Seja um ônibus espacial ou um celular, todos são compostos por materiais diversos e, atualmente, a química dos materiais tem foco nas necessidades que você tem e no desenvolvimento de materiais que atendam essa sua necessidade. Para saber mais sobre o tema, o pesquisador e professor do Intituto de Química da UFBA, Marco Malta, nos conta mais sobre o tema, em entrevista realizada pela Agência de Notícias Ciência e Cultura UFBA Malta é doutor em Química (Físico-Química) pela Universidade de São Paulo e atualmente é Professor Adjunto na Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de eletroquímica e química de materiais, atuando principalmente na aplicação de ultra-som na síntese de nanomateriais, interação de nanopartículas metálicas com estruturas biológicas, biomimetismo, eletroquímica e armazenamento/conversão de energia
POR GIOVANNA HEMERLY*
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Ciência e Cultura – O que é a química dos materiais?
Marcos Malta - Os materiais são um conjunto de substâncias que podem ser manipuladas pelo homem para determinado fim de utilidade. Então a química dos materiais é uma parte da química que estuda o desenvolvimento dessas substâncias para diferentes tipos de aplicação, como desenvolver materiais para a construção de um ônibus espacial, por exemplo. Aliás, se você for analisar o ônibus espacial, é possível perceber que ele tem diferentes tipos de material envolvidos: o metal, a parte de baixo dele é constituída por cerâmica, que é um material que suporta elevadíssimas temperaturas que o metal não suportaria, etc. Então, o objetivo da química dos materiais é esse: desenvolver materiais que tenham as mais diferentes aplicações no mundo de hoje.
Ciência e Cultura - O que te motivou se especializar nos estudos da química dos materiais?
Marcos Malta – O que me motivou foi o meu trabalho de pós-graduação que eu fiz em São Carlos (na Universidade Federal de São Carlos – UFSCar). Eu não tinha nada que me dizia durante a graduação que eu seria levado a trabalhar na química de materiais. Até que quando eu fui para São Carlos, tinha uma série de linhas de pesquisas, e eu achei que eu poderia trabalhar muito bem na área de polímeros, um tema muito interessante dentro da química dos materiais.
Ciência e Cultura - Quais são as aplicações práticas da sua área de estudo?
Marcos Malta - Imagine um celular. Ele é composto de diferentes tipos de materiais, como plástico, que é um material leve, você não usaria um ferro por exemplo porque é um material denso, pesado. Ele é constituído de vidro também, mas esse vidro tem que ser condutor para que permita visualizar as imagens enquanto utiliza um sistema de tela sensível ao toque. Hoje a química dos materiais tem foco nisso: nas necessidades que você tem e no desenvolvimento de materiais que atendam essa sua necessidade.
Ciência e Cultura - Existe relação entre o desenvolvimento de materiais e a história da humanidade?
Marcos Malta - A história do ser humano está muito relacionada com o desenvolvimento de materiais. Então a gente começou lá trás, quando o ser humano usava os ossos como matéria prima, depois a pele, madeira, pedra, até começamos a utilizar metais. A nossa relação com os materiais já vem acontecendo a um longo tempo e o nosso desenvolvimento teve o acompanhamento de desenvolvimento de materiais. Quanto mais sofisticada era uma civilização, maior era o seu domínio sobre os materiais.
Ciência e Cultura - Qual a relação entre ciência dos materiais e nanotecnologia?
Marcos Malta - Nós químicos estávamos acostumados a manipular diferentes tipos de átomos para construir materiais. Por exemplo, se você pegava uma cadeia apenas de átomos de carbono e hidrogênio, você tinha um material. Se você substitui o hidrogênio pelo átomo de cloro você formava o PVC (Policloreto de polivinila ou policloreto de vinil), que já mudava radicalmente as propriedades químicas do material. Hoje você já não precisa mais manipular diferentes tipos de átomos para construir materiais com propriedades diferentes, você manipula o tamanho deles. Isso faz parte da área que chamamos de nanotecnologia.
Se você pegar dois átomos de ouro, e analisar, irá ver que os dois possuem as mesmas propriedade físicas e químicas. Quando você junta muitos átomos de ouro e forma o material ouro, seja uma pepita ou uma tonelada, apresentará o mesmo ponto de fusão e o mesmo ponto de ebulição. Só que há mais ou menos 50 anos atrás foi descoberto que, se você manipula o ouro numa escala nanométrica (10−9m), ele não apresenta mais a propriedade de conduzir eletricidade, ele passa a apresentar uma coloração avermelhada e pode realizar reações catalíticas. Ou seja, quando a gente controla o tamanho das partículas, é possível chegar a propriedades diferentes do que aquele material no tamanho que a gente chama de “macroscópico”, que é possível enxergar.
Ciência e Cultura - Qual a contribuição da ciência dos materiais para os avanços tecnológicos das últimas décadas?
Marcos Malta – Hoje tudo está relacionado com a miniaturização. Os rádios da época dos nossos avós eram enormes, mas com o passar dos anos, o tamanho dos aparelhos foram diminuindo cada vez mais. Aí, dos rádios, a gente viu que era possível armazenar músicas em dispositivos de mp3, então esses dispositivos foram diminuindo também. Mas não só o tamanho foi diminuindo, mas a capacidade de armazenamento foi aumentando. Hoje você pode armazenar um milhão de músicas em um dispositivo compacto. Mas para isso, é preciso desenvolver novos materiais que apresentam características diferentes dos materiais mais antigos. Ou seja, o desenvolvimento tecnológico está intimamente relacionado com o desenvolvimento de novos materiais.
Ciência e Cultura - O que são os novos materiais?
Marcos Malta - Novos materiais ou materiais avançados, são aqueles que apresentam propriedades diferentes das usuais é, os nanomateriais, entram nessa definição. Por exemplo, o ouro era considerado até alguns anos atrás, um material inerte. Mas quando se reduz o ouro a partículas bem pequenininhas, ele pode apresentar propriedades diferentes, como promover reações de catálises. Outro exemplo é quando você pega um fungo e deposita nanopartículas de ouro nele, você forma tubos. Quando calcina esse fungo e elimina a parte biológica, o que sobra são estruturas que lembram a morfologia dos fungos, mas não é fungo. E qual a diferença desses tubos para uma pepita? A área superficial dos tubos é muito mais avançada do que o ouro comum. Então esses materiais apresentam características diferentes do material ditos convencional.
Ciência e Cultura - A utilização dos novos materiais pode reduzir custos?
Marcos Malta - Você sabia que a gente já sabe como construir um elevador espacial? O que seria um elevador espacial? Seria ter um satélite em órbita já estacionária ligado por um cabo até a superfície da Terra. E a gente já sabe até o material necessário para fazer isso, que é o nanotubo de carbono, que seria um material super resistente e muito leve. Em tese poderíamos construir um elevador espacial, desde que tivéssemos nanotubos de carbono que não tivesse defeito nenhum e desde que a gente pudesse sintetizar esses nanotubos até atingir uma órbita já estacionária. Só que a gente não sabe ainda como construir um cabo ultra longo de nanotubo de carbono. Mas sabemos que ao construir esse elevador espacial, a gente baratearia muito as viagens até acima da estratosfera, pois não seria preciso mandar foguetes e queimar combustível.
Ciência e Cultura - Você considera que na área da química dos materiais os avanços estão ameaçados?
Marcos Malta - Não só na área da químicas dos materiais, mas toda pesquisa básica ou aplicada está ameaçada. Porque aqui no Brasil a maior parte dos recursos para pesquisa feitas na universidades vem do governo federal. Nós não temos a cultura de empresas patrocinarem as pesquisas. Então, quando o governo faz os cortes, deixa todo mundo numa situação muito ruim, uma situação miserável de se trabalhar. Tanto que quem tem a oportunidade de trabalhar fora, está saindo do país. A gente já está observando pesquisadores trocando Brasil por outros países. Além disso, o investimento que a gente não está recebendo hoje está impactando as gerações futuras. Os nossos alunos de pós-graduação, são quem realmente põem a mão na massa, que levam a pesquisa adiante. Se não tem dinheiro para eles fazerem o trabalho, qual é o sinal que você está dando para essas pessoas? Que não vale a pena fazer ciência. E aí daqui a dez anos a gente ainda vai sentir o impacto.
Ciência e Cultura - Durante o processo histórico da humanidade, passamos pela “Era da Pedra Lascada”, “Era da Pedra Polida”, entre outras. E diante do frequente uso de polímeros nos dias atuais, podemos dizer que vivemos hoje a “Era do Plástico”?
Marcos Malta - Infelizmente. A questão é que a maior parte do plástico vem do petróleo, ou seja, já temos um grande problema de impacto ambiental. Aí vem outro grande problema que é a questão da decomposição, pois a maior parte dos plásticos não se decompõe fácil. Só que este material é fundamental nos dias de hoje. Então é aí que entra a importância da ciência dos materiais: tentar desenvolver materiais que estejam em consonância com os preceitos de sustentabilidade, pois temos que desenvolver materiais que sejam mais fáceis de degradar e que possam ser reciclados. Os átomos nos nosso planetas são finitos, a gente não consegue extrair as coisas indefinidamente. Com o tempo haverá o esgotamento.
Ciência e Cultura – Quais os principais desafios da ciência dos materiais nos dias de hoje?
Marcos Malta - O principal desafio para os químicos de materiais hoje, além de ter que desenvolver materiais com diferentes propriedades para diferentes tipos de funções, é desenvolver materiais que possam ter uma utilidade prática e que possam ser reciclados com facilidade, ou seja, é você conseguir construir um eficiente dispositivo utilizando diferentes materiais e, no final do uso desse dispositivo, você conseguir recuperar o material para reciclagem e não simplesmente descartar. Pois, hoje, uma questão fundamental para nossa sobrevivência no planeta é tentar diminuir os impactos causados pela nossa evolução. Porque nossa casa é aqui e os nossos recursos são limitados, então usar e descartar, daqui a cem anos será algo inconcebível.
*Estudante do curso de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura UFBA