Após o sucesso do Networked Hack Lab, a capital baiana recebe mais um evento
POR ROSANA GUIMARÃES
jornalista.rosanaguimaraes@gmail.com
Realizado em Salvador e na cidade de Cachoeira durante os meses de agosto a dezembro do ano passado, o Networked Hack Lab, evento promovido pelo Programa Vivo Lab, contou com a realização de cinco oficinas e diversas exposições, que misturaram arte, tecnologia, música e experimentação de linguagens. Para os que acham que tecnologia se resume apenas às áreas de ciências exatas, esta matéria traz uma chance de rever conceitos.
Entre as oficinas ministradas destacam-se as que tiveram participação de dois professores da Universidade Federal do Recôncavo (UFRB): Fernando Rabelo e Jarbas Jácome. “Projeções Externas Interativas”, de Fernando Rabelo, teve como objetivo discutir sobre projeção, interatividade e mapping. Segundo Rabelo, trata-se de uma “técnica de projeção que recorta e modela superfícies de projeção em espaços arquitetônicos ou objetos. A imagem projetada ganha novos significados associados ao objeto/arquitetura usados como ‘tela’. A técnica de mapear espaços já é aplicada no mundo e ganha cada vez mais espaço nos espetáculos audiovisuais e na publicidade”.
Como ponto positivo de trazer esta técnica para ser melhor disseminada entre a sociedade, Rabelo revelou que foi criado um grupo de pesquisa sobre o assunto. “Agora podemos dedicar mais na investigação e elaboração de textos, projetos e apresentações mediante o encontro do grupo” afirmou. “Chamamos de UFRGB, uma alusão à UFRB mixando com (RGB) as cores luz da projeção” disse. Além desta conseqüência, Rabelo salientou que tais projeções foram requisitadas por centros, festivais etc. “Estaremos fechando o Cachoeira DOC com mais uma apresentação. Isso com cachê para todos os participantes, fato que comprova a possibilidade de oferecer produtos ao mercado consumidor, nesse caso, produção de eventos e festas”, afirma entusiasmado.
O trabalho ministrado pelo professor de Artes Visuais consistiu em realização de intervenções artísticas nas cidades de Cachoeira e São Félix, Recôncavo baiano. As projeções de imagens, sons e efeitos visuais foram feitas em monumentos e prédios públicos (fachada da Câmara de Vereadores de Cachoeira – antiga Casa de Detenção – e no Cruzeiro do Alto da Santa Cruz). “Além dessas projeções realizamos a performance saia do armário, com uma projeção de várias pessoas saindo de um armário ‘real’ e a projeção do ‘fusca’ que foi feita com imagens gravadas numa viagem com o carro, projetada no próprio carro, e onde as janelas serviram de tela”, explicou Rabelo.
Já na segunda etapa do evento, foi a vez de Jarbas Jácome promover o inusitado. Uma mistura de apropriação de técnicas de visão computacional e computação musical para expressão artística foi o resultado. Produzir arte por meio de pequenos softwares que puderam ser utilizados como instrumentos audiovisuais digitais, com programas controlados através da luz emitida por objetos como lanterna, isqueiro, vela acesa ou celulares. Em uma das experiências foram tiradas fotografias de um único local, em diferentes horários. Por meio de um instrumento que emitisse luz, foi possível, ao movimentar a luz em diferentes destinos, fazer uma espécie de montagem de um amanhecer e entardecer no Farol da Barra.
Além disso, por meio da luz também foi possível experimentar o Maxixe Mixer, onde cada gravação musical, de diferentes instrumentos, teria seu volume aumentado ou diminuído, dependendo apenas do movimento vertical da luz, tornando a invenção em um tipo de mesa de mixagem controlada pela luz. Para Jarbas o evento teve um bom resultado. “Foi uma excelente oportunidade de solidificar minha presença na Bahia”, afirmou o potiguar que antes de chegar à Bahia, em 2011, tinha vivido durante dez anos em Pernambuco. “Foi muito boa a oportunidade de ministrar uma oficina de 36hs de duração, que foi a de maior duração que eu fiz até hoje. Com mais tempo assim dá pra produzir e aprender muito mais, além de conhecer melhor os participantes. Adorei os resultados da oficina, fiquei muito feliz”, ressaltou o também professor de Artes Visuais da UFRB.
As outras oficinas trouxeram outras experiências inusitadas para a Bahia. O Coletivo Gambiologia, composto pelos designers mineiros Fred Paulino, Lucas Mafra e Ganso, transformou a “técnica” do “armengue” em uma interessante oficina. Sucatas, brinquedos, eletrônicos estragados e bonecas, após muitas gambiarras, viraram objetos multifuncionais que podem ser reconhecidos como eletrônicos, esculturas ou peças decorativas.
Em seguida, o facilitador Lucas Bambozzi e seu grupo de inscritos utilizaram mídias portáteis para mapear por meio de imagens as referidas cidades e depois, empregaram um mecanismo que, acelerava ou diminuía a velocidade com que as imagens eram exibidas, tendo como resultado a exposição “Pêndulo” e, por último, a oficina de Henrique Roscoe, que construiu instrumentos e controladores midi utilizando interfaces customizadas. O objetivo é converter o sinal em midi e poder controlar qualquer programa que aceite parâmetros midi. Tais controladores possuem baixo custo e são construídos para necessidades específicas dos artistas. Como resultado foram trazidas para Salvador as instalações Alone, Bateria Eletrônica, K-synth, Therementos e Ponto, um videogame vencedor.
No Networked Hack Lab, para Fernando Rabelo, foi uma ação extremamente importante porque incluiu Cachoeira no circuito “cena” tecnológica e artística do país. “As oficinas começam em Cachoeira e depois vão para Salvador, ou seja, temos uma mudança de eixo de produção científica e tecnológica. Os participantes, na maioria alunos, foram se capacitando cada vez mais nos diversos workshops realizados, criando um público pensador e atuante na cultura tecnológica”, concluiu. Já para Jarbas Jácome, tal evento contribuiu para a não espetacularização da tecnologia. “Apoio veementemente esse tipo de iniciativa. Sou a favor de eventos que invistam mais na formação do que na espetacularização da tecnologia. De espetacularização já estamos muito bem servidos e até saturados. Está na hora de mais formação, discussão, mão na massa. É isso que as pessoas estão querendo, dá pra sentir” diz. E ainda dá um alerta para a sociedade. “Vamos dar um tempo na tecnolatria, isto é, consumo idiota do último ‘gadget’ lançado só porque é novo; deslumbre com os efeitos e pirotecnias das tecnologias digitais, etc. Vamos dar um tempo também na tecnofobia, isto é, medo do novo. Nem tecnólatras, nem tecnófobos, sejamos tecnofilósofos, ou seja, não só usuários mas também desenvolvedores de tecnologias e refletindo criticamente sobre o que estamos desenvolvendo. Esse pode ser um papel da arte-computação hoje. Sangue no silício! Mas com quantos litros de sangue se faz uma placa de silício?”, questiona.
Digitalia: Festival/Congresso de Música e Cultura Digital – Entre os dias 1 e 5 de fevereiro foi realizado o Digitalia, evento que reuniu iniciativas que relacionam o campo da música às novas TICs. Durante estes cinco dias foram realizadas conferências, oficinas e cursos; apresentação de trabalhos em diversas modalidades, inclusive, com a participação de Jarbas Jácome (URFB), citado acima na experiência do Networked Hack Lab; produtos e plataformas desenvolvidos para música online; conteúdo para difusão, via WEB, produzidos de forma colaborativa pelos participantes do evento, além da promoção de intervenções musicais e multimídia.
Sob três eixos – pesquisa, formação e integração – o Digitalia foi promovido pela comunidade Audiosfera, rede social dedicada à relação entre música e cultura digital, que também possui um grupo de pesquisa com o mesmo nome, hospedado no Instituto de Humanidades, Artes e Ciências Prof. Milton Santos (IHAC), da Universidade Federal da Bahia, que também apoiou o evento, tal como a UFRB, Uneb, FGV/CTS, UNICULT, Capes, MINC, Funart, Secult-BA, Funceb e Cogel.
A abertura do evento ficou por conta das apresentações artísticas de DJ Spooky, Rumpilezz e Psilosamples, no Teatro Vila Velha. Nos dias seguintes, além das atividades de debates e conferências, houve programações artísticas durante a festa de Iemanjá e no Sebo Praia dos Livros e Sunshine Bar, contando ainda com uma desconferência feita por Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura e cantor. Já no último dia, na Concha Acústica, foi realizado um show com Criolo, Stomp Stage Experience, Stank, Versu2 e DJ Riffs. O acesso ao evento foi feito mediante ingresso que foi trocado por um livro infanto-juvenil. Os livros doados serão utilizados na implantação de uma biblioteca comunitária no bairro de Nordeste de Amaralina, em Salvador.
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