Atualizado em 28 DE outubro DE 2011 ás 13:55

Lia Seixas

Jornalista e doutora em Comunicação e Cultura Contemporânea pela Facom-Ufba, Lia Seixas tornou-se uma das poucas pesquisadoras no Brasil a estudar os gêneros jornalísticos. É autora do livro "Redefinindo os gêneros jornalísticos", pelo qual foi convidada para integrar a pesquisa espanhola Cibermedios, que tem o objetivo analisar até que ponto estão sendo produzidas mudanças na configuração da mensagem jornalística na Internet. Em seu último artigo, ela aponta o possível surgimento de novos gêneros jornalísticos no Twitter. Nesta entrevista, Lia fala também da polêmica sobre o uso do Twitter por jornalistas fora das redações

Por Alexandro Mota*
alexandro.ms@gmail.com

Ciência e Cultura - Para você, quem são hoje os principais pesquisadores do Brasil em relação aos gêneros jornalísticos, e como você se posiciona nesse contexto?

Lia Seixas - Jornalismo não tem grandes pesquisadores de gênero, são poucos. José Marques de Melo é o principal desde 1985, quando fez uma tese e uma classificação dos gêneros. Aqui – na Faculdade de Comunicação da Ufba – a professora Itânia Gomes também estuda gênero, através do telejornalismo, há outros professores que trabalham com rádiojornalismo, e tem também professores da linguística, mas em termos de jornalismo o grande pesquisador, ainda hoje, é José Marques de Melo. Eu propus na minha tese outros critérios, não comungo exatamente com o trabalho dele academicamente, acabei virando um autor de gênero também.

Ciência e Cultura - E qual a importância de estudar e entender os formatos jornalísticos?

Lia Seixas - Acredito que compreender os gêneros é saber fazer jornalismo. Saber o que é uma entrevista, a diferença entre esta e um perfil, qual a diferença entre uma notícia e uma reportagem, por exemplo. E o que caracteriza o gênero não é só o formato, que está relacionado com a própria mídia, mas, entre uma entrevista ping-pong e um programa de entrevista, ambos continuam sendo o gênero entrevista. Acho importantes esses estudos porque o próprio jornalista passa a compreender que além do formato há questões de hierarquia da própria empresa, que implicam no gênero. Têm também as questões culturais, uma crônica no Brasil não tem nada haver com uma crônica espanhola (no Brasil é um texto literário, na Espanha é uma notícia mais aprofundada). As definições do que é notícia, o que é atualidade, o que o jornalista pode ou não falar. Entrando na discussão do diploma: um economista pode ser um colunista, mas pra fazer uma notícia não [se encaixa]. Porque essa diferenciação? Caímos aí em outra questão que são as competências exigidas do jornalismo. Resumindo, os gêneros jornalísticos representam a própria prática jornalística.

Ciência e Cultura – De um modo simplificado, para o grande público, qual seria a finalidade da instituição jornalística?

Lia Seixas - Dá a saber sobre o mundo, como se diz, trazer a realidade ao máximo, tal como ela é para o discurso jornalístico, ou seja, fazer com que as pessoas se informem sobre o mundo.

Ciência e Cultura – De onde surgiu a idéia de escrever o artigo “Os gêneros jornalísticos no Twitter. Um estudo comparativo de tuites de instituições jornalísticas”?

Lia Seixas - O twitter hoje é uma rede social extremamente relevante em termos de informação, eu creio. Informamo-nos muito pelo Twitter e até então eu não tinha lido nada sobre o assunto que me satisfizesse em relação a gêneros jornalísticos, eu achei interessante fazer uma análise sobre os gêneros nessa rede social. Sobre se é possível dizer se existem gêneros jornalísticos no Twitter ou não. As pessoas sempre discutem os gêneros a partir das participações, e eu acho que isso é errado. Por exemplo, informativo, interpretativo, direcional… Fica só no critério de função. Então, qual a função que aquele texto tem? É de informar? Eu não acho que é por aí.

Ciência e Cultura – E você acha que é por…

Lia Seixas - Pelos critérios da lógica enunciativa do texto, que tem a ver com os compromissos e operações que os jornalistas podem fazer, o que ele pode afirmar, se ele pode mostrar uma dúvida, uma avaliação… Outro critério é o da própria mídia: “eu mudei de mídia, mudou o gênero? Passei para a televisão, deixou de ser entrevista?”, é uma discussão importante, que antigamente era considerada como verdade e eu na tese discuti, disse não, não é verdade isso. Conta também às competências de um jornalista, os critérios que implicam a identidade discursiva e a hierarquia dentro da empresa, o status do jornalista, Clóvis Rossi, por exemplo, pode fazer uma matéria analítica, mas um repórter que chegou há pouco tempo na redação não pode.

Ciência e Cultura – Em um trecho do artigo você cita uma pesquisa que revela que 75% dos mil usuários entrevistados consideraram o Twitter uma “fonte de informação”. Já o Estudo Jornalismo Digital 2011, divulgado pela PR Oriella Network concluiu que entre os repórteres brasileiros o Twitter é utilizado como fonte por 66,67%; O Facebook por 58,33%; e blogs, com 57,14%; Já as assessorias de imprensa apenas 50% dos jornalistas. Teríamos aí uma reconfiguração do fazer jornalístico?

Lia Seixas - Eu não sei até onde mudou, mas eu creio que está mudando sim. A minha orientanda de mestrado, inclusive, está fazendo essa pesquisa. Vimos hoje muitas matérias cuja fonte vem a partir do Twitter, citando até que é uma declaração do Twitter. Muitos políticos também têm usado essa mídia para isso, para dar informações que não deram em nenhum outro lugar. Creio que é possível que a gente tenha essa mudança como uma prática que venha se institucionalizar jornalisticamente.

Ciência e Cultura – Como pesquisadora, como avalia isso, é positivo ou negativo, haja vista que aumenta os produtos jornalísticos baseados em declarações?

Lia Seixas - Essa discussão é antiga, por mais que hoje pareça mais declaratório do que antes, em 1993 eu estudava isso, como o impresso era declaratório. Essa questão está ligada à comodidade, à dificuldade de estrutura e com uma concepção de cultura jornalística. Existe essa concepção, do ritual estratégico de Gaye Tuchma, as pessoas continuam repetindo: “ter declaração significa credibilidade porque eu não me responsabilizo pelas informações e eu tenho uma fonte que está dizendo” e não necessariamente.

Ciência e Cultura – Já que existe essa possibilidade do surgimento de novos gêneros ou adaptações de formatos para novas mídias, como a academia está absorvendo isso?

Lia Seixas - A academia eu acho que está atrás e nessas questões só avança em relação às pesquisas. Mas a nossa dificuldade aqui é tecnológica, eu preciso, por exemplo, de softwares, de gente capacitada tecnologicamente para fazer um laboratório para experimentar formatos e linguagens. O grande desafio do jornalista hoje, com as novas mídias, é trabalhar as linguagens. Por exemplo, como eu trabalho o áudio numa entrevista? Como trabalho o áudio-visual, o infográfico? É isso que faz com que novos formatos surjam e possam vir a serem novos gêneros jornalísticos, que só existe quando é institucionalizado. A galeria de imagem está ficando aí como formato, mas será que isso um dia poderá virar um gênero? Por que uma galeria de imagem não se sustenta por si só, não é uma composição discursiva independente.

Ciência e Cultura – O Twitter é um espaço de interação entre os perfis. Percebo que as instituições jornalísticas usam muito o Tweetfeed. Até que ponto as instituições jornalísticas estão no Twitter como forma de interagir com o seu público ou estão utilizando apenas como forma de distribuição de conteúdo?

Lia Seixas - Nesse artigo eu fiz uma pesquisa com quatro instituições, escolhi o perfil do Guardian Mundo, El País, Folha Online, Folha Mundo e Folha Cotidiana. Creio que não posso falar de todas as instituições jornalísticas, mas eu estou vendo que no geral as empresas jornalísticas ainda não usam corretamente o Twitter, não usam como rede social, e sim como outra forma de divulgar. Tornam-se um feed, um repositório de títulos, os mesmos títulos que vão para o site. A minha pergunta foi: Isso aí seria um gênero jornalístico de algum sentido? Um formato?

Ciência e Cultura – Você entrevistou jornalistas que estão atuando com a manutenção das redes sociais. Como você a relação deles com as redes, eles têm uma noção de que podem estar criando um novo formato?

Lia Seixas - Na verdade eu não consegui fazer as entrevistas. Pelo próprio Twitter eu contatei, a partir de menções, pessoas do Guardian Mundo. Eu coloquei meu currículo lattes, para eles saberem que sou pesquisadora, e pedi uma entrevista com pequenas questões por e-mail. O jornalista do Guardian me respondeu pelo Twitter no mesmo dia, mas, fazendo a mesma operação, eu não consegui isso com a Folha, por incrível que pareça. A editora de Internacional demorou mais de um dia para me responder, ou seja, ela não entra no Twitter. De qualquer maneira eu vim saber que, na Folha, é feed automático por conta da ferramenta que usei para analisar isso. As únicas questões que eu fiz foram em relação à própria rotina produtiva, quem estava responsável pela conta, e no caso da “Folha” eu entendi que não tinha ninguém. Ou seja, não valia a pena fazer nenhuma entrevista, porque eles não estavam usando a rede social.

Ciência e Cultura – E qual era o objetivo dessas entrevistas?

Lia Seixas - Eu queria ver a questão da identidade discursiva, da autoria que está atrás da conta, É o editor? Então no artigo eu indiquei que o Twitter Guardian Mundo tem uma equipe 24 horas. Então assim, quem tuita necessariamente não importa, é como no editorial, quem faz você não sabe, mas é a instituição jornalística.

Ciência e Cultura – Além de não conseguir contato, houve alguma outra dificuldade para esse artigo? E como lidar com questões envolvendo a metodologia de pesquisa, já que na academia o twitter é algo novo?

Lia Seixas - A grande dificuldade do Twitter é a falta de memória, o sistema não guarda por muito tempo os tweets. Na verdade eu tive a sorte de estar acontecendo algo que era mundial enquanto eu queria fazer aquele artigo. De qualquer maneira eu me propus a escolher um tema dentro daquela semana que eu ia trabalhar. É um problema para fazer uma análise no Twitter, porque se você quiser fazer uma análise tem que pensar exatamente que corpus vai ter, você vai ter que ficar o tempo inteiro online para quando tiver um evento que você achar importante, você tem que ir lá, e tem que fazer o trabalho na mão grande, que é selecionar tudo, colocar num arquivo para poder recuperá-lo. E se for pensar como a coisa acontece de verdade é mais difícil ainda: tuites, retweets, menções… É uma pesquisa difícil, porque enquanto está acontecendo, você tem que estar arquivando esse material de alguma maneira.

Ciência e Cultura – O jornalista no Twitter: isso tem criado polêmicas. Que dica você dá em relação ao uso do twitter, pelos jornalistas, em suas contas pessoais?

Lia Seixas - É polêmico pelo seguinte, não é por que você é Alexandro Mota que, por não está trabalhando naquele momento, você vai deixar de ser jornalista do “A Tarde”, por exemplo. A sua conta pessoal nunca vai ser tão pessoal assim. Dizem que alguns jornalistas foram demitidos por isso, é o fato de você criticar o produto, ou do qual você faz parte ou da própria empresa, como um indivíduo, mas ao mesmo tempo você não deixa de ser jornalista. Não posso fazer determinados comentários em público, independente de estar no Twitter, ou estar num site, ou em uma entrevista… Tudo tem um limite. Isso não é próprio do Twitter é uma questão de consciência do lugar social.

Ciência e Cultura – “Eu estava no meu perfil do Facebook, que julgava ser algo pessoal”, Justificou recentemente o cantor Ed Mota, após comentários preconceituosos na rede. O uso de declarações tiradas da rede em um texto noticioso. Há limites? Perfis nas redes são espaços públicos ou privados?

Lia Seixas – Ele julga como pessoal, mas não é pessoal, é público. Ele está numa rede social. O que eu quis dizer muitas vezes não é interpretado da maneira que eu pretendia que fosse. As pessoas perdem a noção, acham que estão ali com seu smartphone, fazem um comentário qualquer no calor de um acontecimento, as outras pessoas não entendem por que não estão no contexto de quem postou, e acaba permitindo outra interpretação. O erro é de quem tuita, qualquer tuite é público e o jornalista pode usá-lo, mas tem que saber contextualizar.

*Estudande de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom