Professor da Faculdade de Comunicação da Ufba, André Lemos está entre os ativistas que protestam contra a aprovação do Projeto de Lei que ameaça a privacidade na internet (Lei Azeredo). Em parceria com o professor Sérgio Amadeu da Silveira e o publicitário João Carlos Rebello Caribé, ele elaborou uma petição contra a lei, que já tem 163.237 assinaturas. André Lemos é coordenador do grupo de pesquisa Cibercidades, que estuda vários eixos da relação entre as novas tecnologias da comunicação e o espaço urbano, incluindo questões políticas, como vigilância e privacidade
Por Luana Ribeiro*
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Ciência e Cultura - Você tem afirmado que a discussão do PL 84/99 é “o acontecimento” no Brasil nos últimos tempos. Por outro lado, no Brasil, não é um tema acessível a todos. Porque este debate deve ser feito?
André Lemos – Primeiro porque essa discussão vai afetar a internet como um todo. Muitas pessoas utilizam a internet, eu acho que grande parte da população brasileira utiliza; mesmo quem não tem computador em casa utiliza no trabalho, na escola ou em algum lugar. Essa lei afeta a ação das pessoas a partir da criação de um ambiente de vigilância e de controle muito grande. Esse projeto de lei já foi aprovado no Senado, está indo para a Câmara dos Deputados, está agora em consulta pública e deve ser votado em agosto. A decisão sobre esse projeto de lei vai definir o futuro da internet no Brasil; o que nós poderemos fazer e que tipo de dados vai deixar a cada navegação. É importante também fazer valer o Marco Civil da internet, um movimento promovido pelo Ministério da Justiça e a sociedade civil, para se mobilizar e criar um ambiente de regulação – mas feito pela sociedade civil – sobre a internet. Isso devia estar sendo levado em conta pelo projeto, mas não está sendo considerado. Não pode ter um projeto de punição sem um Marco Civil garantindo os direitos e deveres dos cidadãos com a rede.
Ciência e Cultura – Poderíamos dizer que a lei entende o ciberespaço como um espaço análogo ao mundo físico? (para André Lemos, não existe um “mundo virtual”, e sim um espaço de comunicação possibilitado pelas novas tecnologias e mídias, que se relaciona e interpenetra o mundo físico).
André Lemos – Não, (para a lei) é pior. Ele seria mais controlado que o espaço físico. Porque a idéia que está por trás é da internet como um ambiente extremamente perigoso e que nós temos que controlar a ação que todas as pessoas fazem na internet. Na verdade, isso é uma falácia, porque a maioria dos usos da internet são legítimos, sem grandes problemas legais, então isso vai punir a população como um todo. Eu sempre tento comparar com o mundo “real”. Nesse projeto, tudo que você faz na internet tem que ser gravado, os provedores terão que guardar isso durante muito tempo, porque se acontecer alguma coisa eles podem retraçar o seu percurso, aquilo que a pessoa fez e chegar até o criminoso. Isso não vai resolver o problema, primeiro porque os criminosos se escondem de uma maneira muito mais fácil do que esse rastreamento permitiria detectar. Segundo, porque é completamente diferente da ação que fazemos no dia a dia. Nós não precisamos identificar tudo que nós fazemos porque se houver um crime a polícia pode rastrear tudo que foi feito e chegar ao criminoso. É uma visão restritiva da internet e penaliza os usuários que fazem um uso criativo, participativo e colaborativo da rede.
Ciência e Cultura – Caso a lei seja aprovada, quais serão os prejuízos para quem está entrando em contato agora com a internet, e que já a conheceria sob estas condições?
André Lemos – O primeiro prejuízo é que muitas das redes que estão abertas hoje estariam fechadas. Muito do que nós fazemos livremente na internet requereria grande burocracia para ser feita. Todas as lan-houses e provedores de acesso teriam que passar por uma reconfiguração logística muito ampla, porque eles vão ter que guardar logs de ação das pessoas durante uns três anos, com tudo que elas fizeram pelas suas redes. Se um usuário comum dissemina um vírus, mas ele não sabe que está no computador dele, ou se o computador foi pego como “zumbi” (um hacker ataca do seu computador pessoal), ele poderá ser penalizado.
Ciência e Cultura – Para quem não tem acesso a essa discussão, até por não conhecer a internet, o que é importante esclarecer?
André Lemos – Acho que é importante pensar a internet como um espaço de liberdade, criação de conhecimento, circulação do saber, de fomento à cultura e que precisamos dizer às pessoas que é necessário que se mantenha assim, e não criar a idéia de um mundo de perigo, de criminosos, pedófilos… Embora isso aconteça, em minoria, na rede, não pode caracterizar e travar o desenvolvimento da internet, ainda mais no Brasil. Nós não podemos perder a possibilidade de se tornar um país ativo na sociedade da informação e aproveitar o que a internet tem de melhor, em um país que tem problemas de biblioteca, de circulação de conhecimento nas escolas, de formação de professores. A internet é um caldo cultural extremamente rico, para que se crie empecilhos para que as pessoas usem isso da maneira mais criativa possível. Claro que temos que punir os criminosos, o Código Penal deve ser aplicado, mas não devemos criar na internet um ambiente de pânico e vigilância generalizado.
Ciência e Cultura – A aprovação de uma lei como essas seria negativo estrategicamente para o país?
André Lemos- Com certeza. Seria muito negativo, principalmente para um país como o Brasil. Em um país em que as instâncias mais diversas estão muito bem estruturadas, você tem escapatórias a isso, mas no nosso caso, não. A inclusão digital, um plano de banda larga bem feito que dê acesso às pessoas, uma internet de qualidade são fundamentais para a educação, para a cultura e para a economia de um país.
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Projeto de lei ameaça privacidade na internet
*Estudande de Jornalismo da Faculdade de Comunicação da Ufba – Facom