Newsletter
Ciência e Cultura - Agência de notícias da Bahia
RSS Facebook Twitter Flickr
Atualizado em 3 DE setembro DE 2024 ás 15:12

A AGN marcou presença na edição de 20 anos do ENECULT

A Agência de Notícia em CT&I (AGN) acompanhou as discussões das mesas “Guerras Culturais”, “Plano Nacional de Cultura” e “50 anos do Mafro”

Por Andresa Correa, Larissa Lima, Manoela Santos e Nauan Sacramento

A Agência de Notícias esteve presente na 20ª edição do Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (ENECULT), realizado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), por meio do Centro de Estudos Multidisciplinares (CULT). Entre os dias 19 e 24 de agosto, o evento contou com mesas de debates e Grupos de Trabalho (GT’s) remotos e presenciais, além de lançamentos de livros. “Ser realizado vinte vezes consecutivamente não é uma realidade no Brasil. Deveria ser um modelo”, parabenizou João Cezar de Castro Rocha, pesquisador e professor da UERJ, no quarto dia do evento, no Salão Nobre da Reitoria, no Canela.

O evento, que é produzido com parceria do Pós-Cultura, IHAC, e FACOM, neste ano, discutiu sobre a importância da cultura como um lugar de combate. “Precisamos combater a intolerância, o racismo, a homofobia, a misoginia. E essas questões são muito importantes no plano da cultura. A cultura é um excelente ambiente de debate para que possamos superar certos aspectos da nossa sociedade, que ainda parecem promover a exclusão e a injustiça”, afirma o professor José Roberto Severino, pesquisador do CULT e integrante da Comissão de Programação do evento.

“O ENECULT é o mais importante evento que reúne pesquisadores em cultura do Brasil e, nesses vinte anos, tem se colocado como protagonista nesse sentido. Daqui surgiram vários fóruns importantes que discutem cultura em outros setores da sociedade, porque o Enecult acaba sendo o palco onde as pesquisas são apresentadas. É o lugar de troca, de conhecimento, de pesquisas e de atualização das nossas discussões”, completa Severino.

Essa edição foi um marco cultural e político, e teve a presença majoritária de mulheres na organização. Além disso, contou com apresentações artístico-culturais baianas, a exemplo da deslumbrante Zambiapunga – A artimanha nordestina de lidar com a morte, da Quadrilha Junina Forró do ABC, a mais antiga de Salvador em atividade e campeã do Concurso da Federação de Quadrilhas Juninas da Bahia de 2024.

A Forró do ABC abriu a programação da quinta-feira (22) e reafirmou a presença da cultura baiana no ENECULT, despertando o público para as discussões que viriam. “Dança que abraça todos os corpos e é feita da periferia, com gente da comunidade. É a primeira escola de arte de muita gente. A quadrilha junina precisa ser valorizada a cada dia”, ressaltou Leonardo Teles, coordenador de teatro e marcador da apresentação.

Confira as seguintes mesas que a AGN cobriu:

  • Guerras Culturais, na manhã de quinta-feira (22), na Reitoria;

A mesa contou com a mediação da professora e pesquisadora Ohana Boy (UFBA); a exposição de Letícia Cesarino (UFSC), professora de pós-graduação em Antropologia Social e assessora no Ministério de Direitos Humanos; de João Cezar de Castro Rocha (UERJ), professor de Literatura Comparada; e de Fabiano Piúba (UFC), secretário de Formação, Livro e Leitura do MinC e ex-Secretário de Cultura do Estado do Ceará. Como debatedor, Alexandro Barbalho (UECE).

A mesa discutiu sobre as disputas político-ideológicas ligadas à cultura que vemos em nossa sociedade, e seu impacto na democracia, nos direitos humanos e na diversidade cultural. Além disso, o modo como o uso inadequado das redes sociais fortalece esse cenário. Os convidados também abordaram sobre a estrutura política de nosso país e como a algoritmização das redes fica mais evidente nesse campo, tema pertinente frente ao início do processo eleitoral.

Confira os destaques do debate:

O debatedor Alexandre Barbalho fez as seguintes provocações depois da primeira rodada de exposições: Porque em 2024 ainda estamos discutindo sobre guerras culturais? Quais são as especificidades dessa guerra hoje, já que o conceito se iniciou no século passado?

João Rocha, autor do livro Bolsonarismo: da guerra cultural ao terrorismo doméstico (Belo Horizonte: Autêntica, 2023), expôs como a guerra cultural é uma “máquina de produzir narrativas, baseadas em fake news, e produzir inimigos em série, pela rejeição radical do outro.” Foi aclamado, também, que a Justiça Eleitoral tenha uma serenidade próxima ao tempo eleitoral, no âmbito do uso das tecnologias. Rocha explicou que é preciso ter uma “atenção, compreensão e percepção” do tempo pelo digital, e como os jovens são os mais inseridos nesse contexto.

Letícia Cesarino, autora de O mundo do avesso – Verdade e política na era digital (São Paulo: Ubu Editora, 2022), introduziu o conceito de metapolítica, que evidencia o crescente uso das redes, por parte de muito candidatos, para se favorecerem, querem “disputar pelo todo”, ocorrendo uma “privatização do público” através do espaço digital. Cesarino evidenciou que o crescente uso das redes para fins antidemocráticos dá origem a um espaço paralelo, com elementos desestabilizadores que ocorrem fora da institucionalidade democrática.

“Acho que a guerra é isso mesmo: a gente descobrindo como adiar o fim do mundo”, afirmou Fabiano Piúba, ao citar Ailton Krenak.



Para assistir na íntegra, clique aqui.

  • Desafios para o novo Plano Nacional de Cultura, na manhã de sexta-feira (23), na Faculdade de Comunicação (FACOM);

A mesa foi mediada por Sophia Rocha com a exposição de Roberta Martins, Secretária dos Comitês de Cultura do Ministério da Cultura (MinC), socióloga, educadora e gestora cultural; de Guilherme Varella, professor da Faculdade de Comunicação da UFBA e autor do livro ‘Plano nacional de cultura: direitos e políticas culturais do Brasil’; de Fernanda Morgani, produtora cultural e conselheira do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC); e, Sofia Mettenheim da Coordenação Geral de Projetos Estratégicos do MinC.

Em 2024, ocorre a finalização da vigência do atual Plano Nacional de Cultura, instrumento que orienta o poder público na formulação de políticas culturais. A mesa discutiu sobre o  processo de construir um novo plano para os próximos 10 anos, levando em conta os desafios e as perspectivas para a sua formulação e implementação, considerando as demandas atuais da sociedade brasileira.

Confira os destaques do debate:

Roberta Martins abriu a mesa afirmando que “é inegável que a participação social deve ser um fio condutor” e ressaltou a importância do olhar das pessoas que compõem os conselhos culturais do país em relação às políticas culturais. Como primeira Secretária do Comitê de Cultura, ela apontou as responsabilidades de regulação legislativa, animação, divulgação e estimulação da participação social  do Sistema Nacional de Cultura na construção do Novo Plano Nacional. Para Martins, então, as discussões partem das reflexões sobre como o Estado Brasileiro se organiza e se estrutura. Além disso, leva em conta a participação da sociedade civil e de como elas se tornam permeáveis, para uma ampliação da participação nos debates.

A ideia de que o novo plano deve ser pensado e construído de forma conjunta entre a sociedade civil e a categoria governamental continuou a guiar a conversa. Essas políticas não podem ser construídas de forma isolada do contexto histórico geral que vivemos, tão pouco se separa das medidas estruturantes que entrecruzam a área cultural, como a estabilidade econômica nacional.

Ela afirmou que “a realização da cultura é feita pelos territórios e pela comunidade, deve ser permeada por muitas vozes e muitas perspectivas. Fundamentalmente não pode ser pensada de forma separada do contexto.”, a ideia foi compartilhada por Sofia Mettenheim que trouxe a perspectiva de como o plano deve ser organizado, de maneira que o controle social se identifique e tenha nitidez para saber em quais metas devem se agarrar. “Metas pela qual a sociedade civil sinta que vale a pena lutar”, reforça Sofia.

Sistematização do Plano Nacional

O Plano Nacional está na sua fase de sistematização, organização das 30 propostas bases vindas de conferências estaduais e municipais, que viraram o “coração” para pensar a consolidação do plano com as diretrizes e  princípios, além de identificar os objetivos e metas para transformar o plano em um instrumento de planejamento efetivo. Após a formulação base, o plano volta à discussão para saber se a sociedade civil ainda se identifica, se existem furos ou lacunas, e então, após a consolidação, é encaminhado para o Congresso Nacional em forma de Lei.

Segundo Sofia, o fomento cultural se moldou e cresceu atrelado aos recursos dos editais culturais. Ela considera que o marco desse novo plano é a exigencia dos tempos atuais de um posicionamento mais intencional da política cultural “para fazer frente a violências e desigualdades históricas, estruturantes da sociedade brasileira e como a política cultural incide nelas.”

Para Fernanda Morgani, a sociedade tem o papel fundante e estruturante para a criação de políticas culturais. A produtora cultural declarou que está sendo desenvolvido um processo de simplificação de termos para amenizar o problema de representação limitada existente,  de forma que a sociedade como um todo possa entender o plano. Ela exaltou, entre alguns resultados da conferência nacional de cultura, o plano setorial de arquivos que se conecta com o plano nacional de educação, “a gente vivencia a cultura a partir do momento em que entramos na escola, que começamos a interagir com outras pessoas, e que nos reconhecemos como ser humano. Cultura é isso, nossa forma de ser e de se manifestar” .

Guilherme Varella reafirmou que o novo plano não é a atualização do anterior, e sim que vem como a síntese de todos os pontos trazidos como teses. Para ele, o plano dá sentido programático para os investimentos, e tem a oportunidade de mudar a cultura institucional de planos, devido a sua dupla função jurídica: garantia institucional, assegurando os direitos, e a função de lei quadro, que funda as premissas de atuação do estado.

“Todo sistema é programado, o sistema nacional de cultura é a arquitetura que o plano nacional sustentará.”  -  Guilherme Varella

Guilherme trouxe a perspectiva também da institucionalidade do campo cultural, diferente dos outros campos como o da saúde e o trabalhista. “Quando a gente fala de um instrumento de planejamento do estado, como é o plano nacional de cultura, estamos falando do limite de um mecanismo de concretização de direito.”

O professor reforça que os direitos são perenes e ativados pela própria mudança da organização, para ele, os direitos culturais dão o sentido constitutivo das instituições que vão ser responsáveis pelas políticas públicas. “Direitos culturais, não falando da sistematização e organização de demandas, as demandas são circunstâncias e podem mudar conforme a realidade cultural, e conforme a própria organização social da cultura.”

Confira na íntegra aqui.

  • Mesa “Mafro cinquenta anos (1974/2024): Tempo de história, ações e visadas aos acervos e às peças” (GT Patrimônios Culturais e Memória) – INCT NA FACOM

O Museu Afro-brasileiro da Universidade Federal da Bahia, Mafro, completou 50 anos e promoveu junto ao Grupo de Trabalho (GT) Patrimônios Culturais e Memória, a mesa “Tempo de história, ações e visadas aos acervos e às peças”. A programação realizada no auditório da Facom, iniciou com a presença do professor  José Roberto Severino (UFBA), e teve apresentações dos trabalhos “A criação do museu afro-brasileiro e a formação de sua coleção de cultura material religiosa afro-brasileira”, por Juipurema Sandes (MAFRO/UFBA); “Exposição educadora: revisitando o conceito”, por Marcelo da Cunha (UFBA) , que também coordenou a mesa; “A documentação do museu afro-brasileiro da UFBA”, por Ilma Vilasbôas (MAFRO/UFBA) e o “Estudo sobre o mural dos Orixás: Carybé faz festa na barriga de Iemanjá”, por Waldelice Souza (UFRJ – MAFRO/UFBA).

O Mafro é sediado em Salvador, possui um acervo de mais de 1100 peças entre material de cultura africana e afro-brasileira, criado em 1974, e inaugurado em 1982. Os expositores apresentaram a história  de criação do museu, a composição cultural das peças, a relação com a cidade, os dados, as formas de organização do acervo por análises partindo dos trabalhos apresentados na tarde desta sexta-feira.

Confira os destaques do debate:

Juipurema Sandes abriu o debate contando a história do museu,  a partir da chegada das obras e da criação dos acervos. Sandes dividiu a  formação da coleção de cultura material religiosa afro-brasileira em quatro grupos de entrada, o primeiro de 1961, aquisições vinculadas ao CEAO – Centro de Estudos Afro-Orientais da UFBA; o segundo de 1975 até 1977, referente à assinatura do convênio com o Ministério das Relações Exteriores; o terceiro grupo de entrada de 1981, quando aumentou as aquisições para a coleção afro-brasileira, ainda haviam poucas doações; e por último a entrada de 1982 a 1992 quando as doações ganharam força com a comunicação entre os terreiros.

Ainda segundo Juipurema, todos os terreiros que fizeram doações de artefatos religiosos para o MAFRO tinham alguma relação entre si, propagando o entendimento do Museu como preservação de história. A instituição também recebeu  doações de artistas plásticos e  blocos-afros, de maneira que, enquanto até o ano de 1979 a maior parte da coleção era africana, em 1981 a maior parte já havia se tornado afro-brasileira.  “Quando a gente observar o processo de formação da coleção religiosa, a gente vai ver que ela é fruto do entendimento da comunidade e da importância do museu”, afirma Marcelo Cunha, coordenador do museu.

A museóloga Ilma Vilasboas contou sobre o aspecto de documentação do MAFRO, explicando o projeto existente de pesquisa e estudo sobre os documentos das peças recebidas durante esses anos pelo Museu Afro-brasileiro. Ilma explicou que o objetivo inicial da pesquisa era fazer um diagnóstico inicial para compreender o volume documental que compõe esse arquivo institucional do acervo, mas que se desenvolveu no objetivo de criar uma linha do tempo da documentação da instituição cultural.

“O objetivo de apenas traçar os documentos se ampliou para entender a memória do próprio setor” – Ilma Vilasboas

Vilasboas explicou a metodologia de pesquisa e mapeamento dessas informações, apresentou os pontos que estão sendo analisados neste processo e as diretrizes, que falam sobre o acervo. Como o artigo 40: “Os inventários museológicos e outros registros que identifiquem bens culturais, elaborados por museus públicos e privados, são considerados patrimônio arquivístico de interesse nacional e devem ser conservados nas respectivas instalações dos museus, de modo a evitar destruição, perda ou deterioração.” Menciona também  o código de ética profissional, exaltando a preservação e cuidados para com as peças do acervo.

Finalizou a sua fala apontando para ações como a elaboração de políticas e protocolos para o gerenciamento do museu como a criação de uma comissão de acervo, políticas de aquisição e de descarte/desvinculação. A museóloga afirmou a existência do projeto “Acervo Online”, um banco de dados digital para possibilitar o acesso às informações do levantamento sobre cada peça e a sua história.

Marcelo Cunha, em sua exposição da visão educacional do Museu afirmou que, ainda nos dias de hoje, o museu não é uma unidade, mas sim um lugar que emerge do mundo social, construído por meio de processos de aprendizagens, como um recorte da realidade construída. As exposições, segundo Marcelo, seriam o espaço privilegiado de observação do mundo social. “No imaginário coletivo, os museus existem para fazer exposições, mas os museus não existem para fazer exposições, as exposições são ferramentas que devem ser entendidas para comunicar”, afirmou.

Confira na íntegra aqui.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado Campos obrigatórios são marcados *