Segundo especialistas, não há idade nem caminho recomendados para se fazer a revelação
POR THAIS BORGES*
thaiiis.borges@gmail.com
Para pacientes com câncer, contar sobre a doença para a família pode ser uma situação difícil. Fazer uma revelação aos filhos, crianças e adolescentes, entretanto, acaba por ser uma tarefa ainda mais árdua para a maioria dos pais. Nos Estados Unidos, segundo a American Cancer Society, mais de um milhão e meio de sobreviventes do câncer tinham filhos com menos de 18 anos, em 2010. No Brasil, ainda não existem estatísticas oficiais, mas estudiosos alertam quanto a preservação da saúde mental de crianças e adolescentes, a qual exige sensibilidade e cautela durante a revelação do problema de saúde.
Para Isabel Lima, professora e pesquisadora da Universidade Católica do Salvador (UCSal), que estuda o direito à saúde da criança, comunicar-se a uma criança sobre uma dor, sofrimento ou diagnóstico familiar deve levar em conta o seu limite de compreensão, sua capacidade de verbalização e interação, além do contexto cultural. “Cada criança tem sua forma de lidar com a perda e com os limites físicos ou psicológicos das pessoas com quem convive”, explica. A pesquisadora defende que a criança deve ser protegida, para que possa desenvolver sua personalidade e, consequentemente, poder expressar suas emoções.
“É preciso ter em mente que a criança está em processo de amadurecimento”, lembra Isabel, citando as chamadas “evolving capacities” (“capacidades de desenvolvimento”, tradução livre). “Isso significa uma dinâmica lenta que envolve dimensões biológicas, neuropsíquicas e emocionais, enquanto a menina e o menino vão se relacionando com o mundo real, com o mundo da sua fantasia, do lúdico, do seu universo de representacões”, exemplifica Isabel, que é doutora em saúde pública.
Escondendo o inevitável
A psicóloga especialista em Terapia Familiar Ana Clara Bastos indica que, em momentos de crise, a criança é capaz de sentir que algo está diferente em seu contexto de desenvolvimento. “No caso de doença dos pais, ela percebe a mudança na sua rotina e a preocupação dos adultos”, expõe. Em casos que necessitam de hospitalização, como salienta Ana Clara, ainda existe a dificuldade causada pela falta que os filhos sentem dos pais. “Pode gerar confusão e tristeza, de modo que o diálogo é essencial”, diz a psicóloga, que é mestranda em Psicologia do Desenvolvimento pela UFBa (Universidade Federal da Bahia) e, atualmente, estuda o luto no Instituto 4 Estações, em São Paulo.
A dona de casa Anita Ribeiro sentiu essa dificuldade quando sua sobrinha teve câncer no estômago. A jovem, na época com 23 anos, tinha uma filha e a família sempre tentou fazer com que a criança compreendesse a situação da mãe, sem assustá-la. “Ela via a mãe doente, tendo que sair de lugares devido à ânsia de vômito causada pela quimioterapia”, lembra Anita. A dona de casa conta, ainda, que a criança, com apenas três anos, participou de todo o processo.
“Não podíamos esconder, porque ela via que a mãe estava mal. Procuramos explicar para ela da maneira mais cuidadosa possível que a ‘mamãe estava dodói’”. Anita conta, ainda, que o mais difícil foi contar para a criança que a mãe falecera. “Nós tentamos prepará-la, mas ninguém está preparado para a morte, especialmente uma criança. Dizíamos que a mãe dela tinha ido para o céu e coisas assim, porque assumimos que ela não conseguiria entender”, relata.
A psicóloga Ana Clara Bastos admite que os adultos são inclinados a agir com base na concepção de que as crianças não são capazes de entender a complexidade de uma situação grave. “São nesses momentos que aparecem as mentiras e a tendência a minimizar os problemas. Muitas vezes a maior dificuldade está no adulto, e não na criança”, reflete. Ana Clara afirma que esse tipo de atitude provoca a ansiedade e a emergência de fantasias acerca dos acontecimentos, confundindo a mente infanto-juvenil.
Revelação incompleta
A estudante Yne Manuella Cardoso ainda era uma adolescente quando sua mãe foi diagnosticada com câncer no cérebro. “Meus pais me contaram o que sabiam na época. Mas depois, eu percebi que minha mãe sabia muito pouco do que estava acontecendo e meu pai era quem sabia de tudo”, recorda. Yne revela que chegou a discutir com o pai, inconformada com a falta de informações.
“Mas o pior de tudo foi perceber que, na época, eu não entendia a dimensão do que estava acontecendo. Parece que eu estava inconsciente”, queixa-se. Para a estudante, no entanto, a falta de conhecimento não diminuiu a dor que sentiu com a perda da mãe. A inversão de papeis durante o tratamento ainda a incomoda. “É horrível ver que aquela pessoa que cuida de você está doente”, lamenta a jovem, que atualmente faz terapia.
Não existe caminho
Uma revelação brusca pode desencadear maiores problemas para que os filhos enfrentem a situação dos pais. Ana Clara Bastos pontua que é possível observar reações de ansiedade, encolhimento, agressividade e hiperatividade, a depender do contexto e do desenvolvimento de cada criança ou adolescente. “A depender da idade e da história de vida, [uma revelação brusca] pode ser preocupante, se não averiguarmos o que eles absorveram das informações compartilhadas”, diz.
Não existe, contudo, uma idade recomendada para contar sobre a doença. Ainda assim, a psicóloga admite que a capacidade de compreensão aumenta com o desenvolvimento da criança e do adolescente. Os mais novos têm mais dificuldade para assimilar as informações, sendo necessário utilizar recursos que facilitem o diálogo. “No contexto hospitalar e clínico, utilizamos o lúdico, sejam livros, brinquedos ou situações que facilitem a expressão da criança perante a notícia”, explica.
A psicóloga defende que é importante criar um espaço para que a criança, após receber uma notícia difícil, possa expressar os seus sentimentos, angústias e dúvidas. A dona de casa Anita Ribeiro lembra que, ao saber da morte da mãe, sua sobrinha-neta começou a cantar. “Ela cantava alto, e nós deixamos. Era como se estivesse precisando daquilo”, conta. A individualidade de cada criança, portanto, deve ser respeitada, bem como sua necessidade de expressão, visto que muitos especialistas concordam que não há uma fórmula para ajudá-la a lidar com isso.
Serviço:
NEPPSI – Núcleo de Estudos e Práticas Psicólogicas (UNIFACS) http://www.psi.unifacs.br/servicos/neppsi.htm
Atendimento de Psicologia da UFBA – http://www.psi.ufba.br/. Tel: (71) 3235-4589.
*Thais Borges é estudante de Comunicação – Jornalismo da Faculdade de Comunicação, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).