Ganhador do prêmio Nobel de Química em 2008, o americano Martin Chalfie, deixou um exemplo de humildade àqueles que puderam acompanhar a sua conferência esta semana em Salvador. Mesmo após ter conquistado a mais alta láurea concedida a um cientista, ele fez questão de estar entre os estudantes que o assistiam na Reitoria da Ufba. Nesta entrevista, o pesquisador da Universidade de Columbia nos EUA relata o caminho que percorreu com sua pesquisa, a GFP, e da relação com os outros dois pesquisadores que ganharam junto com ele o prêmio. Fala sobre pesquisa básica, e do seu compromisso como prêmio Nobel em divulgar ciência. Ele se mostrou encantado com a SNCT e com Salvador, cidade que disse querer conhecer desde quando teve contato com os livros de Jorge Amado. Seu livro preferido? "A Tenda dos Milagres", que coincidentemente cita a chegada de um prêmio Nobel à Bahia; arrogante e que deixou a imprensa local agitada, lá pelos anos de 1968. Condição oposta à vivida por Chalfie, que por desconhecimento dos nossos veículos de imprensa, pouco foi assediado. E se fosse, certamente o americano os receberia bem, já que diferentemente do personagem de Amado, se mostrou bastante simpático.
Por Wagner Ferreira
wagner.ferreira@ufba.br
Ciência e Cultura – Em que momento o senhor percebeu a possibilidade de ganhar o Nobel com a sua pesquisa?
Martin Chalfie – Eu nunca relacionei o sucesso do experimento com, ‘ah, eu vou ganhar o prêmio Nobel’. É muito mais importante se ter uma boa idéia. Somente depois de muito tempo, que as pessoas começaram a utilizar a GFP e começaram a me dizer: ‘olha isso aqui que você descobriu é importante; muitas pessoas estão usando e pode ser que você venha a ganhar o Nobel por causa disso.’
Ciência e Cultura - Além de o senhor, também foram laureados em 2008, o japonês Osamu Shinomura e o seu compatriota, Roger Tsien. Houve alguma interação entre os três durante o período que antecedeu o prêmio?
Martin Chalfie – Eu nunca trabalhei junto com eles. Eu já os conhecia, já havia os encontrado, mas cada um fez a sua parte. Shinomura descobriu a proteína em 1962, em 1984 eu fiz as medidas da fluorescência, e o Roger Tsen fez o trabalho depois. Quando li o trabalho do Shimomura percebi que poderia trabalhar em cima do trabalho dele, mas não foi um trabalho compartilhado. O trabalho dele me serviu de inspiração, jamais teria avançado com a minha pesquisa se não fosse a iniciativa de Shimomura.
Ciência e Cultura – Para alguns, Douglas Prasher, que trabalhou com o senhor, também merecia ser laureado. Ele foi o primeiro a descrever a clonagem e a sequência de aminoácidos da GFP em 1992, trabalho que forneceu a informação necessária para a incorporação de indicadores fluorescentes e a produção de proteínas fluorescentes pelas células. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
Martin Chalfie – Não participamos da escolha do prêmio. Não somos sequer consultados. A escolha cabe exclusivamente à Fundação Nobel, na Suécia. Obviamente que fiquei muito feliz por ter ganhado o premio, mas se alguém merecesse receber sozinho o Nobel, essa pessoa seria Osamu Shinomura, que foi o primeiro a descobrir a proteína. Respeito a decisão do pessoal da Suécia, mas acho que mais pessoas deveriam ser laureadas, e estão incluídas o Prasher e sua esposa, que é da mesma área.
Ciência e Cultura – Como está sendo a sua visita ao Brasil? O senhor esteve na segunda-feira (17) na Universidade Federal do Rio de Janeiro ministrando esta mesma palestra. O senhor teve tempo de visitar alguns de nossos centros de pesquisa? O que achou?
Martin Chalfie – Estou gostando muito de ter vindo ao Brasil, fiz muitos amigos. Mas o mais importante pra mim é poder ministrar essas conferencia para diversos alunos de graduação. Apesar de todo pesquisador dizer isso, o importante pra mim é que eles venham e conversem comigo e depois fossem trabalhar em meu laboratório. E como premio Nobel, é minha obrigação estar passando para os estudantes este conhecimentocom o intuito de eles virem para a ciência. Eu estou maravilhado com essa coisa de Semana de Ciência e Tecnologia, com estudantes envolvidos em todo o pais, um país grande como este.
Ciência e Cultura – O professor ainda ensina graduação na Universidade de Columbia?
Martin Chalfie – Sim. Atualmente estou ensinando uma disciplina que ensina como fazer ciência e pesquisa.
Ciência e Cultura – O sociólogo da ciência, Robert K. Merton (1910-2003) fez uma pesquisa sobre o comportamento dos prêmios Nobel em seus diferentes campos sociais. Ele constatou a capacidade destes cientistas em se relacionarem tão bem com outras áreas de atuação, quanto nas suas. A sua atitude após a conferência na Ufba, em chamar todos os alunos da platéia para próximo do senhor, deu indícios desse comportamento. O senhor reconhece essa constatação de Merton?
Martin Chalfie – Depois que recebi o prêmio Nobel penso que os outros também são assim porque temos um novo trabalho. Não basta somente fazer a sua pesquisa, mas também devemos conversar com os estudantes, transmitir para eles que fazer pesquisa é uma coisa boa. Quando converso com eles percebo que estão excitados. Temos um novo trabalho a partir do prêmio, que é divulgar ciência e ao mesmo tempo receber de volta essa excitação dos alunos.
Ciência e Cultura – No Brasil, não é permitida a doação de valores às Universidades. Como funciona nos EUA?
Martin Chalfie – Para toda doação particular é assinado um contrato e se têm cláusulas a cumprir. Quando o dinheiro da pesquisa vem do governo, que é o nosso caso, somos livres para gerenciá-lo, mas quando é de origem privada deve-se honrar as cláusulas determinadas no contrato.
Ciência e Cultura – No inicio da sua palestra, o senhor cita um trecho do livro de Jorge Amado, “A Tenda dos Milagres” de 1969. No romance é contado a chegada a Salvador de um prêmio Nobel, que causa furor na imprensa baiana. Em seu primeiro contato com o livro o senhor imaginou que, de alguma forma, estaria personificando James Levenson – personagem no romance de Amado?
Martin Chalfie – Comecei a ler Jorge Amado em 1980 e li todos os livros dele traduzidos para o inglês. Tenda dos Milagres é o meu livro preferido. Eu sempre quis conhecer Salvador depois que tive contato com os livros de Amado. Eu não quero ser como James Levenson, que era uma pessoa arrogante, veio cheio de pose para a Bahia e numa situação bem diferente da minha. Nunca imaginei estar aqui na mesma situação que Levenson; ser notícia nos jornais e esnobar os repórteres, foi uma coincidência muito grande, nada mais que isso.
Ciência e Cultura – Gostaríamos que o professor deixasse uma mensagem de incentivo a nossos pesquisadores e estudantes sobre o estímulo à pesquisa nesta Semana Nacional de Ciência e Tecnologia.
Martin Chalfie – O importante é fazer mais pesquisa básica. Quando você faz um projeto, é preciso convencer as pessoas sobre a sua importância. Nos Estados Unidos, quem dá dinheiro para pesquisa básica é o governo. Para quem faz este tipo de pesquisa básica não adianta receber um projeto por tempo muito curto, os resultados precisam de mais tempo para aparecer e as agência não gostam muito disso. Seus projetos têm tamanhos finitos. Eles ficam mandando dinheiro e querem respostas rápidas, mas em pesquisa básica você não tem algo que seja rapidamente palpável. Na verdade, você pode só está criando um alicerce para que outras coisas aparecem.
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Prêmio Nobel de Química é a principal atração da SNCT na Bahia
Prêmio Nobel ministra conferência na Ufba