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Atualizado em 27 DE março DE 2020 ás 14:35

Novo Coronavírus: o que já foi verificado até agora?

Dez semanas após o anúncio da COVID-19 pelas autoridades chinesas, cientistas e especialistas da área da saúde continuam na jornada para entender a pandemia através de pesquisas e vigilância

GIOVANNA HEMERLY*
gihe296@gmail.com

O primeiro caso de óbito pelo Novo Coronavírus – COVID-19, registrado no Brasil, foi de um homem da cidade de São Paulo pertencente ao grupo de vulnerabilidade: tinha mais de 60 anos, era diabético, hipertenso e sofria de hiperplasia prostática. O acompanhamento do caso possibilitou que médicos e pesquisadores da saúde perceberem que o tempo de incubação do vírus é inferior a 14 dias, período recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e que os quadros clínicos mais graves se espalhavam em maior velocidade.

Profissionais da saúde e representantes de órgãos públicos estão reavaliando as medidas de contenção a serem tomadas no país com base nestas e outras observações, enquanto traçam o perfil da patologia, o que é essencial no combate à pandemia e ao pânico gerado pelo desconhecimento dessa nova doença. Enquanto isso, pesquisadores de diversas regiões do mundo estão realizando estudos desde o anúncio das autoridades chinesas no início do ano sobre o novo coronavírus.

Imagem: Giovanna Hemerly

Vale ressaltar que muitas dessas pesquisas são apenas preliminares, ou seja, ainda não são conclusivas e nem foram testadas ou validadas por outros pesquisadores, já que o objetivo destas publicações é auxiliar no desenvolvimento mais ágil de estratégias eficientes  para a contenção da pandemia e não para prática clínica imediata. Então, veja a seguir o que algumas dessas pesquisas já verificaram sobre a COVID-19.

Origem - Muito tem se especulado sobre a origem do novo coronavírus, inclusive teóricos conspiracionistas têm difundido a ideia do vírus ter sido criado artificialmente em laboratório. No entanto, no estudo A origem proximal do SARS-CoV-2, publicado na revista científica Nature, pesquisadores não encontraram nenhum vestígio que torne válida a suposição do SARS-CoV-2, vírus da COVID-19, ser produto de manipulação intencional, mas sim resultado de seleção natural. Desta forma, o estudo coloca pelo menos duas possibilidades mais plausíveis para o surgimento do vírus.

A primeira, mais difundida pela comunidade científica, indica uma origem a partir da mutação da proteína, denominada spike, durante uma transmissão de animal para ser humano, que facilitou a ligação desses seres à receptores ACE2, enzimas conversoras presentes em células epiteliais do corpo humano. Neste caso, a fonte de transmissão seriam morcegos ou pangolins malaios (Manis javanica) vendidos no mercado de animais exóticos de Huanan, na cidade chinesa de Wuhan. Já a segunda possibilidade é que tenha ocorrido a adaptação do SARS-CoV-2 já durante a transmissão entre humanos, após a transferência zoonótica (de animal para ser humano).

Imagem: Giovanna Hemerly

Medicamentos - Nesta última quinta-feira, 19, a Organização Mundial da Saúde revogou o pedido de suspensão dos remédios que tem como base o Ibuprofeno. A recomendação sobre evitar o uso do fármaco, comumente utilizado para inflamações, dores e febres, era medida preventiva dos possíveis efeitos negativos no organismo de pessoas infectadas, relatado pelo ministro da saúde francês, Olivier Véran, com base no estudo Are patients with hypertension and diabetes mellitus at increased risk for COVID-19 infection? (Os pacientes com hipertensão e diabetes mellitus estão em maior risco de infecção por COVID-19?), ainda em andamento, sem conclusões científica até o momento. No entanto, o Ministério da Saúde no Brasil ainda mantém a recomendação de restrição com relação ao Ibuprofeno e a sua substituição por outros analgésicos e antitérmicos, como o Paracetamol e a Dipirona.

O estudo preliminar citado pelo ministro Luiz Henrique Mandetta também chama a atenção para os medicamentos corticoides, utilizados em pacientes com problemas crônicos, como asma, lúpus, alergias e artrite reumatoide. De acordo com os pesquisadores, a preocupação é que esses remédios imunossupressores, ou seja, que reduzem a ação do sistema imunológico no organismo, poderiam deixar o corpo mais vulnerável às infecções do SARS-CoV-2. Porém, como também não há dados científicos que confirmem essa proposição, entidades europeias têm se manifestado contra a interrupção do uso de medicamentos diante da necessidade de mais pesquisas. A indicação é que pessoas que fazem tratamento com esses remédios devem entrar em contato com um médico especialista para avaliação, e nunca substituir qualquer medicação ou interromper o tratamento sem orientação médica.

Imagem: Giovanna Hemerly

Já com relação a cloroquina e hidroxicloroquina, remédios utilizados no tratamento de malária e lúpus, outra pesquisa em desenvolvimento relatou resultados positivos no uso para tratamento do Novo Coronavírus. Diante do sumiço desses medicamentos nas farmácias brasileiras e do uso indiscriminado pela população, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) já anunciou que os remédios agora estão sob controle especial, só podendo ser adquiridos com receita médica.

Contudo, o presidente Jair Bolsonaro anunciou que pretende ampliar a produção de cloroquina e hidroxicloroquina no Brasil para o tratamento da COVID-19, ainda que estes medicamentos estejam em fase de testes para essa finalidade. Durante o pronunciamento, não foram citado os efeitos colaterais graves que podem ser proporcionados pelo uso dos fármacos, como arritmia cardíaca, convulsões, erupções na pele e problemas de visão. Recentemente, a cidade de Lagos, na Nigéria, registrou dois casos de intoxicação por cloroquina.

Diante disso, a Anvisa reforçou em nota que “Para a inclusão de indicações terapêuticas novas em medicamentos, é necessário conduzir estudos clínicos em uma amostra representativa de seres humanos, demonstrando a segurança e eficácia para o uso pretendido”.

Quarentena e distanciamento social - Essas medidas são as mais antigas e as mais eficientes diante de casos urgentes, nos quais há necessidade de maiores estudos e que ainda faltam estratégias farmacológicas comprovadas para o tratamento. É o que diz o artigo Isolation, quarantine, social distancing and community containment: pivotal role for old-style public health measures in the novel coronavirus (2019-nCoV), publicado na revista científica Journal of Travel Medicine, da Universidade de Oxford. Porém, pesquisadores também avaliam o desafio atual de adotar as medidas por esbarrar em questões que envolvem impactos socioeconômicos, conflitos políticos e direitos humanos.

Em países da Ásia e da Europa, a quarentena já vem sendo adotada de forma compulsória. Na China, pesquisadores constataram que os bloqueios nas fronteiras da cidade de Wuhan, epicentro inicial da doença, proporcionaram taxa de crescimento significativamente reduzida e aumento do tempo de duplicação de casos, o que permitiu que o sistema de saúde do país ganhassem tempo para criar estratégias, como criação de hospitais temporários para o combate da pandemia no território por exemplo.

Já na Itália, a taxa de morte por COVID-19 tem alcançado número alarmantes. Só no último sábado, 793 mortes foram registradas no país em um período de 24 horas, o mais alto número até agora. A não realização de testes em pessoas com grau leve da doença tem sido apontada como uma das possíveis causas, além da demora inicial na identificação dos casos. Atualmente, a China está dando apoio a Itália, oferecendo profissionais para assistência médica, com base nas experiências de contenção da epidemia realizadas no país asiático.

Imagem: Giovanna Hemerly

No Reino Unido, o primeiro-ministro Boris Johnson deu início às medidas para restringir aglomerações e, assim, tentar evitar o colapso no Serviço Nacional de Saúde (NHS, na sigla em inglês). Já foram registrados em toda a região mais de 280 mortes, porém ainda há uma estimativa feita por pesquisadores da Imperial College de Londres de que esse número chegue 250 mil mortes, caso as medidas de isolamento e quarentena não incluam toda a população. Há algumas semanas, o primeiro-ministro tinha como proposta uma medida, sem apoio científico, de “imunidade de grupo”, na qual os jovens britânicos seriam expostos a pandemia para adquirirem resistência ao vírus.

Apesar do nome, atualmente a quarentena da COVID-19 não tem duração de 40 dias, sendo inicialmente proposto um prazo de 14 dias de isolamento, que agora foi reduzido para um intervalo médio de sete a dez dias. O nome, quarentena, tem origem na Itália do século XIV, período de epidemia da peste negra. Na época, exigia-se dos navios vindos de fora um tempo de incubação de quarenta dias, no qual estes ficavam ancorados no mar para que seus passageiros com infecção assintomática apresentassem os sintomas. A medida também foi um sucesso na contenção da epidemia de SARS, em 2003.

Gestantes e crianças - Pesquisadores ficaram surpresos ao perceberem que crianças e gestantes, uma das preocupações iniciais dos especialistas por geralmente fazerem parte do grupo de vulnerabilidade, não são maioria entre os casos mais graves da doença. Não se sabe ainda exatamente o porquê, mas crianças têm sido menos afetadas do que adultos. Dados divulgados na revista científica de medicina Journal of the American Medical Association (Jama) do relatório feito pelo Centro Chinês para prevenção e controle de doenças (CDC) afirmam que menos de 1% dos casos eram em crianças com menos de 10 anos e não houve registro de óbitos.

Imagem: Giovanna Hemerly

O The New England Journal of Medicine também publicou uma pesquisa feita com crianças com suspeita de contágio sintomático e assintomático, tratadas no Hospital Infantil de Wuhan, único escolhido pelo governo chinês para atender pessoas infectadas com idade inferior a 16 anos. Mil trezentos e noventa e uma (1.391) crianças foram acompanhadas durante o período de 8 de janeiro a 26 de fevereiro, sendo que 12,3% delas apresentaram testes positivos. Dessa amostra, apenas três crianças (1,75%), que possuíam outras comorbidades como leucemia, intussuscepção e hidronefrose, apresentaram quadros clínicos graves. A criança de dez meses que sofria de intussuscepção, além da infecção por COVID-19, veio a óbito.

Até o momento estudos não indicaram evidências de que o Novo Coronavírus cause abortos ou seja transmitido de mãe para filho, diferente dos casos do H1N1, no qual essa população apresentava quadros clínicos mais graves. A pesquisa Bebês nascidos de mães com um novo coronavírus (COVID-19), feita por médicos chineses com quatro mães infectadas pela COVID-19, apontou que, após o parto, três crianças apresentaram teste negativo para doença. Não foi possível examinar a quarta criança pois não houve permissão dos pais. Já outra pesquisa Características clínicas e potencial de transmissão vertical intra-uterina da infecção por COVID-19 em nove gestantes: uma revisão retrospectiva de prontuários, divulgada na revista científica de medicina The Lancet, apontou que os testes feitos com nove gestantes infectadas e as nove crianças recém nascidas, não apresentou evidências de transmissão de mãe para filho. Também não houve registro da presença do vírus no líquido amniótico, no sangue do cordão umbilical ou no leite materno.

Imagem: Giovanna Hemerly

Animais domésticos - Até agora, dois casos de animais domésticos foram registrados pelo Departamento de Agricultura, Pesca e Conservação de Hong Kong . O primeiro caso foi de um cão da raça lulu-da-pomerânia diagnosticado com a COVID-19 após seu dono contrair a doença. Entretanto, o teste acusou um baixo nível de infecção e o animal, que tinha 17 anos, não apresentou sintomas relevantes. O  lulu-da-pomerânia foi colocado em quarentena e, após os 14 dias, novos testes foram feitos, que acusou negativo.

Contudo, na semana passada, o animal veio a óbito, mas os médicos veterinários afirmaram que a causa não foi o Novo Coronavírus, e sim a idade avançada do pet, além da ansiedade gerada pelo isolamento da quarentena somados aos problemas crônicos. Já o segundo caso foi de um cachorro da raça pastor-alemão que está sendo monitorado em quarentena domiciliar.

A Organização Mundial da Saúde Animal (OIE, na sigla em inglês) recomenda que pessoas infectadas não mantenham contato com animais, apesar de não ter sido registrados ainda casos de transmissão do novo coronavírus de animais domésticos para humanos. Além disso, nesses casos é Importante não abandonar o animal, mas deixar aos cuidados de terceiros, que deverão também manter regularmente as práticas gerais de higiene.

O que se sabe até agora é que existem outros integrantes da família Coronavírus que infectam mamíferos domésticos: o coronavírus canino (CCoV), que causa diarréia leve em cachorros, e o coronavírus felino (FCoV), que ocasiona a peritonite infecciosa felina, uma infecção que pode ser fatal para os gatos. Até o momento também não foram registrados casos de transmissão desses vírus em seres humanos.

Números - Até o fechamento desta matéria, pelo menos 23 mil mortes foram registradas no mundo. No Brasil, 2.991 casos foram confirmados e 77 mortes. Na Bahia, os casos confirmados subiu para 108, mas até o momento não houve registro de óbitos decorrentes da doença no estado.

*Estudante do curso de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da UFBA e repórter da Agência de Notícias em CT&I – Ciência e Cultura

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