongada de gordura, comum em um organismo em estado grave de hiperglicemia. Ela acomete, principalmente, pessoas com diabetes tipo 1 que tiveram o sistema imunológico enfraquecido por uma infecção, fizeram mal uso de insulina ou ainda não haviam sido diagnosticados com diabetes.

Em 2016, Wieselberg conduziu uma pesquisa em praças e estações de metrô conferindo a altura, peso, glicemia, pressão sanguínea e circunferência abdominal dos entrevistados. Então, conforme a necessidade, orientou as pessoas a procurarem um médico e a adotarem hábitos saudáveis.

O projeto tentava suprir a escassez de dados sobre o diabetes e as síndromes metabólicas no Brasil. Um problema que, infelizmente, persiste. “Não houve melhora,” afirma Wieselberg. “Nossos dados ainda são insuficientes, muito em decorrência de falta de notificação. Dados do CREMESP (2017) indicam que, em São Paulo, 74% dos médicos recém formados não sabem diagnosticar diabetes – isso prejudica muito o cuidado”.

Em consonância com o tema de 2018, Wieselberg valoriza o papel da família, sobretudo no trato de crianças. Para ele, a área de saúde pode, inadvertidamente, contribuir para o problema ao supervalorizar a doença e criar uma redoma para a criança com diabetes. O apoio familiar entraria para combater esse excesso.

“A família precisa preparar a pessoa com diabetes para enfrentar os desafios, não como coitadinho ou excluir da dieta e de situações de convívio. A família pode ser parte da solução, mas com o suporte inadequado pode tornar-se parte do problema”, defende.

Onerosa para a família e cofres públicos - No Brasil, há cerca de 12 milhões de adultos com diabetes, o equivalente à população da cidade de São Paulo. Segundo um levantamento da Universidade de Gottingen (Alemanha) e King’s College (Grã-Bretanha), em 2015, o Brasil gastou aproximadamente R$ 190 bilhões com despesas relacionadas ao diabetes. No entanto, tratamentos mais eficazes e modernos continuam longe das mãos de pacientes de baixa renda. Como, por exemplo, o sensor lançado em 2016 pela Abbott Diabetes Care Inc que dispensa o teste diário com lancetas para medir a taxa de açúcar.

Após aplicado no braço, o sensor e o aparelho leitor monitoram as variações glicêmicas e geram gráficos de histórico e tendências do organismo do paciente. Munidos desses dados, médicos podem adequar as doses de medicação e verificar a eficácia da mudança de hábitos para o quadro específico de cada paciente. O leitor custa R$ 239,90 e os sensores, que possuem validade de 14 dias, aproximadamente R$ 479,80 por mês; um investimento incompatível com a situação financeira da maioria da população.

Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD)-2017, 50% dos brasileiros recebem menos que 1 salário mínimo (R$ 880 na data da pesquisa). Nas regiões Norte e Nordeste, a renda média é de R$ 772, valor que sequer cobre o custo da insulina. A diretora da Sociedade Brasileira de Diabetes, Karla Melo, estima que a medicação custe entre R$ 500 e R$ 800 por mês.

O Sistema Único de Saúde é encarregado de fornecer insulina gratuita para a população. No entanto, nos últimos anos, pacientes baianos têm dificuldade de adquirir o serviço.

Imagem: Jefferson Hora

Salvador - Segundo o Ministério da Saúde (MS), com 6,6%, a cidade de Salvador é uma das capitais com maior percentual de pessoas com diabetes no país. Entre as mulheres, a situação é ainda mais grave, atingindo 8% da população. Em 11 anos, a enfermidade cresceu 45,4%, a menor taxa das capitais nordestinas entre mulheres.

Na Bahia, não só a enfermidade cresce de maneira assustadora, como também o número de ações judiciais. Segundo o estudo “Acesso ao tratamento da diabetes na Bahia:  Por que se recorre ao judiciário?” de Erick Lisboa, Instituto de Saúde Coletiva da UFBA, entre 2010 e 2013, foram impetradas 154 ações solicitando o fornecimento público de medicamentos para o diabetes, em especial as insulinas análogas (91%).

Segundo a Associação Nacional de Atenção ao Diabetes (ANAD), as insulinas análogas são: “preparados de insulina fabricados segundo técnicas sofisticadas de bio-farmacologia, cujas moléculas apresentam modificações estruturais em relação à insulina humana nativa”. As análogas produzem efeitos de longa duração no organismo quando comparadas às de ação rápida (regulares) e as de ação intermediárias (NPH). Por produzirem efeitos mais previsíveis, elas reduzem o risco de hipoglicemias noturnas.

Na Bahia, a recorrência à Justiça foi motivada, majoritariamente, pela insuficiência financeira dos pacientes para adquirir essa medicação. Segundo o estudo: “Prevaleceram autores do sexo feminino (51,9%), de faixa etária maior que 60 anos (27,2%) e com renda mensal de até um salário mínimo (38,3%)”.

Em 2017, após muito empenho de associações de pacientes e entidades como a Sociedade Brasileira de Diabetes e a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), o Sistema Único de Saúde (SUS) incorporou as insulinas análogas de ação rápida para o tratamento de diabetes tipo 1.

*Estudante do curso de jornalismo da Faculdade de Comunicação e repórter na Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *