Proposta do estudo é orientar o desenho de políticas públicas municipais para a área
Por Inês Costal
costal.carol@gmail.com
Salvador tem boas vias de acesso ao município, mas os dados sobre mortalidade infantil e coleta de lixo doméstico são preocupantes, assim como o número de crianças com baixo peso ao nascer. Já em Cruz das Almas, há boas ações voltadas ao pequeno produtor, mas desempenho ruim em disponibilidade de água tratada. A relação entre tudo isso? Uma pesquisa da Universidade Federal da Bahia (Ufba) que usa essas informações para analisar a segurança alimentar e nutricional (SAN) em municípios baianos.
Com um conceito amplo, a SAN envolve diversos fatores e está ligada às condições econômicas, de saúde e de produção de alimentos. Preocupados com a avaliação da SAN em pequenos municípios, pesquisadores da Escola de Nutrição da Ufba desenvolveram um novo protocolo de indicadores. A proposta do estudo Avaliação da Segurança Alimentar e Nutricional nos Municípios (Avsan) é orientar o desenho de políticas públicas municipais para a área.
Primeiros resultados – Na primeira fase da pesquisa, 27 municípios foram avaliados. Por meio da pontuação de cada indicador, ela vai de zero a 10, é possível verificar o que precisa ser melhorado nas políticas públicas nas áreas de saneamento, agricultura, saúde, entre outras.
Alguns municípios, como Feira de Santana, Santo Antônio de Jesus e Vale do Jiquiriçá, ainda que apresentem boas notas em categorias relacionadas à disponibilidade de alimentos, principalmente em estratégias para os pequenos produtores, pecam em questões básicas como o número de residências com água tratada e com coleta de esgoto doméstico. A situação dos municípios estudados de acordo com cada indicador pode ser vista acessada no portal.
A escolha inicial dos locais levou em conta a concentração da população e a diversidade de áreas, região metropolitana de Salvador e região do recôncavo, para formação de um perfil regional. A Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) e a União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime) são instituições parceiras do estudo.
Múltiplos indicadores – Coleta de lixo doméstico tem relação com a SAN? E a cobertura do Posto de Saúde da Família? A relação desses e de mais 18 indicadores com o tema e os parâmetros para pontuação dos municípios pode ser acessada no portal da pesquisa. A metodologia permite avaliar a situação de San através de dados secundários disponíveis em bancos de dados públicos, principalmente no Departamento de Informática do SUS (Datasus) e no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O protocolo de indicadores analisa as quatro dimensões da segurança alimentar: acesso, disponibilidade, consumo e utilização biológica dos nutrientes. Uma série de questões é avaliada – de existência de armazéns municipais para estoque de alimentos, de centrais de abastecimento e de linha de crédito ao pequeno agricultor a renda dos responsáveis pelos domicílios particulares, número de residências com água tratada e coeficiente de mortalidade infantil.
A segurança alimentar consiste em mais do que a produção suficiente de alimentos. Inclui fatores socioeconômicos que permitam o acesso a ele e boas condições de saúde e saneamento. Enfermidades como desnutrição, anemia e parasitoses e problemas com acesso aos serviços de saúde impedem a boa utilização dos nutrientes e são causas de insegurança alimentar. Problemas aparentemente opostos como a desnutrição e a obesidade são possíveis consequências.
Falta mobilização - A pesquisa propõe treinar um voluntário ligado à prefeitura de cada município para a alimentação do portal com os dados necessários, mas ainda não houve sucesso. O grupo de pesquisa quer publicizar o portal para que os municípios coloquem as informações e a equipe da pesquisa faça a análise e retorne com os resultados. “O interesse é transferir uma tecnologia social para o município, não apenas voltar com os dados e fazer uma pesquisa, mas esse espírito ainda não está incorporado”, afirma Sandra Chaves, coordenadora da pesquisa da Ufba.
Ainda que os gestores recebam bem o estudo, a pesquisadora destaca que a boa recepção acontece porque não há trabalho para as prefeituras. Na primeira fase, a coleta de dados foi realizada pela equipe de pesquisadores. “A ideia de segurança alimentar não esta disseminada nos nossos gestores locais. Eles não se mobilizam, nós temos que criar uma estratégia de indução, de mobilização. Os gestores não entendem que é uma pesquisa de cooperação com o município, mas que nós é que estamos investigando”, reforça.
Metodologia adaptada aos pequenos municípios
Os dados disponíveis sobre a San são oriundos da Escala Brasileira de Segurança Alimentar (Ebia), usada pelo IBGE. O estudo domiciliar avalia situações de falta de dinheiro para comprar comida e só é realizado em municípios grandes. Segundo Chaves, o inquérito do IBGE não dá conta de todas as dimensões do tema.
O protocolo desenvolvido pela equipe do Núcleo de Nutrição e Políticas Públicas da Ufba tem como ponto central a viabilidade de uso da metodologia pelos pequenos municípios. Todos os municípios precisam criar seus sistemas locais de San, segundo o Sistema Nacional de Segurança Alimentar (Sisan). Por meio do portal da pesquisa, os gestores podem verificar o desempenho dos municípios em diversas questões relacionadas à segurança alimentar.
União metodológica – A associação do Avsan com o Ebia pode fornecer dados mais completos para avaliação da San. As situações de gravidade, por exemplo, são mais perceptíveis pela escala de insegurança alimentar. Já o Avsan é mais indicado quando o assunto é política pública. “O conceito de segurança alimentar é muito amplo e complexo. Dificilmente uma fórmula de mensurar dá conta do fenômeno. Quanto mais medidas, mais chance de acertar”, afirma Chaves.