A doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, Inaiá Maria Moreira de Carvalho, analisou o panorama atual do trabalho infantil na sociedade brasileira, através da pesquisa “O Trabalho Infantil no Brasil Contemporâneo”.
POR RITA DE CÁSSIA MARTINS*
rc.martins@live.com
A doutora em Sociologia pela Universidade de São Paulo, Inaiá Maria Moreira de Carvalho, analisou o panorama atual do trabalho infantil na sociedade brasileira, através da pesquisa “O Trabalho Infantil no Brasil Contemporâneo”.
Atualmente Inaiá de Carvalho é professora do Mestrado em Políticas Sociais e Cidadania da Universidade Católica do Salvador e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal da Bahia.
Em entrevista à Agência de Notícias Ciência e Cultura, a pesquisadora traçou um perfil das crianças e adolescentes que trabalham precocemente no país e analisou a eficácia das políticas sociais destinadas a esse público.
Ciência e Cultura – Como surgiu a ideia de desenvolver essa pesquisa?
Inaiá de Carvalho – Foi pela própria relevância do tema e também instigada por algumas agências, principalmente o Unicef (The United Nations Children’s Fund), que está fazendo um trabalho em prol da reivindicação do trabalho infantil e contratou a mim e uma aluna orientanda minha, Cláudia Monteiro. Então fizemos um segundo trabalho para o Unicef juntas.
O apoio financeiro do Unicef foi muito importante, principalmente, para pegar o caso da Bahia. Também recebemos o apoio do CNPQ – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – que concede bolsas de produtividade de pesquisa e financia estudos.
Ciência e Cultura – Qual a metodologia de pesquisa utilizada? Foi uma pesquisa de campo?
Inaiá de Carvalho - Na verdade a gente trabalhou principalmente com a pesquisa da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) que permitiu acompanhar a evolução do trabalho infantil de 1992 até 2008, que foi o último ano que a gente trabalhou com os dados da PNAD disponível. Então, por exemplo, o texto que eu fiz pro Unicef, com Cláudia, a gente pôde analisar, especificamente, o estado da Bahia. Além disso eu fiz também alguns trabalhos de campo sobre o Peti [Programa de erradicação de trabalho infantil] e aí eu pude observar algumas outras questões.
Ciência e Cultura – A pesquisa foi realizada com crianças de quais regiões do Brasil?
Inaiá de Carvalho - Eu trabalhei com o Brasil vendo as especificidades regionais. Eu observei, portanto, que esse trabalho é mais frequente em duas situações: em estados mais atrasados como Maranhão, Alagoas, a própria Bahia e em estados em que há uma parcela grande de população rural porque nos tempos mais recentes esse trabalho passou a se concentrar mais no meio rural.
Ciência e Cultura – A partir dos resultados já obtidos até o momento, é possível traçar um perfil das crianças e adolescentes que trabalham precocemente?
Inaiá de Carvalho - Através da correlação de diversas variáveis dá pra se fazer um perfil. Uma primeira observação é que esse trabalho pode começar muito cedo, às vezes você encontra crianças de cinco anos já envolvidas com o trabalho. A diferença vai se dando por alguns fatores. Primeiro, os meninos são mais inseridos no trabalho do que as meninas porque as meninas ficam, normalmente, mais como auxiliares da mãe nos trabalhos domésticos e os meninos vão mais para o trabalho fora do âmbito doméstico. Em segundo lugar a cor é uma variável importante. Fazendo a relação entre cor e trabalho, deu pra observar que entre as crianças não-brancas, quer dizer aquelas pardas e pretas, 60,6% trabalhava. Então, a maioria das crianças negras, juntando os pretos e os pardos, trabalham justamente porque elas estão na condição de pobreza.
Em terceiro lugar, claro que são as crianças pobres. Ninguém de classe média ou alta põe suas crianças para trabalhar.
Então, há influência do sexo, há uma influência da idade, há uma influência do meio rural ou urbano. As crianças do meio rural hoje em dia são a maioria dos que trabalham. E você tem o seguinte padrão: as crianças pequenas, que podem começar aos cinco anos e vão até os nove anos mais ou menos, elas normalmente trabalham na área rural como auxiliar de membro da família sem remuneração e com uma jornada de trabalho mais reduzida porque elas são mais poupadas, mas quando atingem a faixa de 14 e 15 anos 63,7% das crianças trabalham uma jornada quase equivalente a de um adulto. E aos 17 e 18 anos esses adolescentes trabalham tanto quanto um adulto.
Outra variável é que as remunerações não existem quando as crianças trabalham auxiliando familiares. E quando essa remuneração existe é muito baixa. Além disso, as crianças que trabalham precocemente sofrem vários danos físicos, desde picadas de insetos até a exposição climática.
Ciência e Cultura – Quais as políticas sociais destinadas a essas crianças? Elas são eficazes?
Inaiá de Carvalho - Elas já foram mais eficazes. Durante muito tempo o trabalho precoce era naturalizado e visto até como algo educativo. Depois de pressões internacionais, principalmente da Unesco (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization), isso começou a mudar. Em 92 houve alguns protocolos e em 96 o Governo Federal lançou o Programa de Erradicação e Prevenção do Trabalho Infantil (Peti), uma bolsa fornecida às crianças para que deixassem o trabalho.
Inicialmente o Peti foi direcionado às piores formas de trabalho infantil: as carvoarias no Mato Grosso do Sul, os canaviais em Pernambuco e a produção de sisal na Bahia, que chegava a mutilar as crianças.
Então, o Peti foi bem sucedido, mas esse sucesso atualmente está estagnado porque a queda [dos índices de trabalho infantil] está mais lenta e nem sempre é continuada. Primeiro porque o trabalho infantil está localizado no núcleo duro, que é o meio rural. E segundo porque ele não é uma questão apenas econômica e envolve outros fatores como a falta de apoio institucional.
Ciência e Cultura - Qual é a principal necessidade de crianças e adolescentes que se encontram nessa situação?
Inaiá de Carvalho - Ter o direito que toda criança deve ter: família, educação, etc. E viver a infância que todas as crianças merecem.
* Rita de Cássia Martins é estudante de jornalismo da Faculdade de Comunicação da UFBA.