Peças publicitárias associam empreendimentos imobiliários à natureza primitiva tornando-os mais caros e territórios excludentes na Região Metropolitana de Salvador
Por Vinicius Carvalho*
vinicapital@hotmail.com
É cada vez mais comum encontrar nas conversas do dia a dia da população soteropolitana referências à quantidade de empreendimentos imobiliários que tem surgido na capital baiana nos últimos anos. A ocupação dos espaços, seja por meio de grandes empreendimentos ou de construções irregulares, nas grandes e pequenas cidades é, sem dúvida, uma das grandes preocupações dos Geógrafos. Recentemente, contudo, algo em especial despertou a atenção do Professor Doutor Wendel Henrique, do Instituto de Geociências da Ufba. A comercialização da natureza por parte dos agentes do mercado imobiliário em Salvador e região metropolitana, se tornou tema de sua pesquisa.
Henrique, na verdade, estuda a apropriação da natureza por parte das estratégias de venda do mercado de imóveis desde que começou a desenvolver a sua tese de doutorado, em 2001. À época, a observação dos anúncios de empreendimentos imobiliários teve como foco os jornais de domingo na cidade de São Paulo, bem como exemplos da cidade de Florianópolis, onde o professor residia.
“Impressões em tons de verde, uso de folhas e flores para fins estéticos e exagero no tamanho e na aproximação de áreas verdes” são algumas das técnicas usadas nas peças publicitárias do mercado de imóveis com fins de associar os empreendimentos à ideia de” natureza primitiva, a qual se torna sinônimo de qualidade de vida e transforma-se em valor econômico, aumentando os preços dos apartamentos, casas e edifícios”, diz o pesquisador num texto, resultado da pesquisa financiada pelo CNPQ e publicado em abril deste ano num periódico da Universidade Federal do Ceará.
Henrique explica, ainda, que por meio de anúncios que supervalorizam a natureza, as empresas do ramo associam as ideias de uma natureza simbólica a um conceito de exclusividade e privilégio que faz referência direta a raridade das áreas de concentração do verde nas grandes cidades e que muitas vezes está expresso nas denominações dos empreendimentos, seja com expressões do nosso idioma, seja com traduções das mesmas em inglês e francês. A criação do desejo de exclusividade é, portanto, estratégia de venda que expressa com veemência a negação do acesso a todas as pessoas e, desta forma “definem-se, do ponto de vista geográfico, territórios excludentes”.
As áreas da cidade que estão fora do foco de atenção do processo de valorização dos agentes do mercado de imóveis, explica o professor, “são fortemente transformadas, ocupadas e, neste caso, a natureza deixa de ser elemento vinculado a qualidade de vida, harmonia e beleza, associando-se a uma série de problemas como enchentes, deslizamentos e doenças. Costumo dizer que nestes casos, a natureza vira mato e que ações são implementadas para derrubar o mato, para esconder esta natureza, como por exemplo, ocorre com a canalização e tamponamento de canais fluviais. Ao invés de tratar e despoluir os rios e canais urbanos, ainda assistimos nas cidades brasileiras a opção mais fácil que é o encobrimento do problema, ou seja, empurramos a sujeira – o rio – para debaixo do tapete do asfalto.”
Os empreendimentos imobiliários, em contrapartida, esforçam-se em criar um conjunto de necessidades que vão desde o jardim e a vista até a vizinhança e a infraestrutura. A vida harmônica com a natureza é na verdade um padrão pré-estabelecido no qual não cabem os problemas naturais mais comuns como “mosquitos, cheiros estranhos ou árvores que atrapalhem a vista” diz o pesquisador.
“Em função da raridade da presença de elementos da natureza nas cidades, especialmente nas grandes, os preços por estas ‘necessidades naturais’ torna-se cada vez mais alto e, portanto, o seu acesso será definido em função da renda, negando o uso coletivo da natureza, mas gerando altas expectativas de lucro. Desta forma, estes espaços remanescentes de natureza são disputados pelos grandes incorporadores, loteados e edificados, reduzindo, é claro a presença da natureza no local, que em muitos casos permanece apenas no nome do empreendimento.” Explica, no texto já citado.
Para o professor, o aumento significativo do crédito imobiliário, que é resultado de uma mudança na política econômica no governo Lula, deve chamar a atenção à necessidade de uma mudança nos padrões construtivos “adensando áreas já construídas ou focando este crédito imobiliário na aquisição de imóveis usados”.
*Estudande de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom
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Excelente visão da magnitude do problema que nós- soteropolitanos – estamos vivendo com a epidemia dos edifícios da paralela.