O físico baiano e coordenador do Laboratório de Propriedades Ópticas (LaPO-Ufba), centro de pesquisa responsável por anunciar, em 2010, o desenvolvimento da primeira célula solar de filmes finos CIS (Cobre-Indio-Selênio) do Brasil, fala sobre Nanotecnologia e da Academia Baiana de Ciências, onde também é membro
Por Julia Lins
jsallins@gmail.com
Ciência e Cultura – Em outubro do ano passado, uma pesquisa tecnológica desenvolvida no LaPO, pelos professores Denis David e Marcus Vinicius, resultou na primeira célula solar de filmes finos produzida no País. Como funciona o filme fino de célula solar e qual o andamento dos estudos?
Antônio Ferreira - Normalmente, os painéis solares são de silício, que funcionam como dispositivos eletrônicos que têm conectores dentro dele que você não vê. A tecnologia do filme fino é diferente, já existia em outros países, nós sabíamos dos materiais para fazer a deposição, agora, como fazer isso que foi a novidade. Esta célula solar de filme fino é uma lâmina de vidro, coberta com um líquido composto por cobre, índio e selênio que, manipulado com uma “maquininha”, ele fica depositado no vidro formando uma película fina. É como a película de vidros que a gente vê em shoppings, por exemplo, que quem está fora do prédio não vê o que tem dentro, mas quem está dentro enxerga quem está fora.
Esse filme, a gente também tenta fazer, porque é uma tecnologia um tanto complexa. Essa forma de energia pode ser utilizada de diversas maneiras, em casas e indústrias, por exemplo. Você vai poder substituir combustíveis como o petróleo, em alguns casos, mas não completamente. Uma empresa norte americana que tem ligação com empresas em São Paulo, soube desse trabalho. Eles entraram em contato com a gente e vieram aqui no instituto discutir como implantar essa empresa na Bahia e desenvolver essa tecnologia em grande escala, porque, para isso, é preciso capital, inclusive para melhorar essa tecnologia. Se não tiver pesquisa para tornar ela cada vez mais eficiente, isso morre no futuro.
Ciência e Cultura – Por que esses filmes finos não poderiam substituir completamente combustíveis como o petróleo?
Antônio Ferreira – São tipos de energias novas que estamos estudando, temos que ver se elas realmente têm as características para substituir o petróleo ou outros combustíveis. Elas entram numa percentagem de energias renováveis sem poluição. No caso do filme fino, a gente trabalha com escala micrométrica e estamos estudando para colocar o filme fino em escala nanométrica, que torna esse material melhor em transporte de corrente de energia, para que o painel solar fique mais eficiente e barato. Pesquisamos a produção de hidrogênio para gerar energia amiga do meio ambiente, porque em lugar de produzir gás carbônico, ele produz água. Em alguns países já existem carros movidos a hidrogênio. Para se utilizar isso em larga escala, ainda temos que fazer mais pesquisas, idealizar os materiais mais eficientes e ver como armazenar isso melhor.
Esta parte de pesquisa em armazenamento é um dos nossos objetivos. Também precisamos de um tipo de material que forme a célula de combustível, que é como a pilha, que produz a corrente elétrica. São esses os grandes desafios da utilização do hidrogênio que nós estudamos, mas tem poucas pessoas pesquisando isso no Brasil. A produção de petróleo é muito grande e envolve um aparato financeiro, estratégico e político pesado, mesmo assim, países como EUA, Alemanha e Suécia também estudam muito sobre o hidrogênio, porque é uma energia limpa e alternativa. Eles desenvolvem isso para suprir uma parte dessa energia de poluição.
Ciência e Cultura – Como é trabalhar em nanotecnologia e o que tem sido aplicado?
Antônio Ferreira – Na microeletrônica, a escala trabalhada é 1 milímetro dividido em mil vezes, na nanotecnologia é 1 milímetro dividido por um milhão de vezes. Isso quer dizer que você vai trabalhar numa escala tão pequena, que é possível identificar partículas essenciais para uma maior eficiência em armazenamento de energia e de informações num menor espaço possível. Antigamente, celulares e computadores eram todos grandes, hoje não, tem os pendrives, por exemplo, que armazenam coisas pesadas, mas para isso acontecer, a gente tem que entender como é o comportamento de materiais que vão absorver essas informações. Essa identificação é numa escala que vai a nível atômico e, para a gente poder ver e manipular isso tem que ir para uma escala nano. No Brasil, poucos lugares fazem esse tipo de pesquisa com aplicação dela.
Na área de medicina, a nanotecnologia vai lá no fundo do que você é constituído, no seu DNA, por exemplo. Imaginemos um tipo de doença, como você pode tratar ela com a nanotecnologia? Como podemos ter dispositivos melhores para uma comunicação mais avançada? Como podemos fazer objetos tão pequenos que possam olhar tudo dentro do seu organismo? São coisas que estão sendo estudadas. Um exemplo do que a gente estuda, é a identificação de materiais que podem servir como droga delivery, ou seja, você coloca esse objeto nanométrico com o composto certo na corrente sanguínea do paciente e o segue com sensores, quando ele chegar em determinado lugar do corpo, você lança um tipo de radiação, que vai aquecer o local, e ele abre liberando a substância diretamente na região desejada. A gente está estudando o magnetismo, como forma de monitorar este conjunto.
Ciência e Cultura – O senhor acredita numa futura regulamentação do uso da nanotecnologia?
Antônio Ferreira – Pode ser, porque em alguns congressos que eu tenho participado, tem uma sessão normalmente sobre ética em nanotecnologia. O problema é que ela é um tanto desconhecida. Por exemplo, procura-se investigar, com muita intensidade, o quanto esse material que é colocado pode ser absorvido pelo seu organismo, pode acumular e depois ser um problema para você no futuro. Tem materiais utilizados que são tóxicos, mas com um ataque químico ele deixa de ser tóxico para o organismo, passa ser um produto amigável ao seu corpo. Mas ainda continuamos a investigar para termos garantia do quanto indesejável pode ser esta nanopartícula.
Ciência e Cultura – Como essa tecnologia em escala tão pequena é manipulada? Como é a construção de nanoestruturas?
Antônio Ferreira – Você precisa de uma tecnologia e equipamentos muito avançados. Na Fiocruz, tem bons microscópios, porque eles trabalham com identificação de leishmaniose e dengue que apresentam sintomas parecidos, eles inventaram uma forma de se detectar isso pelo sangue. Com o microscópio que vai te dar resultados numa escala nano, muitas destas pesquisas estão se tornando mais fáceis em suas investigações. Se for um microscópio comum, algumas estruturas do material investigado pode camuflar aspectos importantes do material.
No Brasil, ainda estamos “engatinhando” na construção de estruturas nanométricas. Nisso a gente ainda tem que se tornar competência na área. Tudo que eu estou falando aqui em microscopia tem que ser comprado fora e é caro, pesquisa é uma coisa cara. Essa é uma das razões que os cosméticos mais sofisticados têm que ser caros. Um protetor solar, por exemplo, quando você passa uma substância que adere a sua pele ou fica dentro da pele, ele pode ter alguns tipos de nanopartículas, que não vão deixar os raios solares penetrarem. Então, eles têm que entender de nanotecnologia. Se você vai em laboratórios de cosméticos, você vai encontrar laboratórios que a universidade daqui não tem. Você encontra físicos, químicos e profissionais de várias áreas.
Ciência e Cultura – Neste sentido, as pesquisas em nanotecnologia têm um caráter bastante multidisciplinar.
Antônio Ferreira – Num congresso, às vezes, você não sabe de que área é o pesquisador que está apresentando o trabalho em nanotecnologia. Essa multidisciplinaridade faz com que a gente tenha uma visão ampla do que acontece em ciência e publique trabalhos que não são só para o físico. Nós vamos implantar, pela primeira vez aqui na Ufba, no Instituto de Física, um laboratório multiusuário de Microscopia Eletrônica. Será um centro de microscopia multidisciplinar para várias áreas como física, engenharia, química, biologia, farmácia e medicina. Quando pensamos em implantar esse laboratório, tivemos o cuidado de conversar com pesquisadores de várias unidades e ver se eles tinham interesse, e claro que estavam interessados, porque isso complementaria a pesquisa de ponta. Neste laboratório, nós vamos ter dois tipos de microscópios poderosos, um chamado microscópio de força atômica e outro que é mais refinado ainda, chamado microscópio eletrônico de varredura. Eles não são baratos, esse de varredura custa em torno de 1 milhão de reais.
Depois dessa reforma no instituto, o primeiro andar do prédio vai ser só de laboratórios, vamos ter física experimental de grande porte. Quando digo grande porte, não é comparando só à Bahia ou ao Brasil, mas internacionalmente. Além disso, estão construindo um anexo atrás de cada prédio dos institutos de Física e Química, que são próximos, com uma ligação entre eles. Uma colaboração científica intensa está existindo entre estes institutos e com o pessoal de Geociências, como pode ser observado nos últimos projetos de CT-Infra que tem trazido grandes recursos para a Ufba. O próprio LaPO também é multidisciplinar, porque a gente está fazendo célula solar com múltiplas aplicações.
Dentre algumas parcerias, investigamos com pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais em São José dos Campos – SP, spintrônica e materiais para uso em detectores infravermelhos e radiação solar. Com um dos laboratórios da Marinha Americana, em Washington, nós pesquisamos materiais tipo óxidos, por exemplo, que tem múltiplas aplicações, como despoluição de rios, fazer novos lasers e novos componentes para alguns tipos de dispositivos eletrônicos. Com o Centro para Nanotecnologia de Londres, Inglaterra, investigamos o comportamento de átomos em novos materiais semicondutores.
Ciência e Cultura – O LaPO tem parcerias com indústrias?
Antônio Ferreira – Essa simbiose indústria-academia lá fora é bastante forte. Na universidade é onde se busca a inteligência, mas muitos desses laboratórios também fazem pesquisa independente dela. Aqui, a gente tem pouquíssimas parcerias, nós não temos essa ligação forte com a indústria, porque a indústria e a academia precisam ainda de um maior diálogo, especialmente na Bahia. Em São Paulo, têm várias, pode observar, onde tem as grandes universidades está cheio de indústria de ponta, então, elas vão para o sudeste. Na verdade, elas precisam de um incentivo maior para se estabelecerem aqui. A região que chama Vale do Paraíba é de alta tecnologia, como as regiões de Campinas e São Carlos, que tem muita indústria de ponta, fora às automobilísticas, que tem equipamentos altamente sofisticados. Você compra um carro hoje, ele é todo computadorizado, grande parte da sofisticação vem de fora, mas a gente tem que desenvolver essa tecnologia.
Na Suécia, por exemplo, o Instituto Real de Tecnologia tem parcerias fortes com indústrias. A Suécia é um país pequeno, com cerca de 8,5 milhões de habitantes, mas eu garanto que muitas coisas que você usa no dia a dia é tecnologia deles. O leite que a gente bebe, a embalagem é Tetra Pak, que é sueca. Rolamentos de carro, palitos de fósforo, também, fora tudo que eles desenvolvem de chip, que a gente não sabe fazer, nem para celular. Mas a Suécia é mais rica do que o Brasil? Não. E eles desenvolvem tecnologias de ponta que vende para a gente, porque a gente não tem como desenvolver.
A questão é que eles investem numa coisa que o Brasil deveria investir mais e com qualidade, chamada educação, e em todos os níveis. É difícil para a gente conseguir um nível como esse na formação de recursos humanos especializados, se não trabalharmos nesse sentido. A educação para entrar na universidade lá é pesada, é impressionante o quanto é investido e como isso é levado a sério. Como é que a gente vai ter uma internacionalização da instituição, que é outro ponto importante, se nós não temos pelo menos uma preocupação para motivar o aprendizado de uma língua universal, por exemplo? Algumas universidades estaduais em São Paulo, já estão fazendo essa internacionalização.
Ciência e Cultura – Vocês também estão estudando a spintrônica, outro tema que é uma fronteira da ciência. O que isso está trazendo de novo?
Antônio Ferreira – A spintrônica é uma nova fronteira da ciência que a gente também está trabalhando, ela é uma maneira de tentar tornar mais eficiente tudo de eletrônico que você puder imaginar, como aumento da capacidade de processamento e miniaturização. Não é um simples estudo de movimento de elétrons, mas de como o elétron está se deslocando, que gera alguma coisa que fica movimentando para cima e para baixo no elétron, gerando uma energia que chamamos spin. Essa energia é extremamente pequena e quase não se detecta. A gente faz toda a parte teórica da pesquisa e tenta se agrupar com grupos experimentais lá fora, porque lá eles têm grandes laboratórios, de milhões de dólares, coisa que a gente não alcançaria aqui tão cedo, apesar de fazermos pesquisa de ponta, igual. Essa parte da pesquisa é bem competitiva internacionalmente, não é propriamente para competir aqui no Brasil, mas para competir lá fora.
Ciência e Cultura – Entre os anos de 2004 e 2006 o senhor foi coordenador nacional da Rede Multi-Institucional em Materiais Avançados e Nanotecnologia (Reman) para desenvolvimento de protótipos e nanodispositivos, com o objetivo de identificar pesquisadores em todo o Brasil que trabalham com nanoestruturas. O que resultou disso?
Antônio Ferreira – A Reman foi uma das primeiras redes de nanoestruturas no Brasil. Eu coordenava a rede nacionalmente, ela abrangeu cidades desde Fortaleza até Porto Alegre e indo para o Centro Oeste. A gente identificou todos os pesquisadores e fez um projeto em comum, cada um dando sua contribuição. Nós realizamos palestras e workshops a partir daí, passamos a conhecer cada um desses pesquisadores, saber o que cada um estava produzindo e começamos a fazer trabalhos em grupo. Em Recife, por exemplo, eles têm o que a gente chama de sala limpa, para fazer materiais como chips, a sala tem que ter um grau de limpeza extraordinária e isso é caríssimo.
Em Fortaleza tem um pessoal que trabalha com nanofios. Em Belo Horizonte em novos materiais. Realmente essa época foi de efervescência, nós ficamos com uma cooperação entre a gente muito grande, tivemos muitos trabalhos publicados, apresentação em seminários internacionais, workshops e patentes. Eu tenho duas patentes originadas dessa rede. Atualmente participo de uma rede semelhante a essa, só que da Petrobrás, chamada Rede de Nanotecnologia. Ela está nos dando, por exemplo, infraestrutura para fazer esse laboratório multiusuário, ela tem colaborado para a compra de equipamentos e contratar técnicos. É um financiamento de pouco mais de R$ 400 mil geridos pela Fapex.
Ciência e Cultura – O senhor é um dos membros fundadores da Academia de Ciências da Bahia, qual o papel da ACB no desenvolvimento científico e tecnológico do estado? Vocês vão ter articulação com a Academia Brasileira de Ciências?
Antônio Ferreira – A ACB foi uma idéia do professor Roberto Santos, que tem um peso muito grande no âmbito acadêmico. Ele, junto com outros professores, como Edivaldo Boaventura, Eliane Azevedo, Olival Freire, Bernado Galvão, Mitermayer dos Reis, Naomar Monteiro e eu, nós passamos o ano discutindo como seria a academia, tínhamos que fazer o estatuto e registrá-la. Ela vai poder dar subsidio a alguns tipos de política cientifica e tecnológica, sociais e educacionais para o governo, por exemplo, no mapeamento científico-tecnológico do parque tecnológico, ver a melhor maneira de se fazer isso. A academia é ampla e contempla varias áreas.
Espera-se colher subsídios através de projetos que a gente faz e apresenta ao governo. A cada 15 dias nós promovemos seminários de diversas áreas inseridos em algum contexto que pode ser social, científico e tecnológico. Não só entre a gente, mas já foram palestrantes como os secretários da Secretaria de Ciência e Tecnologia, de Saúde e de Educação e do Superintendente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. A Academia Brasileira de Ciências fica como uma espécie de referência, por ser mais antiga. Além de se obter subsídios dela, porque nós vamos promover políticas dentro do nosso estado, se é nacional, a gente entra em contato também com ela.
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Glossário
CT-Infra – Fundo de infra-estrutura criado para viabilizar a modernização e ampliação da infraestrutura e dos serviços de apoio à pesquisa desenvolvida em instituições públicas de ensino superior e de pesquisas brasileiras, por meio de criação e reforma de laboratórios e compra de equipamentos, por exemplo, entre outras ações. Fonte de Financiamento: 20% dos recursos destinados a cada Fundo de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Índio, Cobre e Selênio: são elementos químicos que compõem o material fotossensível.
Magnetismo: é a denominação associada ao fenômeno ou conjunto de fenômenos naturais relacionados à atração ou repulsão observada entre determinados materiais.
Nanoestruturas: são estruturas construídas em escala nano. Como chips e fios nanométricos.
Semicondutores: são materiais com propriedades intermediárias entre isolante e condutor de energia.
Cluster, ou aglomerado de computadores: é formado por um conjunto de computadores, que utiliza um tipo especial de sistema operacional. Muitas vezes é construído a partir de computadores convencionais (personal computers), os quais são ligados em rede e comunicam-se através do sistema, trabalhando como se fossem uma única máquina de grande porte.
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Entrevista - Olival Freire Jr.
Academia de Ciências da Bahia é instalada sob promessa de funcionamento do Tecnobahia ainda em 2011
O Digníssimo Cientista, Antonio Ferreira da Silva é
ouvido e admirado em grandes palestras, reconhecido
mundialmente, e os nossos Governantes não lhes dão
o apoio que o mesmo necessita para as suas pesqui-
sas, tornando assim o nosso País importador de Tec-
nologia. Acorda Brasil
Que orgulho para nós brasileiros, baianos e especialmente Berimbauenses termos um cientista do “quilate” de Antonio Ferreira da Silva, reconhecido internacionalmente. A sua competência, com certeza, vai além da nossa imaginação. Vamos torcer para que os nossos governantes deem à política na área da ciência e tecnologia a importância que lhe é devida. Parabéns! Mestre, pelo seu trabalho.