Professora e pesquisadora da Escola de Nutrição da UFBA, Ryzia de Cássia Cardoso desenvolve pesquisas nas áreas de cadeias informais de produção e comercialização de alimentos. Em entrevista à Agência Notícias, a professora fala da importância das pesquisas no segmento; dos resultados já alcançados e da necessidade de regulação e formulação de politicas públicas para o comércio informal de alimentos. Ryzia de Cássia fala também de sua pesquisa atual intitulada “Comida de rua no cotidiano e no carnaval de Salvador: diagnóstico e intervenção para a promoção da segurança alimentar”.
POR MIRIANE SILVA
mirianesilva2@gmail.com
Ciência e Cultura – Como surgiu o interesse em estudar a comida de rua em Salvador?
Ryzia de Cássia Cardoso- Surgiu há uns doze/treze anos atrás quando eu comecei a ler alguns trabalhos sobre comida de rua em outros locais do mundo e percebi que aqui no Brasil a gente não tinha muito essa visão. Mesmo aqui na área de Nutrição a gente não olhava para a informalidade da produção, distribuição e abastecimento de alimentos. As ações sempre foram voltadas para o setor regulado e formal, mas não havia um olhar e pesquisas para a informalidade, especificamente, de comida de rua. Independente de classe social, poder aquisitivo, a comida de rua é instituída. Em paralelo a isso, havia uma falta de ações ou de propostas da gestão pública para essa informalidade. Então, em função disso e de ter reparado que em outros países já havia estudos em desenvolvimento, ações, medidas de intervenção para o setor e, que estas medidas de intervenção eram apoiadas por organismos internacionais como a FAO (Organização de Comida e Agricultura) e a OMS (Organização Mundial de Saúde), eu comecei a trabalhar.
Ciência e Cultura – Qual o objetivo deste estudo?
Ryzia de Cássia Cardoso- O objetivo é exatamente caracterizar como é que acontece a comida de rua aqui em Salvador. A comida de rua é uma só, mas ela tem atores sociais e contextos um pouco distintos.
Ciência e Cultura – Em linhas gerais o que é segurança alimentar?
Ryzia de Cássia Cardoso- Existe o conceito que é dado pelo CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), é um conceito nacional de segurança alimentar. Este conceito considera que toda pessoa tem que ter acesso aos alimentos em quantidade e qualidade. A qualidade aí inclui muito a inocuidade, que o alimento é seguro e tem que respeitar as questões das tradições e as questões ambientais. Por exemplo, o atendimento não pode afetar outras necessidades que as pessoas têm. É um conceito que não consegue, por exemplo, dentro da informalidade de alimentos encaixarem essa informalidade nessa perspectiva. Ainda falta muito para que esse setor consiga cumprir com essas propostas de segurança alimentar nacional.
Ciência e Cultura – Qual a importância desta pesquisa para a segurança alimentar?
Ryzia de Cássia Cardoso – Politicamente, o setor informal de alimentos ainda não consta nas políticas de governo de uma forma plena. Já existem iniciativas como, por exemplo, a pesca artesanal. Foi criada Secretaria, depois o Ministério para observar, porque metade do peixe que se produz no Brasil vem da pesca artesanal. No caso da comida de rua é a mesma cois – ela abastece a cidade. É preciso legitimar, reconhecer politicamente que o segmento existe e, da mesma maneira que aconteceu com a pesca, buscar ações que possam organizar esse setor; dar sustentabilidade as ações; fazer com que ele ocorra de uma forma que congestione menos as ruas, que não gere muito lixo. Trabalhar de uma forma sustentável para organizar o segmento, capacitar tanto a questão dos vendedores, orientarem os consumidores, quanto sensibilizar e preparar a gestão pública municipal para lidar com o segmento. A partir do momento que nós temos os estudos que evidenciam como esse segmento é importante para vida das cidades, ou a questão da preocupação com relação à segurança dos produtos, isso vai requerer dos órgãos formuladores de políticas outro olhar.
Ciência e Cultura – Quais os resultados esta pesquisa já apontou?
Ryzia de Cássia Cardoso- Na verdade, esse projeto especificamente começou em 2010, mas as pesquisas com comida de rua eu trabalho desde 2000. Nós temos uma série de produtos e resultados. O primeiro estudo que a gente fez trabalhou com seis produtos de grande consumo. Começamos fazendo questionários para caracterizar os comportamentos, os locais de venda, o que vendia e as práticas dos consumidores. Foi feito um planejamento dentro da amostragem probabilística e nós trabalhamos a divisão da cidade em seis distritos sanitários com amostras repetidas dos mesmos fornecedores distribuídos nesses distritos sanitários. É uma análise estatística bem robusta, avaliamos o acarajé, cachorro quente, salgados (coxinhas, quibe), caldo de cana, mingau e os sucos que são vendidos como acompanhante dos salgados. Nós trabalhamos com 120 amostras de cada produto juntando os diferentes distritos sanitários. O acarajé e o caldo de cana foram extremamente problemáticos, os dois tiveram 68% de não conformidade para os requisitos legais da legislação. E nós encontramos também índices elevados para os salgados. Outro estudo que nós fizemos foi a análise separada do bolinho do acarajé, vatapá, camarão refogado e a salada. O bolinho é tranquilo, seguro. O problema do vatapá e do camarão é que eles são feitos em casa, mas [na rua] permanecem em temperaturas que são favoráveis ao crescimento de microrganismos. No caso da salada, é que uma grande parte da salada é feita na rua, sem atender a todos os requisitos de higienes que são necessários e depois fica na temperatura ambiente. São vários fatores que se somam numa determinação do problema da não segurança. Tem outro estudo que foi feito só na perspectiva do trabalho infantil. A venda da comida de rua em Salvador, na praia, é perversa no sentido de inserir crianças desde os cinco e seis anos no segmento. No estudo com comida de rua na praia a gente evidenciou o problema de contaminação para o queijo coalho e ovo de codorna. O levantamento feito em Salvador é que a maior parte dos vendedores de comida de rua, na rua, são homens, principalmente chefe de família. Eles optam por esse segmento como uma estratégia de sobrevivência, manutenção.
Ciência e Cultura – Qual a metodologia de análise utilizada nas pesquisas?
Ryzia de Cássia Cardoso- Nutrição tem um viés de permeação social muito grande, não interessa só o alimento a gente entende que o alimento e a pratica de consumir está inserido dentro de um contexto e de um cenário. A ideia é sempre trazer a questão do consumo e da oferta desses alimentos pensando também nos atores sociais que estão envolvidos ou nas razões que faz com que esses atores tomem parte nesse cenário. Tem sido utilizados questionários para vendedores e consumidores. Tem um questionário que nós fizemos e não trabalhamos ainda que está na perspectiva do multicêntrico na questão da legislação e regulação que serão para gestores públicos das municipalidades. Então existem questionários e também a questão da coleta de alimentos. Temos trabalhado muito na perspectiva da análise microbiológica porque é uma análise que está muito mais relacionada com o risco, mas podemos trabalhar em uma perspectiva físico-química, toxicológica e com outras perspectivas de análise de alimentos que sejam de interesse.
Ciência e Cultura – Como a senhora avalia o desenvolvimento de pesquisas nesta área na Bahia?
Ryzia de Cássia Cardoso- Não existem muitas universidades pesquisando isso. E a gente não tem muitas pessoas fazendo isso em outros lugares do país, são poucos os pesquisadores. De certa forma os pesquisadores buscam muito as referências aqui em Salvador para desenvolver as suas pesquisas em outros estados. A ideia é que a gente possa depois pensar em conduzir estudos multicêntricos fazendo articulação com outras instituições em outros estados para ter uma caracterização melhor da comida de rua no Brasil. E pensando em perspectivas diferentes, mais social, nas questões da história da comida de rua porque é uma tradição, ou a questão social do trabalho, renda, gênero e da etnia. E algo que ainda é desafio é a questão da regulação, como que os órgãos públicos municipais enfrentam isso. Alguns municípios como Curitiba já tem uma legislação mais estrita, uma regulação melhor. Aqui em Salvador a gente ainda não tem. O que avança e o que retrocede, pensando as diferentes municipalidades, seria necessário para que houvesse um direcionamento para uniformizar como as cidades irão estabelecer a regulação ou o apoio a esse serviço e diretrizes.
*Miriane Silva é estudante de Jornalismo da FACOM-UFBA.