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Atualizado em 21 DE julho DE 2011 ás 23:40

Rejane Lira

Chefe do Departamento de Zoologia do Instituto de Biologia da Ufba fala sobre diversas atividades de pesquisa e extensão desenvolvidas pelo Núcleo Regional de Ofiologia e Animais Peçonhentos da Bahia (Noap). Além de produzir conhecimentos científicos voltados para o avanço das pesquisas sobre animais peçonhentos nas áreas de Distribuição Geográfica, Taxonomia e Epidemiologia de acidentes, núcleo propõe educar população

Por Alice Daltro*
lira2000@hotmail.com

Ciência e Cultura – Qual a trajetória e o objetivo do Noap?

Rejane Lira – O Noap é um grupo de pesquisa cadastrado no CNPq, criado em 1987 como laboratório de animais peçonhentos e reconhecido pelo Ministério da Saúde em 1992 como Núcleo de Ofiologia e Animais Peçonhentos. Seu objetivo é desenvolver atividades de pesquisa e extensão na área de animais peçonhentos e também dos não-peçonhentos, como o réptil lagarto, por exemplo.

Ciência e Cultura – Quais as linhas de pesquisa desenvolvidas no Noap?

Rejane Lira – Temos várias linhas de pesquisa. Uma é sobre a taxonomia e distribuição dos animais peçonhentos na Bahia. Este conhecimento ainda é muito incipiente, embora tenhamos dado um grande avanço neste sentido ao longo dos 24 anos de existência do Núcleo. Quando começamos, não sabíamos direito quais eram as espécies que existiam na Bahia nem onde elas estavam. Então este foi o nosso ponto de partida.

Outro grupo de pesquisa é sobre a História Natural dos Animais Peçonhentos. A história natural se caracteriza como o modo de vida dos animais, isso inclui a alimentação, reprodução etc. Dentro desta linha nós desenvolvemos vários trabalhos, entre eles a biologia reprodutiva de algumas espécies de serpentes, e algumas espécies de escorpiões e sobre o estudo da criação e manejo destes animais em cativeiro com vistas à produção de veneno.

Temos um banco de venenos, que é utilizado tanto para desenvolver pesquisas como também para a produção de soro a partir de doações, ou seja, quando enviamos para os laboratórios produtores como Instituto Butantan, Instituto Vital Brazil e Fundação Ezequiel Dias veneno de Surucucu, por exemplo, que é extremamente raro e que se não chegar até os produtores pode comprometer a produção e consequentemente a falta do soro para quem possa ser picado.

Outra linha de pesquisa que temos é sobre o veneno de algumas espécies de animais peçonhentos. A partir do banco de venenos, começamos a estudar e temos hoje bem caracterizado os venenos de Bothrops leucurus, conhecida como Jararaca-do-rabo-branco, de duas espécies de Corais (Micrurus lemniscatus e Micrurus ibiboboca) e temos relativamente bem caracterizado o veneno do escorpião Tityus serrulatus (escorpião-amarelo).

Dentro desta linha de pesuisa, acabamos de ter um projeto aprovado no edital da Caps de toxinologia que tem como objetivo formar pessoas na área dos animais peçonhentos e anti-venenos. Fizemos um trabalho em conjunto com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que é a instituição que está liderando o grupo, para o estudo e caracterização do veneno dos escorpiões do nordeste do Brasil.

Esse edital da Caps já é o resultado da Organização Mundial de Saúde (OMS) ter reconhecido, em 2010, os acidentes por animais peçonhentos como doenças negligenciadas. Estas são doenças que as informações existem, bem como o seu tratamento, porém não chegam a quem mais precisa, que são os acidentados que em sua maioria vivem no interior, e trabalhadores rurais e também as pessoas de classe baixa da capital. O tratamento, que é o soro, também não chega a quem mais precisa, apesar deste ser produzido no Brasil e ser considerado um dos melhores do mundo, além de ser distribuído gratuitamente.

Uma outra linha de pesquisa que temos é sobre o estudo epidemiológico e clínico dos acidentes por animais peçonhentos no nordeste do Brasil. Já temos vários trabalhos publicados, temos um conhecimento relativamente robusto sobre o perfil destes acidentes, principalmente os escorpiões, as aranhas (especificamente, a viúva-negra) e serpentes. Em 2009, nós publicamos uma edição especial da gazeta da Bahia, durante o workshop sobre animais peçonhentos, com vários trabalhos que já estavam sendo desenvolvidos sobre o estudo clínico e epidemiológico dos animais peçonhentos.

E temos ainda mais uma linha de pesquisa sobre educação. Sempre que se fala em animais peçonhentos é preciso lembrar que existe por uma parte da população uma demanda sobre este conhecimento. O acidente por animal peçonhento é muito comum na Bahia e no Brasil.

Ciência e Cultura – Existe na Bahia uma ação concreta por parte do governo do estado nesses casos?

Rejane Lira – O estado da Bahia apresentou o maior número de óbitos por acidentes de animais peçonhentos em 2008, 2009 e 2010. A Bahia não tem uma política pública de prevenção e controle dos acidentes por animais peçonhentos. Nem o governo do estado, as prefeituras, inclusive de Salvador, tem, dentro do seu quadro de vigilância em saúde, programas para controlar os acidentes por animais peçonhentos. E, principalmente, não tem programas de informação.

Ciência e Cultura – O que pode ser feito pelos pesquisadores no que se refere a prestar informações nesse campo?

Rejane Lira - Em função dessa demanda, temos essa responsabilidade com a parte expansionista do Noap, que se dá através de um programa nacional chamado: “Não Existem Vilões na Natureza”. Esse programa é realizado por várias instituições que trabalham com animais peçonhentos no sentido de divulgar informações científicas, pelo fato de existir muitas lendas e mitos, desde como se reconhece uma cobra venenosa ou não, que inclusive está em muitos livros didáticos, a partir do formato da cabeça ou da calda e nós já sabemos que esse conhecimento não é verdadeiro.

Ciência e Cultura- Quais são os mitos da população em relação a animais peçonhentos?

Rejane Lira - Existem muitas lendas de que “cobra mama”, que cobra corre atrás das pessoas, que grava o rosto das pessoas etc. Nós temos conhecimento de que estas lendas existem e fazem parte de um campo do conhecimento chamado de Etnozoologia. O problema está quando estas lendas interferem no tratamento do acidentado.

Ciência e Cultura- Como os mitos interferem no socorro as vitimas que sofrem picadas?

Rejane Lira – Muitas pessoas que chegam acidentadas no Hospital Roberto Santos já fizeram algum tratamento da medicina popular, ou seja, usam o chamado “garrote”. Isto é passado em filmes, em novelas e em programas que não são científicos, mas isso é uma medida que deve ser combatida por não ser eficaz para impedir que o veneno circule. Como a maioria dos acidentes é por Jararaca, que tem um veneno que degrada tecido, ocorrem muitas amputações de membros por conta desta medida errada. Existem outras medidas da medicina popular também, como cortar ou furar o local da picada, beber cachaça, colocar fumo no lugar e outras histórias que tem uma influência européia, indígena e africana que levam as pessoas a se prejudicarem.

Ciência e Cultura – Como levar informação contextualizada para essas populações?

Rejane Lira – Nós temos vários projetos, como a Rede de Zoologia Interativa, a Rede de Zoologia Viva, as palestras, os vídeos que nós produzimos, então ao longo do tempo, fomos montando vários materiais didáticos para auxiliar que esse conhecimento, tanto seja passado através de exposições nas escolas que nos solicitam, como também materiais que podem ser utilizados pelo professor. Também temos projetos como, “Os Bichos do Museu Vão À Escola,” um projeto educativo voltado mais para professores. A nossa demanda é muito grande, praticamnte todos os meses recebemos de três a quatro convites para participar de várias atividades como feiras de ciências, semana do meio ambiente, amostras e palestras.

“Acidentes por animais peçonhentos acometem pessoas pobres que não tem voz para exigir que elas tenham a informação devida, ao contrário da dengue que pode acometer qualquer pessoa”

Esse trabalho da muita visibilidade para o Noap, porque as pessoas sentem falta desse conhecimento que as Secretarias de Saúde deveriam estar provendo políticas de informação e não estão. Como existem muitas informações sobre a dengue e como não manter o mosquito em casa. A mesma política deveria ser mantida sobre como não manter animais peçonhentos em casa. E isso não é feito porque os acidentes por animais peçonhentos acometem pessoas pobres que não tem voz para exigir que elas tenham a informação devida, ao contrário da dengue que pode acometer qualquer pessoa.

Ciência e Cultura – Dentre as diversas atividades do Noap existe o Biota Bahia e a RedeZoo. O que são e quais os trabalhos que elas desenvolvem?

Rejane Lira – O Biota Bahia foi um projeto financiado pela FAPESB que teve início em 2008 e vai ser concluído em 2011 cujo objetivo é a produção de obras científicas, de vídeos e de um livro infantil sobre os animais peçonhentos. Em maio nós fizemos o lançamento do DVD com filmes sobre lagartos, serpentes, aranhas e escorpiões com o objetivo de divulgar para as pessoas o conhecimento regionalizado.  Isto porque muitos vídeos que existem são sobre serpentes do exterior que não nos interessam, porque não se pode utilizar esse conhecimento para a prevenção de acidentes na Bahia. Existia a carência por vídeos sobre os animais da Bahia, e foi o que nós procuramos fazer.

Alunos do curso de Especialização em Jornalismo Científico e Tecnológico da Ufba

O livro infantil foi escrito por estagiários, colaboradores, pesquisadores e contém histórias ilustradas e passatempos para que as crianças reconheçam a importância dos animais peçonhentos, seja ecológica ou para a saúde pública e que eles não fiquem na lista dos vilões. A outra produção são três livros que estão em fase final de elaboração sobre as serpentes, aranhas e escorpiões de importância médica na Bahia. Por fim, nós lançamos o site do Biota Bahia onde existe uma lista da fauna de répteis (jacarés, as tartarugas, as serpentes anfisbenas e os lagartos).

Antes do site não era possível encontrar uma lista das espécies de répteis na Bahia, então nós fizemos essa compilação que foi um trabalho muito complexo e muito árduo ao longo de três anos para soltar esta lista. Temos também a lista dos escorpiões e aranhas. Ao clicar na espécie o visitante terá oportunidade de abrir uma ficha catalográfica sobre o animal com a foto, o mapa e todas as informações sobre ele. E a RedeZoo, como já falei, é um projeto de popularização da biologia principalmente de animais peçonhentos, onde temos a ZooTeca, que são os jogos, a Zoologia Viva, que são terrários com os animais que são levados para as exposições, os ZooKits, que são os kits em resina onde as pessoas podem manusear os animais de perto e as palestras.

Integrantes do Projeto Ciência, Arte & Magia no Colégio Evaristo da Veiga

A Rede de Zoologia Interativa é o carro chefe das nossas atividades de extensão e todos os estagiários e bolsistas do Núcleo tem que participar deste projeto porque eles precisam sair da universidade, o que não é uma prática comum da maioria dos laboratórios.

*Estudande de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom

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