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Atualizado em 13 DE abril DE 2011 ás 03:38

Ciência e audiovisual, uma junção possível?

Toda a construção audiovisual trabalha para recriar, em suas ficções, algo que seja parecido com o real. O mais absurdo dos temas deve ser algo verossímil que, mesmo não existindo, impressione por, pelo menos, parecer com a realidade. Esse, talvez, seja o perigo para uma plateia desavisada: tomar o irreal pelo real. Pegar o que foi dito nas telas como aparato inquestionável para suas discussões do cotidiano

*Henrique Araújo
henrique.daraujo@gmail.com

Quando se pensa em ciência, muitas são as representações que nos vêm à cabeça: um cientista vestido de branco, um laboratório cheio de tubos de ensaio, pessoas viciadas em estudo… Tudo isso povoa o imaginário daqueles que não praticam diretamente o fazer científico. È até comum que os chamados “leigos” nutram algumas noções caricatas da ciência e de seus executores (se é que os podemos chamar assim). Mas, de onde brota esse entendimento caricato da ciência? Porque criamos tantos estereótipos para pensar esse assunto? Será que isso ajuda ou atrapalha o nosso contato com a informação científica de qualidade?

Responder a essas perguntas é muito mais complicado do que se imagina. Não dá para dizer que um ou outro fator seja mais importante na construção das nossas percepções. Somos seres sociais e, por isso mesmo, estamos imersos num contexto extremamente complexo, que agrega em si vários fatores de conflito e de entendimento. E, como nos disse Émile Durkheim, um dos pais da sociologia, “para compreender a maneira pela qual a sociedade vê a si mesma e ao mundo que a rodeia, é preciso considerar a natureza da sociedade”.

Desvendar essa natureza não é o objetivo deste artigo. Tampouco se pretende chegar a alguma verdade. A “natureza social” é um grande universo que agrega diversos fatores. E explicar a percepção nutrida por cada pessoa nessa complexidade, talvez seja uma tarefa insolúvel, interminável. Vamos neste texto apenas apontar alguns entendimentos. Algumas formas de abordar o assunto.

Parece bastante claro que, na maioria dos casos (para não dizer em todos), começamos a ver a ciência de maneira enviesada e, muitas vezes, com informações errôneas. Da mesma forma, é sabido que um dos formatos mais presentes na formação moderna da opinião e das chamadas “visões de mundo” é o formato audiovisual. Em meio a tantas novelas, seriados e filmes, é bastante nítido o quanto este formato comunicativo interfere na maneira de as pessoas enxergarem o mundo. Nos tempos modernos, muito da “pauta” do que pensamos e discutimos está ligado à magia e ao encantamento dos conteúdos daquelas imagens, movimentos e sons que vemos todos os dias nas tevês e nos cinemas.

Para João Baptista Winck, estudioso da área de comunicação, “pode-se dizer que os meios de comunicação audiovisual foram o resultado de uma imbricação entre a arte e um notável desen­volvimento da técnica. A partir do final do século XIX, uma série de invenções – a fotografia, o cinema e o rádio – deu origem à indústria das imagens e dos signos, ou à comunicação de mas­sa, como conhecemos hoje. A produção-reprodução em série de imagens e signos adquiriu, ao longo do século XX, tanta impor­tância que caracteriza uma cultura: a Cultura Audiovisual”.

Hoje, já não é absurdo dizer que temos um olhar audiovisual consolidado. Estamos tão acostumados à estética dos filmes, das novelas, dos seriados, etc., que não precisamos que ninguém pare para nos explicar por que este ou aquele recurso foi usado em determinado momento da narrativa audiovisual. Nós já sabemos naturalmente disso. Porque nascemos sob a luz e a influência da tevê, do cinema e das suas produções.

Mas, o audiovisual poderia ser útil ao processo de divulgação científica?

A antropóloga social Emanuela Patrícia de Oliveira, ao discutir educação e cinema, afirma que as tecnologias ou, mesmo, as ditas “novas tecnologias” audiovisuais, em qualquer setor do conhecimento, podem servir “tanto para organizar quanto para desorganizar” os nossos entendimentos acerca da realidade. Em outras palavras, ela afirma que não podemos tomar a tecnologia audiovisual “por ela mesma”. Sozinhas, as novas técnicas se tornam vazias. Para a pesquisadora, tudo deveria partir de um entendimento crítico. Deveríamos refletir acerca do que se coloca à nossa frente. Coisa que, infelizmente, parece não acontecer na maioria dos casos.

A falta desse entendimento crítico e de uma postura reflexiva diante de determinadas mensagens ou ideias colocadas pelos conteúdos audiovisuais é, de fato, uma dificuldade. Para a divulgação científica então, a aceitação acrítica de conteúdos se faz ainda mais problemática. Afinal, qualquer obra, boa ou ruim, é uma leitura acerca de determinada temática. É apenas um, dentro de um universo de olhares. O espectador deveria saber disso ao se sentar ao se deparar com uma produção que trate de temas científicos. Talvez seja, basicamente, uma questão de educação. Afinal, como afirma a Emanuela de Oliveira, a “educação deve dar instrumentos às pessoas para que essas sejam capazes de agir sobre o mundo e ao mesmo tempo possam compreender a ação exercida. A escola [e o processo educativo] não deve ser a transmissora de um saber acabado e definitivo, ela não pode se limitar a transmitir o saber, mas deve ser um local onde se possibilita a crítica e a recriação do saber”.

Felipe Baptista, estudante do ensino médio e integrante do cineclube do Colégio Landulfo Alves, na cidade de Salvador, acha que o cinema e os conteúdos audiovisuais pode sim ser um instrumento de aproximação com a informação científica. Concordando com a Emanuela de Oliveira, ele diz com segurança: “Depende do nosso senso crítico”. Em outras palavras, o estudante, que lida costumeiramente com o audiovisual na sua escola, acha que o problema do contanto da ciência com o audiovisual não reside na técnica e nem no conteúdo das obras utilizadas, mas sim no entendimento que se fazem deles.

Podemos compreender daí que o cinema pode sim ser útil à divulgação científica. Desde que as suas mensagens não sejam tomadas como verdades absolutas. O espectador deve refinar o seu olhar, para poder tomar para si o que realmente serve como aprendizado ou, mesmo, com um estímulo às novas buscas e conhecimentos.

Audiovisual como estopim

Os conteúdos audiovisuais podem, então, ser aliados no processo de divulgação científica, pois, carregam em si, a força de toda uma cultura que nos é contemporânea. Eles podem ser o estopim para que se iniciem novas buscas sobre temas que muitas pessoas desconhecem.

Alguns cientistas dizem que o cinema e suas “leituras” podem trazer informações errôneas à população, uma vez que eles, os filmes, se negam a uma fidelidade “inabalável” aos conteúdos científicos rígidos. O farmacêutico e pesquisador Ricardo Durães, atualmente vinculado ao instituto de biologia da Universidade de Campinas (UNICAMP), mesmo se afirmando um “viciado em filmes”, crê que o cinema pode ter, também, um papel maléfico para divulgação científica: “se formos pensar que o cinema, em muitos casos, distorce a informação científica e a leva ao leigo de maneira equivocada, podemos dizer que esta forma de tratamento tem um lado maléfico”, conclui Ricardo.

Sobre esse assunto, o pesquisador Marcelo Gleiser tem uma opinião interessante: “Pode-se argumentar que, no caso de filmes que versam sobre temas científicos, as pessoas vão ao cinema esperando uma ciência crível. Isso pode ser verdade, mas elas não deveriam basear suas conclusões no que diz o filme. No mínimo o cinema pode servir como mecanismo de alerta para questões científicas importantes: o aquecimento global, a inteligência artificial, a engenharia genética, as guerras nucleares, os riscos espaciais como cometas e asteróides. Mas o conteúdo não deve ser levado ao pé da letra. A arte distorce para persuadir”.

Toda a construção audiovisual trabalha para recriar, em suas ficções, algo que seja parecido com o real. O mais absurdo dos temas deve ser algo verossímil que, mesmo não existindo, impressione por, pelo menos, parecer com a realidade. Esse, talvez, seja o perigo para uma plateia desavisada: tomar o irreal pelo real. Pegar o que foi dito nas telas como aparato inquestionável para suas discussões do cotidiano. Como se o que fosse dito pela tevê ou pelos filmes fosse algo que não se pudesse rever, corrigir…

O cineasta e educador baiano Marcelo Matos polemiza ainda mais o assunto: “algumas coisas é preciso separar: a verdade do cinema, não é a verdade da ciência. Não existe uma verdade que o cinema teria que representar para agradar um ou outro criador dessa verdade. Afinal, o cinema tem uma verdade que é diferente da verdade da ciência. Muitos cientistas não conhecem a linguagem cinematográfica. Por isso, acham que um filme irá afetar indiscriminadamente os espectadores”.

O fato, porém, é que o audiovisual tem papel crucial na formação de opiniões e, consequentemente, na divulgação científica. Os pontos maléficos e benéficos desta relação são inúmeros. No entanto, desde os irmãos Lumiere (os inventores do cinema), o audiovisual parece querer andar próximo da ciência. O cinematógrafo, o primeiro projetor de cinema a exibir filmes para grandes platéias, foi pensado para ser um aparelho científico, que registrasse objetivamente a realidade em uma sequência de fotos. A questão é que, os homens que futuramente se aventuraram nas experiências audiovisuais, foram dando seus toques lúdicos às representações pretensamente científicas do início. E isso fez com que o cinema se tornasse muito mais do que um mero registro. Ele se tornou uma estimulante reconstrução.

Cabe a nós saber lidar com esse recorte que é o audiovisual. E reconhecer que o cinema e sua linguagem podem ser (e em muitos casos são) o estopim para uma forma moderna de aprendizado…

Citações:

GLEISER, Marcelo. A ciência e Hollywood

OLIVEIRA. Emanuela P. de. Revisitando o educar: uma reflexão a partir do filme escristores da liberdade.

WINCK. João Baptista. Quem conta um conto aumenta um ponto: design de audiovisual interativo. Rio de Janeiro: Garamond, 2007.

*Jornalista e pós-graduando em Jornalismo Científico e Tecnológico pela Ufba

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