O imaginário brasileiro é repleto de estereótipos quando o assunto é o índio, mas a sociedade tem procurado ter uma visão mais real desta questão. Neste contexto, o Professor Francisco Guimarães, da Universidade Estadual da Bahia, fala da realidade atual da população indígena e da influência da educação brasileira e da mídia na percepção que a sociedade tem do índio.
POR LUKAS BARBOSA MATTOS*
Ciência e Cultura – Como o índio está inserido no mercado de trabalho brasileiro?
Professor Francisco Guimarães - Primeiramente, é necessário destacar que não dá para falar do índio de modo genérico, pois cada povo tem sua cultura e uma história própria e vive num contexto marcado por situações bem específicas.
Se formos falar do povo Pataxó, por exemplo, que vive no extremo Sul da Bahia, a questão da inserção no mercado de trabalho é bastante evidente em função da indústria do turismo em cidades como Porto Seguro e Santa Cruz Cabrália, que os atrai não só para a produção e comercialização de artesanato, mas para o trabalho em pousadas e outros estabelecimentos comerciais na região.
Além disso, alguns índios possuem estabelecimentos comerciais dentro e fora da reserva de Coroa Vermelha, principalmente voltados para a comercialização de artesanatos. Alguns desses estabelecimentos também são alugados para não índios. Assim, muitas pessoas da comunidade, incluindo jovens e crianças, principalmente da comunidade de Coroa Vermelha são contratadas como vendedores ou atuam no mercado informal.
Vale destacar, que entre todos os povos indígenas na Bahia e em todo Brasil, é cada vez mais expressiva a atuação dos próprios índios como funcionários públicos em suas respectivas comunidades, assumido cargos que antes eram ocupados por não índios, destacando-se nesse sentido a área de educação, que por lei tem que ser específica e diferenciada, tendo à frente professores e gestores indígenas.
Ciência e Cultura – De que maneira os próprios índios foram afetados segundo a percepção deficiente da educação brasileira quanto aos índios?
Professor Francisco Guimarães - Se hoje os povos indígenas têm direito a uma educação escolar específica e diferenciada, isso se deve a uma conquista do movimento indígena e indigenista no país, através do estabelecimento de uma nova orientação da política indigenista no país a partir da Constituição de 1988, quando se rompe com a perspectiva de integração dos índios a uma pretensa comunhão nacional, reconhecendo o direito desses povos a afirmação e manutenção de suas identidades étnicas. Antes disso, desde o período colonial, com a educação escolar desenvolvida nos aldeamentos religiosos, o propósito foi o da negação e demonização das culturas indígenas e a imposição da língua e dos valores europeus e do mundo colonial português.
Ciência e Cultura – Quais eram seus próprios preconceitos com relação aos índios antes de começar suas pesquisas?
Professor Francisco Guimarães - A ideia de que ao me sentir comprometido com os povos indígenas e ao ser incluído por eles em seus rituais coletivos e determinadas atividades cotidianas, passasse a ser visto por eles apenas como uma pessoa, abstraindo o fato de eu ser um “branco” brasileiro e funcionário da FUNAI, o que para eles impunha uma grande desconfiança.
Ciência e Cultura – Os índios de hoje conseguem fazer relatos da realidade do período anterior á chegada dos portugueses?
Professor Francisco Guimarães - Sim, é muito comum nos mitos indígena uma referência a personagens e acontecimentos que marcaram suas vidas desde os primórdios da invasão de seus territórios, que na verdade correspondem a contextos bem específicos para cada povo, nem sempre relacionados à invasão e conquista portuguesa, mas de outros povos europeus e também de agentes coloniais brasileiros que ainda hoje ameaçam a integridade física, cultural e espiritual dos povos indígenas.
Ciência e Cultura – De que maneira a mídia pode ajudar no resgate da imagem real do índio?
Professor Francisco Guimarães – Reconhecendo aos povos indígenas a sua condição de sujeitos sociais plenos, incluindo-os na condição de autores de suas imagens.
Ciência e Cultura – Explique o que você quis dizer em: “a História não reconhece o índio como agente social ativo”.
Professor Francisco Guimarães – Da mesma forma que na mídia, não há uma inclusão dos índios nos livros didáticos de História como autores ou interpretes de registros históricos ou historiográficos relativos a eles.
Apesar de a autoria indígena ser cada vez mais efetiva em relação a produção de materiais didáticos adotados em escolas indígenas em todo país, o mesmo não se observa em relação a produção dos Livros Didáticos Nacionais, que desconsideram a participação indígena em sua elaboração e, apesar de submetidos a processos avaliativos impostos pelo MEC, através do Programa Nacional do Livro Didático, e de terem que se adequar às exigências da Lei 11.645, o que se observa é, em certa medida, a reiteração de um mesmo problema: o tratamento da temática indígena caracterizado pela perspectiva eurocêntrica do evolucionismo cultural.
Não é por acaso que nos livros didáticos de História perdura a entronização de conceitos caros ao colonialismo herdado dos portugueses como a ideia de “Descobrimento do Brasil”, definindo para as novas gerações a condição de subalternidade reservada aos povos indígenas, sempre vistos como “primitivos” ou como definira o cronista português Pero de Magalhães Gândavo, no seu livro Tratado da Terra do Brasil, escrito em 1573. Sem fé, sem rei, sem lei.
*Lukas Barbosa Mattos é estudante da Facom-UFBA e aluno da disciplina Agência de Notícias.